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Que tipo de homens nossos meninos se tornarão?

Ataques como o de Suzano nos desafiam a pensar sobre a forma como estamos criando garotos e como isso reflete em toda sociedade

atualizado

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Duas das minhas amigas mais chegadas têm filhos adolescentes, de 12 e 13 anos. De longe, acompanho os novos perrengues da fase (não sem pensar, com aflição, sobre o meu próprio futuro). Esses meninos, antes unicamente fofos e graciosos, agora fazem muxoxo, batem a porta do quarto, respondem com insolência e reclamam. Ah, e têm chulé e CC. Não deve ser fácil.

Os desafios não vêm somente da mudança neurológica e hormonal, contudo. É na adolescência que os meninos precisam se autoafirmar e corresponder a uma expectativa social muito dura: a de se tornarem machos. “Em nosso país, a masculinidade se constrói a partir do embrutecimento consigo mesmo, físico e emocional, e da relação com os outros, mulheres e homens”, diz a professora da Universidade de Brasília Valeska Zanello, que estuda saúde mental e gênero.

Se você, leitor(a), está achando esse papo exagerado, pense comigo: quantos garotos adolescentes você conhece que costumam falar sobre seus sentimentos? Quantos você já viu chorando, desabafando sobre suas frustrações? Enquanto meninas compartilham esse tipo de coisas com a mãe e as amigas, os jovens meninos se fecham em copas. Isso porque “se abrir”, na nossa cultura, é visto como algo tipicamente feminino.

“A masculinidade, no Brasil, se constrói a partir do repúdio a tudo o que é relacionado às mulheres e ao feminino. Qual o pior xingamento para os homens? Serem chamados de ‘mulherzinha’”, nos lembra a professora Valeska. “Se esse é o principal pilar da masculinidade, ela já surge adoecida.”

Essa reflexão se faz urgente, ainda mais após o ataque na escola Raul Brasil, em Suzano. Muito mais do que pensarmos sobre os riscos de um maior acesso a armas no país, é preciso refletir sobre as razões que desencadeiam a violência. O Ministério Público está investigando qual foi o papel de grupos de ódio da internet no assassinato em massa. Em alguns desses fóruns, houve comemorações pelas mortes.

“Temos uma sociedade extremamente violenta e, ao observarmos quem são os responsáveis por crimes, percebemos que grande parte são homens. Então, está na hora de parar de pensar na população alvo e partir para o vetor da violência, que são as masculinidades”, defende Valeska.

Virar a página, no entanto, não é um processo rápido ou fácil. Para a professora da UnB, é fundamental que as escolas tragam reflexões sobre a temática de gênero para a sala de aula. “Essa é uma área de estudos muito consolidada, com mais de 50 anos de pesquisas. Como estudiosa desse assunto, fico muito desapontada e triste de ver discussões sobre isso pautadas unicamente em achismo e preconceito”, diz Valeska.

Nas famílias, ela recomenda o esforço para o desenvolvimento de outros tipos de masculinidades. Tal missão, porém, exige um esforço ainda maior, uma vez que pai e mãe também foram criados sob essa lógica viciada. “Por isso é tão importante repensar políticas públicas de intervenção, para se trabalhar outras masculinidades possíveis”, argumenta.

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