metropoles.com

“Mais resgate do que mudança”, diz terapeuta sobre liberdade feminina

No Dia da Mulher, psicóloga especialista em atendimento feminino fala sobre empoderamento, autoestima e quebra de padrões machistas

atualizado

Compartilhar notícia

Foto: Klaus Vedfelt/Getty Images
Dia Internacional da Mulher
1 de 1 Dia Internacional da Mulher - Foto: <p>Foto:<br /> Klaus Vedfelt/Getty Images</p><div class="m-banner-wrap m-banner-rectangle m-publicity-content-middle"><div id="div-gpt-ad--quadrado-1"></div></div> </p>

No Dia Internacional da Mulher, anualmente comemorado no dia 8 de março, mais que presentes e flores as mulheres querem uma coisa: respeito. E para que elas tenham autonomia e assertividade suficientes para cobrar isso de uma sociedade machista, é preciso que elas recuperem sua autoestima e seu autorrespeito.

“É muito mais um resgate de algo que já existe nelas do que uma mudança de pensamento”. É o que afirma Silvana Santos, psicóloga e fundadora da clínica Alliviare, onde atende exclusivamente mulheres, sendo a maioria delas com problemas em seus relacionamentos – com parceiros(as), filhos, parentes e elas mesmas.

Após ter escolhido a psicologia como uma forma mais presente de ajudar pessoas menos favorecidas, a especialista percebeu um padrão nas mulheres que atendia: nenhuma delas se conhecia realmente como um ser humano individual, com os próprios gostos e vontades.

“O discurso era o mesmo. Também reparei que coisas que eram muito óbvias para mim, como a importância do feminismo, por exemplo, não eram óbvias para uma mulher que cresceu em um lar machista. E não era algo que eu poderia impor a elas, porque seria agressivo. Foi quando percebi que precisava fazer um trabalho específico, voltado para isso”, lembra.

Silvana - Alliviare
Silvana Santos se especializou na saúde mental feminina e abriu a clínica Alliviare, focada em mulheres
Terapia para elas

Apesar de, na teoria, a mente humana ser uma só, cada pessoa tem suas individualidades. No que diz respeito às mulheres e ao contexto histórico em que foram criadas, essas particularidades são ainda mais evidentes, e, de acordo com Silvana, precisam ser levadas em consideração na hora de iniciar um tratamento.

“Desconstruir certos padrões é um trabalho difícil e demorado. Há costumes e pensamentos que vêm de família, foram ensinados em casa, e na vida adulta as mulheres os reproduzem. Por exemplo, uma criança que apanhou e sofreu abusos vai procurar relacionamentos que funcionem da mesma forma, pois é o que ela conhece”, explica.

É preciso, então, cortar estes ciclos. Para isso, é feito um “trabalho de formiguinha”, nas palavras da psicóloga. “Não é fácil, parte de pequenas mudanças, e eu sempre vou orientando. É literalmente segurar a mão dela até ela aprender a caminhar sozinha”, pondera.

Com o tempo, a mesma mulher que chega ao consultório perdida e sem identidade própria passa a se entender e reconhecer seus direitos e sua liberdade. Contudo, o que é uma grande vitória para essa mulher, muitas vezes não agrada a todos, fato que já resultou em reclamações – e até mesmo ameaças – vindas de parceiros e parentes de pacientes.

“Já fui ameaçada por maridos e precisei fazer boletim de ocorrência; filhos já vieram reclamar que a mãe estava mais ‘agressiva’, sendo que apenas tinha aprendido a dizer não, deixado de ser submissa. Mas não me sinto intimidada”, garante.

Apesar de ser apontada como alguém que está “colocando algo na cabeça de alguém”, Silvana explica que, na verdade, a decisão é sempre da paciente. Prova disso é que muitas mulheres chegam a desistir do tratamento por conta da desaprovação de pessoas próximas. “A gente precisa respeitar. A mulher só vai sair daquele lugar quando a dor de estar ali for maior que o medo de sair. E quem decide esse limite é ela”, afirma.

Alliviare

Perto de completar cinco anos, a clínica Alliviare só recebe homens quando são crianças ou quando participam de terapias de casal. O foco maior das terapeutas é o público feminino e o resgate de autoestima, autocuidado e autoconfiança na prática.

E esse trabalho é feito por diversos meios – desde exercícios de amor próprio com miniaturas de biscuit das pacientes até terapias em grupo para que as mulheres se sintam acolhidas e criem identificação com outras. “A mulher acha que tem dedo podre, que isso só acontece com ela. Em grupo a dor é dividida, elas conhecem outras pessoas que passam pelo mesmo”, conta.

Também são realizados atendimentos gratuitos para mulheres em situação de maior vulnerabilidade. “Um dos maiores problemas da maioria das mulheres que vivem um relacionamento abusivo é a dependência financeira. É nessas mulheres que penso quando atendo gratuitamente”, coloca.

Para além do que acontece dentro do consultório, Silvana acredita que esse tipo de terapia precisa ir além dos 50 minutos da consulta. Uma vez que, na maioria dos casos, a psicóloga acaba sendo a única rede de apoio da paciente, o acolhimento deve ser integral.

“Tenho um telefone que levo para casa e dou suporte a qualquer hora, qualquer dia. Já aconteceu inclusive de, pela manhã, eu ver uma mensagem de uma paciente que estava com medo de apanhar do marido. Liguei para a polícia e, ao chegarem na casa dela, ela havia sido agredida durante a madrugada”, lembra.

Sigilo e violência doméstica

Uma dúvida que existe acerca da terapia e os casos de violência doméstica é em relação ao sigilo intrínseco à profissão. Sobre isso, a psicóloga garante: o sigilo é total, desde que não haja nenhuma ameaça à vida da paciente.

“Não posso me calar diante de uma agressão física, e deixo isso bem claro. Eu tenho uma responsabilidade com aquela pessoa, então, nesses casos, eu nem preciso pedir permissão para ela”, esclarece.

Dia Internacional da Mulher
“Não posso me calar diante de uma agressão”, diz psicóloga sobre o limite do sigilo na terapia
Terapeuta x mulher

Sabe-se que, culturalmente, mulheres crescem se sentindo responsáveis pelo outro em detrimento de si próprias. Logo, apesar de trabalhar para ajudá-las a perceber esse movimento e se tornarem livres da responsabilidade de” fazer o outro dar certo”, como separar a terapeuta da mulher e não levar o trabalho para casa?

Silvana garante que não só é possível como extremamente necessário. “É preciso descobrir um mecanismo para fazer esse corte. Quando eu entro no carro, coloco uma música e começo a focar na minha casa. Me coloco à disposição das pacientes, mas deixo claro que é no meu tempo. Se não vou ficar sobrecarregada, e consequentemente não vou conseguir ajudá-las da forma adequada”, aponta.

O que a psicóloga leva sem preocupações do consultório para casa é o que ensina para as pacientes, que também coloca em prática com o marido e os filhos. “Quando necessário, sento com eles e digo se estou triste ou me sentindo invadida”, relata.

No fim do dia, mesmo com qualquer dificuldade que possa existir em seu trabalho, Silvana garante: vale a pena. “Quando as mulheres entendem seu lugar no mundo, como pessoa, como mulher, a vida delas muda. E não necessariamente para virar chefe de uma empresa, mas também dentro da própria casa, com o marido e os filhos. A mulher pode fazer o que quiser, desde que seja respeitada”, finaliza.

Compartilhar notícia