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A doméstica que morreu porque a patroa trouxe o corona da Itália

A primeira vítima do Rio de Janeiro não sabia que a dona da casa estava de quarentena. Mesmo se sentindo mal, foi trabalhar

atualizado

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Myke Sena/Especial Metrópoles
mascaras de corona virus formando o sinal da cruz da saude
1 de 1 mascaras de corona virus formando o sinal da cruz da saude - Foto: Myke Sena/Especial Metrópoles

A patroa tinha ido passar o Carnaval na Itália, embora morasse no Rio. Voltou com suspeita de coronavírus e estava de quarentena.

A empregada doméstica, 63 anos, continuou trabalhando no apartamento do Alto Leblon, a 100 km de sua casa, em Miguel Pereira, município do sul fluminense.

A renda per capita do Leblon é de R$ 6 mil. Seis paus caindo todo mês no cofre de cada um dos 34 mil moradores do bairro. Em média, o que inclui crianças, adolescentes e quem mais não tiver renda.

A renda per capita de Miguel Pereira é de R$ 800 para cada um dos 25 mil moradores do município que um dia abrigou extensas fazendas cafeeiras movidas pelo trabalho escravo.

Durante 10 anos, a doméstica serviu à patroa indo e voltando de quatro em quatro dias para não ficar tanto tempo longe de casa. Pegava dois ônibus e um trem. Morava numa casa colada ao cemitério onde foi enterrada.

No domingo 15/03, chegou à noite na casa da patroa para já estar de pé cedinho na segunda-feira. Nem teve tempo de fazer muita coisa. No mesmo dia, a patroa ligou para a família da doméstica pedindo que alguém fosse buscá-la porque ela estava sentindo muito mal-estar desde a sexta anterior – e, mesmo assim, foi trabalhar.

Ainda na segunda, foi internada no Hospital Municipal Luiz Gonzaga, em Miguel Pereira, sem os protocolos sanitários para coronavírus porque até então não se sabia que a patroa estava de quarentena.

A doméstica morreu menos de 24 horas depois de ter sido internada, no mesmo dia em que a patroa soube que seu teste dera positivo para o coronavírus.

Na casa da doméstica, ao lado do cemitério, moram outras quatro pessoas, agora isoladas à espera do que vai acontecer com cada uma.

A primeira morte por coronavírus no Rio de Janeiro revelou o risco que correm 6,2 milhões de trabalhadores domésticos no Brasil, a maioria deles são mulheres negras.

Como ocorre em 45% dos lares brasileiros, a doméstica que morreu era chefe da família. Desde muito jovem, trabalhava na casa dos outros, para sustentar o irmão mais novo, depois da morte dos pais. Aos 63, morava com um filho e dois sobrinhos.

O diabetes e a hipertensão apressaram a morte da doméstica de 63 anos que trabalhava no bairro de uma das rendas per capita mais altas do país.

O diretor do hospital, Sebastião Barbosa, disse que se “as informações tivessem chegado mais cedo talvez a gente tivesse como mudar a história clínica”. Sem a informação sobre o contato com o coronavírus, a paciente não foi isolada nem entubada.

Depois da morte da trabalhadora do Leblon, filhos e filhas de empregadas domésticas e diaristas lançaram um manifesto reivindicando a dispensa remunerada, o adiantamento das férias e a proteção àquelas que moram no local de trabalho. O direito à vida é igual para todos.

* A doméstica não teve o nome divulgado a pedido da família.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

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