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Tragédia em SP: ONG usou doação milionária para contratar associação para fazer treinamentos

Prefeitura de São Sebastião vai enviar prestação de contas ao MP; ONG Gerando Falcões recebeu mais de R$ 23 milhões em doações

atualizado

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Divulgação/Prefeitura de São Sebastião
imagem colorida socorro a vitimas chuvas sao sebastiao
1 de 1 imagem colorida socorro a vitimas chuvas sao sebastiao - Foto: Divulgação/Prefeitura de São Sebastião

A ONG Gerando Falcões usou dinheiro doado às vítimas das chuvas registradas em fevereiro na cidade de São Sebastião para pagar uma associação de Minas Gerais por um treinamento.

Para realizar o treinamento, foi contratada a Associação Humus. O custo foi dividido em quatro parcelas de R$ 97,4 mil, totalizando mais de R$ 388 mil. Segundo a Gerando Falcões, o treinamento se refere a ações de prevenção e socorro inicial em acidentes naturais e será oferecido a 720 moradores até novembro.

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A tragédia deixou 65 mortos e mais de 4 mil desabrigados e desalojados no litoral norte de São Paulo

Os gastos constam na prestação de contas apresentada pela Gerando Falcões à Prefeitura de São Sebastião. O documento será encaminhado ao Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) para análise.  

A ONG Gerando Falcões, com sede em Suzano, foi uma das que arrecadou maior volume de doações – cerca de R$ 23 milhões – feitas por pessoas físicas e jurídicas às famílias atingidas pelas chuvas. A campanha foi chamada #TamoJunto.

As contas da ONG, entregues no dia 18 de julho, apresentaram inconsistências e levantaram dúvidas sobre a aplicação dos recursos. O documento não deixa claro quanto já foi gasto nem o valor que ainda se encontra no caixa da ONG.

Não foram apresentados balanços ou extratos bancários das contas em que o dinheiro foi depositado. Além disso, algumas despesas relacionadas na prestação de contas da ONG, como o treinamento dos moradores, chamam a atenção.

Uma nota fiscal emitida pela empresa Edenred Soluções, em Barueri, no dia 28 de junho, mostra que R$ 1.250.125,00 do dinheiro das doações serviu para pagamento de um “programa de estímulo a aumento de produtividade”. A ONG não apresentou à prefeitura a justificativa ou plano de trabalho do programa.

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A prestação de contas também relaciona duas fichas de compensação, sem comprovantes de pagamento, no total de R$ 936 mil em cartões-alimentação. Segundo a ONG, foram distribuídos 2.506 cartões e cada um deles teve duas recargas de R$ 200.

No site da Gerando Falcões, o resumo financeiro divulgado cita gastos de R$ 1,3 milhão com cestas de alimentação, marmitas, cestas digitais e cestas orgânicas. 

Em março, questionada nas redes sobre o destino das doações, a prefeitura enviou ofícios cobrando as prestações de contas às ONGs que arrecadaram dinheiro para os desabrigados.

Os pedidos, no entanto, foram negados. As ONGs alegaram que os recursos não seriam públicos, mas doados por pessoas e empresas.

Em maio, o caso foi abordado pela imprensa. Depois das reportagens, a Gerando Falcões procurou o prefeito Felipe Augusto. Somente no dia 18 de julho o documento foi entregue.

A análise da Secretaria da Fazenda de São Sebastião apontou, entre outras discrepâncias, a ausência de relatórios de controle de gastos, ausência de notas fiscais de hospedagens e outras despesas, além do repasse de dinheiro a organizações locais sem comprovantes ou prestações de contas dessas entidades.

“Os comprovantes de pagamento apresentados somam um valor de R$ 3.237.817,50, e as notas fiscais somam um valor de R$ 6.833.850,50”, observa o relatório da secretaria.

A Gerando Falcões continua arrecadando dinheiro com a tragédia do litoral norte paulista. Além das doações que ainda chegam, a ONG mantém a venda on-line de camisetas da marca Reserva.

As camisetas da campanha “Litoral Forte” levam a logo da ONG e custam R$ 149,00 cada. Os valores arrecadados com a venda do produto não constam na prestação de contas nem no resumo financeiro divulgado pela Gerando Falcões.

De acordo com o advogado do prefeito Felipe Augusto, Arthur Rollo, a prefeitura vai comunicar a insuficiência na prestação de contas ao MP-SP. 

“A gestão municipal quer que o destino das doações passe a ser definido por um conselho. O grupo seria formado por representantes do MP, da prefeitura, do governo estadual e da sociedade civil. A intenção é que nenhuma despesa seja feita sem passar por esse conselho”, disse Rollo. 

Sobre o dinheiro das doações que já foi gasto pela ONG, o advogado não descarta a alternativa de uma ação civil pública para cobrar o detalhamento das despesas.

“A ação civil será proposta pela prefeitura ou pelo Ministério Público. Se a ONG não justificar os gastos, vamos tentar reverter os valores para o Fundo Especial de Defesa de Interesses Difusos do estado, que vai poder aplicar o dinheiro da melhor forma.”

Em nota enviada à coluna, a Gerando Falcões disse que ainda aguarda o posicionamento oficial da Prefeitura de São Sebastião sobre a prestação de contas. A entidade alega que recebeu R$ 22 milhões em doações e que “o restante”, cujo valor não foi informado, “está provisionado em soluções de recuperação”. Leia a íntegra da nota:

“A Gerando Falcões preza pela transparência e credibilidade das ações e campanhas de combate à pobreza que realiza. Há duas semanas, a ONG entregou mais uma atualização do relatório de prestação de contas da campanha #TamoJunto sobre a aplicação do dinheiro recebido através das doações, que foi homologado pela Prefeitura de São Sebastião e, até então, aguarda o posicionamento do Executivo sobre o documento enviado.

O valor total recebido foi de R$ 22 milhões, sendo que parte já foi utilizado na fase Emergencial e o restante está provisionado em soluções de recuperação de acordo com o documento de prestação de contas.

Importante ressaltar que a Gerando Falcões segue em contato constante com o poder público a fim de unir os esforços de auxílio para os moradores atingidos e está à disposição para esclarecer e detalhar qualquer dúvida sobre o valor total arrecadado e a forma de distribuição no restabelecimento das áreas prejudicadas pela tragédia”.

A entidade é comandada por Eduardo Lyra, 34 anos, nascido em uma comunidade de Guarulhos (SP). Em 2011, publicou um livro intitulado Jovens Falcões, abandonou o curso de jornalismo e começou a se envolver em projetos sociais.

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Lyra fundou a Gerando Falcões em 2013. Inicialmente, a entidade sem fins lucrativos era dedicada à “promoção social de crianças e adolescentes por meio da cultura e esporte”.

A Gerando Falcões começou a ampliar sua atuação e investir na publicidade de suas ações. A ONG diz ter mais de 4 mil doadores regulares. Com o tempo, Lyra se aproximou de grandes empresários como Jorge Lemann e Carlos Wizard.

Na política, Lyra mantém relações com os governadores Tarcísio de Freitas, de São Paulo; Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul; e Romeu Zema, de Minas Gerais.

Em maio, Lyra esteve em Nova York a convite do Pacto Global da ONU Brasil, onde discursou nas Nações Unidas sobre o projeto Favela 3D. Ele também participou de um jantar no restaurante Fasano, voltado à arrecadação de fundos para seus projetos.

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