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A América Latina já tem moeda única: a estupidez

Outra prova disso é justamente a ideia de se ter uma moeda única para uma região muito ampla e luxuosa, mas com um serviço que é péssimo

atualizado

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Ricardo Stuckert
lula e cristina kirchner
1 de 1 lula e cristina kirchner - Foto: Ricardo Stuckert

Lula manifestou solidariedade a Cristina Kirchner, vice-presidente da Argentina, condenada por chefiar uma organização criminosa que desviou dinheiro público. Assim como fez Lula ao ser pego pela Lava Jato, ela se diz vítima de perseguição política.

O presidente eleito do Brasil tuitou o seguinte:

“Minha solidariedade à vice-presidente da Argentina, @CFKArgentina. Vi sua manifestação  de que é vítima de lawfare e sabemos bem aqui no Brasil o quanto essa prática pode causar danos à democracia. Torço por uma justiça imparcial e independente para todos e pelo povo da Argentina.”

Cristina Kirchner pode ficar tranquila e Lula também. Ao contrário do que aconteceu com o petista, a peronista tem imunidade e, no limite, se ficar sem mandato, ou cumprirá prisão domiciliar, porque terá mais de 70 anos, ou deverá ser salva pela Corte Suprema do seu país. Por una cabeza…

Até o momento em que escrevo este artigo, Lula ainda não havia se manifestado sobre a destituição e a prisão de outro populista de esquerda, o peruano Pedro Castillo, que, investigado por corrupção, tentou um golpe de estado para fugir do impeachment. Não teve tempo, porque o fato acabou de ocorrer. A ver. Deve ser dureza esse negócio de prestar solidariedade a vítimas de perseguição política duas vezes no mesmo dia. É lawfare demais.

A condenação de Cristina Kirchner e a prisão de Pedro Castillo me levaram a refletir — não muito, porque não foi preciso — sobre o que o ex-chanceler Celso Amorim disse ontem a O Globo, sobre a criação de uma moeda única para a América Latina:

“Acho uma ideia boa. Temos de retomar o espírito integracionista e acho que essa é uma força que pode nos ajudar muito. Mas eu não sou economista, isso vai além da política externa, envolve o ministro da Fazenda. Se for quem eu estou achando que pode ser, vai ser bom.”

Celso Amorim referiu-se a Fernando Haddad, que deve ser o ministro da Fazenda do governo Lula. Em abril deste ano, o moço já não tão moço publicou um artigo na Folha de S.Paulo, juntamente com o economista e ex-banqueiro Gabriel Galípolo, no qual defende a moeda única para a América do Sul. Eis o que disseram Batman e Robin:

“A criação de uma moeda sul-americana é a estratégia para acelerar o processo de integração regional, constituindo um poderoso instrumento de coordenação política e econômica para os povos sul-americanos. É um passo fundamental rumo ao fortalecimento da soberania e da governança regional, que certamente se mostrará decisivo em um novo mundo.”

Ato quase contínuo, durante a campanha eleitoral, Lula afirmou que uma moeda única serviria para que os países latino-americanos fizessem frente ao dólar.

Verdade seja dita, a ideia também já foi compartilhada por Paulo Guedes, num comovente arco que vai, portanto, da esquerda à direita. Mas o ministro da Economia de Jair Bolsonaro é menos ambicioso. Em maio, no Fórum Econômico Mundial, aquela reunião de bichos-papões do neocapitalismo que mata criancinhas, ele afirmou que previa, em 15 anos, a criação de um “peso-real”, uma moeda única para Brasil e Argentina.

Se a moeda única é para a América Latina, apenas para a do Sul ou só com a Argentina, nada muda o fato essencial – o de que Amorim, Haddad, Lula e Guedes estão defendendo é que o Brasil amarre o seu bode monetário em países politicamente instáveis, com economias ainda mais frágeis e bem menores do que a sua.

Os rotos e esfarrapados querem imitar o euro, a moeda única da União Europeia. Se lá foi uma complicação (e ainda é), por causa do desnível entre as economias dos diferentes países e da falta de uma política fiscal comum, com cada um gastando o que quer e o Banco Central Europeu tendo de matar no peito, imagine-se o que ocorreria nestas latitudes, onde um país como a Argentina sofre atualmente com uma inflação anual de quase 90% e com gente da melhor qualidade no poder, como Cristina Kirchner, Pedro Castillo e… deixemos para lá. A expressão “desastre ferroviário” não daria conta do cenário de pavor.

Como eu disse no Twitter, a América Latina já tem moeda única: a estupidez. Outra prova disso é justamente a ideia de se ter uma moeda única para uma região muito ampla e luxuosa, sem dúvida, mas com um serviço que é péssimo e sem data para melhorar (apud Millôr Fernandes).

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