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Cacica tupinambá cobra demarcação: “Estávamos aqui antes da invasão”

Mãe da cacica reconheceu manto sagrado que será enfim devolvido pela Dinamarca ao Brasil; leia entrevista com Jamopoty, do povo tupinambá

atualizado

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Arquivo pessoal
Cacica tupinambá Maria Valdelice, Jamopoty
1 de 1 Cacica tupinambá Maria Valdelice, Jamopoty - Foto: Arquivo pessoal

A cacica tupinambá Maria Valdelice Amaral de Jesus, ou Jamopoty, falou sobre a luta para recuperar um manto de seu povo do século XVII que está prestes a ser devolvido ao Brasil pela Dinamarca, e chamou o marco temporal de “vergonha”. Em entrevista à coluna, a cacica voltou a cobrar a demarcação da Terra Indígena Tupinambá Olivença, no sul da Bahia, que se arrasta há 40 anos.

Nos últimos dias, Jamopoty e outros indígenas tupinambás foram ao Ministério da Justiça para cobrar rapidez no processo de demarcação. O caso ainda está no Ministério dos Povos Indígenas.

“Vamos receber um manto de 300 e poucos anos, e o marco temporal diz que só tem direito à terra indígena quem estava ali em 1988. Como pode isso? O marco temporal é uma vergonha. Somos um povo ancestral que nunca saiu do território, estamos aqui desde antes da invasão”, disse Jamopoty.

Os tupinambás aguardam para os próximos meses a devolução de um manto sagrado do povo, que está em um museu em Copenhague, na Dinamarca, desde 1689. Em 2000, a mãe da cacica, Nivalda, reconheceu o manto dos tupinambás, quando o item estava exposto em São Paulo. A partir de então, passou a reivindicar o artefato raro que conta a história das populações antes da chegada dos portugueses.

Indígenas tupinambás
Indígenas tupinambás

A cacica também está preocupada com o marco temporal. No Congresso, o projeto que agrada a ruralistas já passou pela Câmara e está no Senado. No STF, o julgamento está quatro votos a dois contra a tese. O marco temporal estabelece que só podem ser demarcadas terras indígenas que eram ocupadas por essas populações quando a Constituição foi promulgada, em 1988. Os tupinambás estão no sul da Bahia há séculos e foram uma das primeiras populações a ter contato — mortal — com os colonizadores.

Leia os principais trechos da entrevista.

A senhora e outros tupinambás foram ao Ministério da Justiça cobrar a demarcação da Terra Indígena Tupinambá Olivença. Como está o processo?

A gente esperava que o relatório da demarcação estivesse no Ministério da Justiça, mas ainda não chegou, está no Ministério dos Povos Indígenas. Ouvimos que no Ministério da Justiça não haverá nenhum obstáculo antes de o texto ser encaminhado para a assinatura do presidente. Sem a demarcação, ficamos sujeitos a diversos problemas dentro do nosso território. Há mineradoras, grandes hotéis e fazendeiros que usam agrotóxicos e adoecem nosso povo com a água contaminada.

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A senhora falou do manto tupinambá que retornará da Dinamarca ao Brasil?

Falei. Eu nem posso falar do manto direito, porque tenho uma emoção muito grande. Em 2000, minha mãe, Nivalda Amaral de Jesus, Amotara, reconheceu o manto em uma exposição em São Paulo, e o reivindicamos de volta. A bisavó dela falava para ela sobre o manto, que era de penas de guará. Ela o reconheceu pelos encantados [espíritos sagrados], teve grande emoção. Agora, estamos em contato com o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, onde o manto ficará. Eu falei na reunião no ministério agora: “Vamos receber um manto de 300 e poucos anos, e o marco temporal diz que só tem direito à terra indígena quem estava reivindicando em 1988. Como pode isso?”.

O processo atual de demarcação já leva quantos anos?

Esperamos desde 1985, mas um decreto dos anos 1920 já falava da terra para os tupinambás, pataxós e outros. Nós só fomos reconhecidos como povo indígena pelo governo em 2002.

O que acha da tese do marco temporal, em julgamento no STF?

O marco temporal é uma vergonha para o povo brasileiro. Estamos aqui antes de 1500, brigando com tudo e todos pela sobrevivência de uma cultura e de um modo de vida. Não somos diferentes de ninguém, mas queremos ser fortes na nossa cultura e ancestralidade. Somos um povo ancestral que nunca saiu do território, estamos aqui há séculos, desde antes da invasão. Eles invadiram, mas seguimos aqui. Olivença era uma aldeia jesuítica. Os jesuítas vieram para catequizar e construíram a igreja Nossa Senhora da Escada com o suor e sangue dos nossos parentes. Diziam que era para tirar o pecado dos indígenas. Já estamos cansados de sofrer. Precisamos do território demarcado.

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