Direitos humanos mostram o labirinto da civilização brasileira
Neste 10 de dezembro, comemora-se 78 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos
atualizado
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Em um mundo devastado pela Segunda Guerra Mundial, um pequeno gesto buscava restaurar a humanidade. No dia 10 de dezembro de 1948, foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas a Declaração Universal dos Direitos Humanos, um conjunto de princípios destinado a garantir que os horrores do conflito jamais se repetissem. Seus 30 artigos não são apenas letras no papel; eles são um pacto de sobrevivência. Liberdade, igualdade, moradia, educação, trabalho digno e dignidade são elementos essenciais para qualquer sociedade que pretenda ser justa. Contudo, mesmo 76 anos depois, os direitos humanos permanecem alvo de desinformação e resistência.
O Brasil, com sua história marcada pela exclusão, é um território onde a luta pelos direitos humanos encontra resistências históricas e atuais. Aqui, o termo “direitos humanos” é frequentemente sequestrado por narrativas que o associam à impunidade ou à proteção exclusiva de criminosos. No entanto, essas garantias não são privilégios ou favores: são proteções universais contra arbitrariedades, que beneficiam tanto quem vive nas margens quanto quem se encontra no topo das hierarquias sociais. Ainda assim, a frase “direitos humanos, para humanos direitos” ecoa como um mantra de desinformação, transformando algo que deveria unir em mais uma linha de divisão.
A demonização dos direitos humanos não é uma novidade, mas se intensifica em tempos de polarização. O Brasil, ao longo de sua história, sempre teve dificuldade em lidar com garantias universais. Desde a abolição tardia da escravidão até as desigualdades raciais e econômicas que persistem, os direitos de muitos foram tratados como concessões temporárias, e não como um alicerce permanente. No entanto, o que sustenta a frase “só bandidos se beneficiam dos direitos humanos” é uma visão simplista que ignora os princípios fundamentais dessas garantias. O direito à dignidade, por exemplo, não se aplica apenas a quem é “inocente”, mas protege qualquer cidadão, justamente para evitar arbitrariedades — como prisões injustas ou violência policial sem julgamento.
Por trás dessa retórica de desconfiança, está a resistência em encarar os próprios privilégios. Direitos humanos obrigam sociedades a confrontar suas estruturas de poder e a reconhecer os impactos da desigualdade. Quando se fala em demarcação de terras indígenas, reforma agrária ou políticas de cotas, os direitos humanos não são um privilégio, mas uma tentativa de corrigir um desequilíbrio que mantém milhões de pessoas à margem. O incômodo surge justamente porque a equidade parece uma ameaça para quem ocupa uma posição de conforto.
Outro ponto crucial é a desinformação. No Brasil e no mundo, grande parte da população ainda não compreende plenamente o que significa “direitos humanos”. A ausência de uma educação cidadã que ensine sobre a universalidade dessas garantias contribui para a perpetuação de mitos. Além disso, discursos políticos que demonizam os direitos humanos — muitas vezes para justificar abusos de poder — acabam confundindo o público, desviando o foco das verdadeiras causas dos problemas sociais, como a pobreza e a desigualdade.
O que esperar de uma sociedade que, em pleno século 21, ainda amarra pessoas em postes para puni-las, sob o aplauso de jornalistas e apresentadores de TV? Uma sociedade onde políticos exaltam torturadores como heróis e parte da população celebra a exploração no trabalho, enquanto o trabalho escravo persiste como uma ferida aberta. Essa é uma realidade que revela o quanto ainda estamos distantes de valores fundamentais como dignidade, justiça e igualdade. Mais do que atrasos, esses episódios expõem uma cultura de barbárie normalizada, em que a violência é aceita como solução e os direitos básicos são tratados como privilégios de poucos.
Direitos humanos como bússola de um futuro mais justo
No Brasil, os direitos humanos não são apenas um ideal moral; são uma necessidade prática para enfrentar problemas estruturais que afetam milhões. É graças a essas garantias que conseguimos avanços na proteção de mulheres vítimas de violência, no combate ao trabalho escravo contemporâneo e na ampliação do acesso à saúde e à educação. Mas ainda há um longo caminho a percorrer. Muitos direitos previstos na Constituição de 1988, chamada de Constituição Cidadã, permanecem letra morta para grande parte da população. Como falar em dignidade quando falta água potável, saneamento básico e alimentação para milhões de brasileiros?
A demonização dos direitos humanos também reflete a dificuldade de projetar um futuro mais justo. A frase “direitos humanos, para humanos direitos” é um reflexo de uma sociedade que ainda acredita que punição e exclusão são respostas para problemas complexos, ignorando que a desigualdade e a falta de direitos são as verdadeiras raízes da violência. A construção de um futuro baseado nos direitos humanos não passa por excluir ou punir, mas por garantir que cada pessoa — independentemente de sua origem ou condição — tenha acesso ao básico para viver com dignidade.
Desmistificar os direitos humanos exige mais do que discursos; exige ações. É preciso humanizar essas garantias, conectando-as às lutas diárias de cada cidadão. Quando falamos de direitos, falamos da vida de quem espera por atendimento no hospital público, de quem luta por uma vaga na escola ou de quem ainda enfrenta preconceito para acessar o mercado de trabalho. Direitos humanos não são uma ideologia distante ou um privilégio. Eles estão em cada prato de comida servido, em cada teto que protege da chuva, em cada mão que encontra dignidade no trabalho.
No dia 10 de dezembro, lembrar a Declaração Universal dos Direitos Humanos é mais do que um exercício histórico. É um ato de resistência em um mundo que, muitas vezes, tenta transformar o essencial em luxo. Direitos humanos são o que nos permite imaginar um futuro mais equilibrado, onde a dignidade não seja uma conquista individual, mas um direito compartilhado. Porque, no final das contas, proteger os direitos de uma pessoa é proteger a humanidade de todas.