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Por aproximação com Biden, Brasil prepara ofensiva para reverter má imagem ambiental

Diplomacia mostrará o país como “potência ambiental” e espera até setembro menos hostilidade em relação a Bolsonaro no plano internacional

atualizado

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Reprodução/Redes Sociais
Nestor Forster
1 de 1 Nestor Forster - Foto: Reprodução/Redes Sociais

Brasília e São Paulo – Tentar reverter com o novo governo norte-americano a imagem de mau gestor ambiental do governo brasileiro é a principal missão da diplomacia brasileira nos Estados Unidos. O tema é um dos mais caros para a administração de Joe Biden e, por isso, deverá constar na “nova ênfase” que o Brasil quer imprimir na relação com o país, o segundo maior parceiro comercial, perdendo apenas para a China.

Como resultado, a diplomacia brasileira quer chegar ao mês de setembro com um ambiente menos hostil para o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no que se refere à questão ambiental no cenário mundial. Setembro é quando normalmente o presidente brasileiro mantém agenda nos Estados Unidos, devido à tradicional abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU).

A ideia é que Bolsonaro possa, além de participar do fórum internacional, ter com Biden um encontro bilateral em um clima mais favorável.

Membros do governo ouvidos pelo Metrópoles confirmam o foco na área ambiental como tema de aproximação com Biden, apesar de todas as críticas sobre a gestão de Bolsonaro. A ideia é tentar uma abordagem por um “ângulo mais alargado”, disse um assessor.

Representantes do governo brasileiro estão convencidos de que houve “exageros de percepções” sobre Bolsonaro e de que o papel agora é evitar que o novo governo americano assuma uma postura de “enfrentamento” à política bolsonarista. Falam em uma relação mais “construtiva”.

Reputação perdida

Especialistas ouvidos pelo Metrópoles apontam que a nova postura pode gerar impactos positivos. Durante a campanha presidencial, o democrata já havia sinalizado que buscaria atuar de forma multilateral, contrastando com Donald Trump, para combater as mudanças climáticas. Um dos primeiros atos de Biden, após a sua posse na última quarta-feira (20/1), foi recolocar os EUA no Acordo de Paris, revertendo decisão de Trump.

“O alinhamento de um governo com questões ambientais significa passar por uma transformação energética, que envolve vários setores importantes. E o Brasil tem vantagens comparativas em termos de energias renováveis. Temos empresas que produzem infraestrutura para a energia eólica, por exemplo, temos expertise com hidrelétricas. O Brasil poderia desempenhar um papel importante em uma economia global de transição energética”, afirma a professora Carolina Moehlecke, da Escola de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Segundo Moehlecke, a recuperação da reputação perdida no sistema internacional nos últimos anos não será rápida. “Qualquer fruto que o Brasil possa colher de participar dessa economia vai demandar um trabalho muito forte por parte do governo, inclusive passando, talvez, pela retirada do Ernesto Araújo do Itamaraty, e do Ricardo Salles do Meio Ambiente, embora só isso não seja suficiente. Exigirá uma mudança de postura muito grande para explorar essas possibilidades”, afirma.

Vinicius Rodrigues Vieira, professor de economia e relações internacionais da Faculdade Armando Alvares Penteado (Faap), avalia que, sem mudanças na postura do governo brasileiro, em um cenário mais extremo, os Estados Unidos podem adotar uma ação mais incisiva, como sanções, para pressionar Bolsonaro.

Para o professor, Biden vai esperar gestos mais concretos, sobretudo na área do meio ambiente. “Tudo vai depender de medidas concretas, no caso de Bolsonaro optar por uma abordagem mais pragmática na sua política externa”, afirma.

“Demissão”

O professor diz que as primeiras ações reais seriam a redução do desmatamento e a demissão de Ernesto Araújo, que sempre se identificou com a agenda ideológica de Trump. “Não tem como sustentar uma mudança mais pragmática mantendo o Ernesto Araújo no Itamaraty. Sem falar que o Bolsonaro tem todas as razões para tirá-lo, após todos os seus fracassos de políticas externas. Essa seria a primeira sinalização para mudar a nossa política externa, para mostrar não só para o Biden, mas para o mundo como um todo, que o Brasil está se adaptando a essa nova realidade que a saída de Trump vai implicar”, diz.

Na avaliação de Silvio Paixão, professor do MBA Finanças e Valor da Fipecafi, o Brasil pode se beneficiar se souber se apresentar como solução, mas tudo dependerá de como Biden conduzirá os planos na área ambiental.

