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Originários: estilistas indígenas lutam por mais visibilidade na moda

Os designers compartilham histórias e trabalhos no universo fashion brasileiro. O respeito à sustentabilidade e às origens são princípios

atualizado

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Sioduhi Studio/Divulgação
Na imagem com cor, dois modelos indígenas
1 de 1 Na imagem com cor, dois modelos indígenas - Foto: Sioduhi Studio/Divulgação

Assim como boa parte das histórias contadas nos livros, na moda, a participação da população indígena é minimizada e deturpada. Ao menos é o que contam os estilistas Rodrigo Tremembé, Sioduhi e Weena Tikunna. Os três partem desse ponto de vista para narrar as trajetórias profissionais na indústria fashion.  

Com a ancestralidade e respeito à sustentabilidade, os estilistas trilham um caminho em busca de fortalecimento e reconhecimento da contribuição indígena na moda. Vem conhecer!

@sioduhistudio/Instagram/Reprodução

Sonho de criança

Criada durante a pandemia, a Sioduhi Studio nasce a partir de um sonho de infância. Desde a época que morava no território indígena do Alto Rio Negro, no Amazonas, o jovem Sioduhi, de 26 anos, desejava trabalhar com o universo criativo da moda. Entre os desafios e conquistas, o estilista constrói uma carreira voltada para o respeito às origens, mas atento ao futuro. 

Veja uma entrevista com o criativo:

Como surgiu a ideia de criar a marca?
Sioduhi: Desde os meus 13 anos, ela coexistiu comigo. Compartilhava com o meu amigo, Charles Maia, a vontade de tentar realizar esse sonho. Até que me mudei para São Paulo, e me deparei com uma realidade totalmente elitista. Uma família de descendentes de nordestinos me acolheu e, assim, consegui entrar no curso de modelagem.

No início do segundo semestre de 2020, comecei a perder pessoas muito importantes na minha vida. Com isso, repensei a minha maneira de me expressar. A princípio, surgiu a Piratapuya que, em seguida, se tornou a Sioduhi Studio. Ela vem desse lugar de expressão, de contar histórias não contadas em livros, enquanto indígena do Alto Rio Negro.

Como enxerga o mercado da moda?
Eu vejo que a moda não tem um mercado orgânico; ela é muito superficial, ainda mais com novos talentos. Às vezes, é necessário ir contra ao sistema vigente para que eu não saia prejudicado e me afaste dos meus valores, da minha cosmovisão e origem. Enquanto indígena, eu transpassei pela aldeia para a cidade. Fui dominar o meu português aos 17 anos. Foi todo um baque cultural. Me sinto responsável, no meu meio, de ressignificar esses pensamentos. 

Como é a sua maneira de produção?
Em pequena escala. Trabalho com modelistas da zona Leste [em SP], dois costureiros e cortadores. Meu poder de produção é muito baixo porque tudo o custo vem do meu próprio trabalho, de consultoria e de palestras. Qualquer serviço que eu faço é reinvestido na minha marca. Eu não me preocupo muito com vendas, mas, sim, com quem vai vestir as minhas peças — como elas vão conseguir expressar isso no dia a dia. 

Na imagem com cor, modelo usa camiseta com estampa indígena
A Sioduhi Studio é uma marca que nasceu com a possibilidade de criar novas narrativas

 

Na imagem com cor, modelo usa camiseta com estampa indígena
O trabalho de Sioduhi tem conquistado cada vez mais espaço

 

Na imagem com cor, modelo usa camiseta com estampa indígena
Autoral e ancestral, as peças refletem o espírito do jovem

Protagonista da própria história

Com o propósito de resgatar e ser protagonista da própria história, Weena Tikuna, 34 anos, se envolveu no universo da moda. A designer e influenciadora evoca o a contribuição dos povos indígenas como algo do presente e futuro para a sociedade.

Veja a conversa com a estilista:

Como surgiu a ideia de criar a marca?
Weena Tikuna: A criação da marca surgiu da não aceitação dos povos indígenas no mercado de trabalho. Nós sempre fomos vistos como algo do passado. O indígena nunca é protagonista da sua própria história. Éramos tutelados por terceiros, como se não tivéssemos a possibilidade de falar. Ninguém pode usufruir da nossa história.

