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Quem quer ser tribal?

Tem ou não tem, de tudo quanto é lado, gente excitada com essa demarcação tribal? Tudo de bom que existe está associado à minha tribo

atualizado

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Grasielle Castro
Protesto Vale do Anhangabaú
1 de 1 Protesto Vale do Anhangabaú - Foto: Grasielle Castro

As tentativas prévias de se classificar a manifestação popular de 7 de Setembro como ato contra a democracia foram a apoteose do cinismo nacional. É preciso entender que, por mais que haja uma claque bem organizada e disposta a ecoar uma conversa-fiada, nem sempre dá para dissimular a picaretagem intelectual nela contida.

Por outro lado, é importante assinalar que hoje tem muita gente, em todo o espectro da sociedade, alimentando essa guerrinha retórica. Tem ou não tem, de tudo quanto é lado, gente excitada com essa demarcação tribal? Tudo de bom que existe está associado à minha tribo. A sua tribo contém todo o mal. É exatamente como as guerras carnavalescas entre torcedores de futebol. As minhas cores são melhores que as suas. Futebol pelo menos diverte.

Mas também dá briga feia. E a escalada da violência irracional entre torcidas organizadas de clubes é, miseravelmente, a metáfora perfeita da suposta cisão política da sociedade brasileira hoje. Afirmamos aqui, sem margem de erro: não existe, de fato, essa cisão.

A ideia de um país dividido entre direita e esquerda é uma piada de jardim de infância. Basta dizer que muitos dos que viviam matraqueando um ideário de direita, citando filósofos “conservadores” e falando pelos cotovelos sobre as maravilhas da sua tribo ideológica viraram abóbora. No que ascendeu um governo alinhado com – pelo menos – a maior parte dos supostos valores desses orgulhosíssimos “direitistas”, eles não quiseram mais brincar.

Surgiram então dissidências patéticas – e absolutamente inexplicáveis numa conversa adulta. Liberaloides e intelectualoides do conservadorismo ou que nome lá isso tenha passaram a fazer cara de nojo para tudo. Inclusive para reformas que eles mesmos viviam pregando como salto de modernidade. De repente nada mais servia, nem uma vírgula do Paulo Guedes estava mais em conformidade com seus belíssimos edifícios ideológicos liberais.

Houve também os “direitistas” que continuaram bolsonaristas depois da posse. Aí quando o governo venceu as primeiras resistências e passou a aprovar medidas importantes, como a Lei de Liberdade Econômica e a Reforma da Previdência, eles se jogaram na oposição e passaram a metralhar tudo que viesse do governo. Doutrina sólida essa.

Hoje, a “direita” que se manteve governista está disputando com a “direita” que virou oposição furiosa quem é direitista de verdade. Parece Lula e Brizola disputando quem era o verdadeiro socialista (sendo dois populistas parasitários). E os tucanos ali no meio dando um passinho para a direita quando é para ser antipetista e um passinho para a esquerda quando é para ser antibolsonarista. Tudo muito ridículo. 

“Direitistas” se sentem triunfantes ao xingar alguém de “esquerdista” – e vice-versa, num jogo idiota que só interessa a quem joga. Investir numa cisão alegórica, infelizmente, faz a cama de muita gente. É o mercado tribal – que rende audiência, grana e, para quem é do ramo, voto. 

Aí o “direitista” que era bolsonarista e saiu do armário se junta aos seus arquirrivais “esquerdistas” (ahaha, que rivalidade linda) para dizer que povo na rua é golpe – palhaçada esta alimentada por aquele que veste verde e amarelo dizendo que o verdadeiro patriotismo é de direita. Ao fundo, burgueses ricos e empapuçados de capitalismo passam seu perfume socialista e sua maquiagem esquerdista para poder perseguir, censurar e montar sua democracia particular dizendo que golpistas são os outros.

Tudo bem se você estiver curtindo ser tribal, contra ou a favor do governo – e isso esteja até te trazendo dividendos. Mas é bom lembrar que, no limite, os conflitos no tribalismo não se resolvem com flechadas virtuais pela internet. Ainda dá tempo de recuar rumo à civilização.

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