Ogum iê, Feijão. Intolerância religiosa vem de quem não ama o próximo
Ao saudar o seu deus africano, o jogador do Bahia recebeu ofensas pela sua livre opção em acreditar no que quer
atualizado
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Feijão, jogador do Bahia, é filho de Ogum, orixá guerreiro, que segura as demandas. Eu, colunista do Metrópoles, sou filho de Oxum, a deusa mãe que acalenta. Somos de religiões de matriz africana por livre opção e vivemos num país de liberdade religiosa. Podemos cultuar o deus que quisermos.
Na cabeça de milhões de brasileiros, essa “força divina” é de natureza múltipla e diversificada. Pode ter o formato do deus-elefante (o poderoso Ganesha da Índia), do iluminado Buda, do deus-árvore Iroko, do revolucionário Jesus Cristo, dos gêmeos Cosme e Damião, do caboclo Cobra Coral das Matas, entidade sagrada da Umbanda, ou dos mensageiros de luz que incorporam nos médiuns do espiritismo.
Esses deuses podem também nem existir. O direito em acreditar que a vida acaba com a morte é bem-vindo. Há quem creia que a religião é um escapismo, já que somos a única espécie na Terra com consciência da morte. A filosofia e as ciências têm historicamente tirado o poder retrógrado que as instituições religiosas impõem aos seus rebanhos. Viva os ateus que têm fé na vida! E isso nada tem a ver com a crença de cada um.A intolerância religiosa tem derramado sangue pelo mundo afora. O ódio em nome de um deus fere o princípio da fraternidade que emana das religiões em sua essência. As de matrizes africanas no Brasil sofrem há séculos com a perseguição. E não se engane. Esses ataques estão ligados ao racismo, ao desprezo ao povo negro escravizado, que ainda é tão presente no cotidiano do brasileiro.
Pastores de templos equivocados, sobretudo, de igrejas neopentecostais, trocam preces de fervor por mensagens de segregação. Terreiros voltaram a ser perseguidos como no começo do século 20. Imagens de orixás foram depredadas na Prainha, em Brasília. Integrantes de cultos afros violados no seu ato de ir e vir. Voltamos para às trevas.
Há um descompasso enorme entre o sentido de amor dessas religiões e o exercício do respeito diário.
Ainda ouvimos por aí. “Chuta que é macumba”. Não, não chuta. As oferendas aos deuses africanos são como preces.
Os terreiros sérios não despacham “ebós” para que uma pessoa traga o amado em sete dias. Isso é golpe. Exploração da fé alheia. Algo similar acontece em outras religiões que vendem até “terrenos no paraíso” é “óleos ungidos milagrosos”. Infelizmente, vivemos entre empresários da fé que difundem a ideia do “deus único” para ter fiéis contribuintes.
Falo do jogador Feijão porque ele foi ofendido por agradecer a Ogun, seu orixá de cabeça, numa rede social. Agredido por acreditar em outro deus numa terra que deve absolutamente tudo às mãos negras. A Bahia, sobretudo, e o Brasil têm uma dívida incalculável com o povo que foi arrancando da África e transformado em escravo. Depois, jogado às favelas. Uma conta que ainda não foi paga. Mas que poderia começar pelo respeito às crenças alheias.
Ogum iê, Feijão!