Como enxerga o mercado da moda?
A moda indígena existe desde os princípios, como o cocar, tangas, pulseiras, colares…. Então, esse mercado era desconhecido para sociedade. Para nós, porém, sempre existiu. 

Há oportunidades para pessoas indígenas no seguimento?
Eu sou a primeira estilista indígena a desfilar em uma passarela com peças nativas e sustentáveis do meu povo. Nunca uma indígena nascida na aldeia veio para cidade mostrar a sua arte  — indígena também é atual. Temos que aldear as passarelas, colocar a nossa marca. Não excluir os povos imaginários e, sim, incluir a nossa arte, tão linda e rica. 

Na imagem com cor, mulher indígena posa para foto
Weena Tikuna é um exemplo da história indígena na moda

 

Na imagem com cor, mulher indígena posa para foto
Ela reivindica ter a própria voz ouvida e reconhecida

 

Na imagem com cor, mulher indígena posa para foto
As bonecas de pano fazem sucesso

Vestir como um ato político

A contestação é uma das principais ações de Rodrigo Tremembé. Aos 25 anos, o jovem compartilha os objetivos e sonhos com a marca homônima. Após um caso de cyberbullying (assédio virtual, em tradução livre), o jovem designer se viu motivado a se aventurar no universo fashion.

Confira a conversa com o criativo:

Como surgiu a ideia de criar a marca?
Rodrigo Tremembé:
Meu processo criativo na moda indígena se iniciou em 2020, com um episódio no qual sofri discriminação racial por ser indígena de pele clara. É lamentável percebermos o quão desinformada nossa sociedade é quando o assunto é cultura e diversidade de povos originários. Me ver diante de tentarem deslegitimar a minha identidade, me fez perceber as dinâmicas impostas por inúmeras violências coloniais ao longo da história, dentre elas, o etnocídio e o genocídio.

Como enxerga o mercado da moda?
Produzir moda indígena se contrapõe a esse sistema que se baseia nesse modelo e em tendências. Tendências são prejudiciais, elas fomentam negativamente o consumo exagerado. A roupa que você veste não fala, mas diz muito sobre você. 

Há oportunidades para pessoas indígenas no segmento?
A moda é para todos, mas nem todos se sentem representados por ela. A padronização de corpos na indústria é algo que ainda temos que falar, quantos criativos você conhece que são indígenas? Meus processos criativos vem envolvendo essas discussões, além de lutas por representatividade em todas as camadas da indústria criativa, para além das passarelas. 

Na imagem com cor, homem indígena posa para foto
Rodrigo Tremembé é um jovem em ascensão na moda

 

Na imagem com cor, homem indígena posa para foto
Ele decidiu criar a marca após sofrer bullying virtual 

 

Na imagem com cor, homem indígena posa para foto
Vestir é um ato político

Pioneirismo no SPFW

A última edição do São Paulo Fashion Week estabeleceu um marco para a inserção de estilistas indígenas na moda nacional. Com a marca homônima, Mauricio Duarte foi o primeiro designer amazonense a participar da semana de moda paulista.

Para a estreia, o estilista desenvolveu um fashion film intitulado de Igarapé. O trabalho celebra as raízes do fundador, que pertence ao povo Kaixana.

Na imagem com cor, modelos usam peças do estilista Maurício Duarte - Metrópoles
Maurício Duarte estreou no São Paulo Fashion Week N54

 

Na imagem com cor, modelos usam peças do estilista Maurício Duarte - Metrópoles
O estilista é amazonense

 

Na imagem com cor, modelos usam peças do estilista Maurício Duarte - Metrópoles
Foi a primeira vez que um designer da região participa da semana de moda paulista

Ainda há um longo caminho para que as transformações ocorram no universo da moda. Compreender o legado e respeitar a ancestralidade indígena talvez seja um dos primeiros passos a seguir. Vozes potentes tendem a imergir com esse processo.

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