Ronaldo Fraga é um dos poucos estilistas que ainda usam a moda para fomentar debates e reflexões a respeito de temas sociopolíticos. Depois de retratar o conflito entre os palestinos e judeus, em outubro passado, o designer dedicou seu mais recente trabalho aos painéis Guerra e Paz, de Cândido Portinari.

Para a 47ª edição do São Paulo Fashion Week, o mineiro procurou resignificar as obras que ornamentam a sede da ONU, em Nova York, por meio de polêmicas que envolvem a sociedade brasileira atualmente. Dentre imagens que remetiam à violência contra índios, negros e gays, Fraga levou à passarela o rosto de Marielle Franco em meio a alvos e tiros.

O que era para ser uma crítica ao assassinato da ex-vereadora, no entanto, não agradou a alguns membros da militância negra, que rechaçaram as peças nas redes sociais.

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A colunista Stephanie Ribeiro, da revista Marie Claire, foi uma das primeiras a dar seu ponto de vista no Twitter. “Tem pessoas aplaudindo isso. Para todos os meus amigos negros que mostrei essa imagem, foi um choque. Diante disso, parei de achar que estava louca e resolvi me manifestar. ISSO NÃO É LEGAL! ME CAUSOU MAL ESTAR! OLHA ESSE ALVO, OLHA ESSES TIROS BORDADOS. PROTESTO OU SADISMO?”, escreveu na rede social.

Durante todo o domingo (28/04/2019), a militante continuou a fazer críticas ferrenhas ao trabalho. “Não consigo nem pensar em como pessoas param e acham ‘incrível’ representar uma mulher vítima de um genocídio cruel num tênis, com um alvo na cabeça… não consigo mesmo. Não consigo ver beleza nisso, só sentir medo por nós, ativistas negras, que não temos paz nem mortas”.

Usar figuras negras dessa forma, é estranho e desnecessário se é para ter um enfoque crítico e político, no meu ponto de vista. Política racial e anti racismo não se faz dessa forma que me soa sensacionalista e até sádica.

— Stephanie Ribeiro (@RibSte) April 28, 2019

No Instagram do FFW, página oficial do São Paulo Fashion Week, o post do desfile de Ronaldo foi tomado por críticas. Centenas de seguidores manifestaram seu descontentamento com o uso das imagens de Marielle, entre eles Anielle Franco. A irmã da ex-vereadora, assassinada em março de 2018, questionou se o designer consultou a família antes de, supostamente, usar a imagem de Marielle para fins comerciais.

 

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Ronaldo Fraga encerrou o quinto dia de #SPFW Ronaldo com um desfile antológico inspirado em Portinari e com apelo contra militarização, racismo e homofobia na política! Viva, @fragaronaldo. #spfwn47 @agfotosite

Uma publicação compartilhada por FFW (@ffw) em 26 de Abr, 2019 às 7:08 PDT

“Alguém falou com algum membro da família pra usar a imagem dela assim? Não que eu, irmã, saiba! Parem de tratar a morte de uma mulher negra como objeto, como marketing ou afins! Apenas parem! Quem tá lucrando com isso? Quem ganha com isso? Hipócritas! Como se importassem com as vidas negras ou a da minha irmã!”, comentou no post.

Após as palavras da familiar, Ronaldo telefonou para explicar seu mal-interpretado conceito a ela e, segundo o estilista relatou à Marie Claire, tudo foi esclarecido. “Foi uma ótima acolhida, estamos no mesmo barco, na mesma luta. Estamos defendendo e lutando pelas mesmas causas”, afirmou.

Questionado sobre as críticas, o estilista diz entender os argumentos negativos. “Obviamente, eu entendo quando as pessoas se sentiram agredidas. Não existe no Brasil o costume de ver a moda como vetor político. Me surpreendeu toda a história por que foi fogo amigo, veio justamente de grupos com os quais eu compactuo”, afirmou.

Em seu feed do Instagram, o mineiro defendeu seu ponto de vista. “Se Portinari fosse pintar o Guerra e Paz hoje, com certeza, ele não iria ignorar o genocídio de negros e pobres neste país e, mais ainda, ele não iria ignorar o maior símbolo dessa luta, que é Marielle Franco. A moda pode falar de tudo: do belo, da rica em Miami, das ilhas gregas, ou ela pode falar da vida real. Eu sempre optei por esse último caminho. Aquele momento era um manifesto”, explicou.

De acordo com Fraga, as peças com o rosto de Marielle não serão comercializadas. Usadas apenas para ilustrar suas referências, os itens serão doados à família Franco. Depois do telefonema, Anielle voltou ao Instagram, onde, em seu próprio perfil, explicou o que aconteceu. Confira o post na íntegra:

 

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Nos últimos dias fui bombardeada com uma enxurrada de mensagens e fotos sobre o desfile da fashion week e sobre a coleção do @fragaronaldo. Eu realmente não entendo quase nada de como funciona o mundo da moda. Mas me incomodei com a imagem da minha irmã sendo mais uma vez exposta sem aviso prévio da família. Mas o meu incômodo nunca foi só esse. E sim, o fato de muita gente usar a imagem dela de forma errada. Que não foi o caso dele! Eu entendo que ela é gigante e sempre será. Mas as pessoas precisam entender que a morte da Mari vai muito além de ideologia política e que por trás dessa morte existe uma FAMÍLIA DESPEDAÇADA que ainda hoje sofre com essa violência. Essa guerra de valores que estamos vivendo tem lado, e quase sempre o lado esquecido, é o lado do negro, pobre, homo, trans e etc! Isso sim me incomoda mais do que qualquer outra coisa. E com toda essa indignação, eu não medi esforços para postar, falar, fazer stories e comentar sobre esse caso. Até que hoje, de maneira sensata e digna, recebo uma ligação do próprio Ronaldo Fraga, pedindo desculpas por não ter entrado em contato anteriormente com a família. Me explicou o que o motivou a fazer tal coleção, e disse que tais itens NÃO SERÃO comercializados e que ainda serão enviados aos meus pais. Que essa atitude dele seja reconhecida. Em tempos de fascismo, ódio, e fake news, agradeço a ele por sua forma de pensar, empatia e sensibilidade em se preocupar com a família mesmo após toda essa repercussão. E que isso sirva de aprendizado e aviso, pra dizer que a família não permitirá a exposição indevida da imagem de Marielle! Parabéns pela atitude @fragaronaldo e obrigada por sua postura em nos procurar!

Uma publicação compartilhada por Anielle Franco (@aniellefranco) em 28 de Abr, 2019 às 9:56 PDT

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Colaborou Danillo Costa