“O Brasil tem condições de dizer que vai preservar as florestas em troca de benefícios financeiros. Tem um caminhão de coisas que dá para ser feito se preservamos as florestas. O país não precisa de mais espaço para o agronegócio, tudo o que ele tem do Centro-Oeste para baixo é mais do que suficiente não só para consumo dele, mas para alimentar o mundo. O Brasil tem muito para ganhar”, acrescenta.

Potência ambiental

A aposta do governo é que conseguirá suplantar problemas associados à gestão Bolsonaro vendendo a ideia de que o Brasil é uma “potência ambiental”. O que se quer é deixar no passado as costumeiras investidas de Bolsonaro para legalizar o garimpo em terras indígenas da Amazônia, as críticas ao trabalho das ONGs ambientalistas, as restrições ao trabalho de fiscais do Ibama e os incêndios que consumiram como nunca a floresta.

Para isso, o governo brasileiro tentará vender a ideia de que se esforça para combater o crime ambiental, e para isso tem usado até as Forças Armadas, com ações previstas na Operação Verde Brasil. Criada por iniciativa do vice-presidente, Hamilton Mourão, e desenvolvida pelo Ministério da Defesa, a execução da força-tarefa caminha a passos lentos.

Outro argumento para convencer os norte-americanos da boa vontade do Brasil com o meio ambiente é apresentar o fato de que o Brasil tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, e que, ao contrário de outros países desenvolvidos, ainda mantém boa parte de sua cobertura vegetal nativa.

Carta

A carta em tom conciliador enviada por Bolsonaro a Biden no dia da posse é o modo a ser trabalhado neste primeiro momento pela diplomacia brasileira.

“Estamos prontos, ademais, a continuar nossa parceria em prol do desenvolvimento sustentável e da proteção do meio ambiente, em especial a Amazônia, com base em nosso Diálogo Ambiental, recém-inaugurado. Noto, a propósito, que o Brasil demonstrou seu compromisso com o Acordo de Paris com a apresentação de suas novas metas nacionais”, diz a carta ao tocar na questão ambiental.

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“Para o êxito no combate à mudança do clima, será fundamental aprofundar o diálogo na área energética. O Brasil tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo e, junto com os EUA, é um dos maiores produtores de biocombustíveis. Tendo sido escolhido país líder para o diálogo de alto nível da ONU sobre Transição Energética, o Brasil está pronto para aumentar a cooperação na temática das energias limpas”, disse Bolsonaro na correspondência.

Think tanks

A percepção de que a questão ambiental teria que ser um ponto central se deu quando Biden anunciou o nome de John Kerry, ex-secretário de Estado do governo de Barack Obama, para cuidar de uma pasta especificamente voltada para as questões climáticas. Kerry, que já visitou o Brasil durante o governo de Dilma Rousseff, virou imediatamente alvo principal para a embaixada brasileira.

Não houve ainda, contudo, a abertura desse diálogo, e o governo brasileiro espera contar com os chamados think tanks (espécie de centros de estudo sobre determinadas áreas) para essa aproximação. Um exemplo dessas instituições de estudos é o Wilson Center, que abrigou pesquisadores e ex-funcionários da gestão de Obama. Outro interlocutor a ser buscado pelo Brasil é Thomas Shannon, que foi embaixador no Brasil e ex-subsecretário de Estado no gabinete de Kerry.

Ainda não houve também conversas com o novo secretário de Estado, Tony Blinken, ou com Juan Gonzalez, assessor especial para a América Latina no Conselho de Segurança Nacional e um assíduo crítico de Bolsonaro.

Pisando em ovos

Enquanto a relação entre os governos não se estabelece de fato, Bolsonaro foi orientado a não criar polêmicas e apareceu pisando em ovos ao falar sobre os Estados Unidos. Além da carta com um tom totalmente distinto do que sempre adotou em relação a ONGs, indígenas e populações da floresta, o presidente brasileiro, um dia após a posse, ainda tentou evitar que o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, um conhecido seguidor do guru Olavo de Carvalho no governo, emitisse opinião sobre medidas já anunciadas pelo governo de Biden.

Quando o ministro foi questionado sobre o retorno do país norte-americano à Organização Mundial da Saúde (OMS) e o rompimento com a aliança mundial contra o aborto, Bolsonaro, no entanto, interferiu e pediu a Araújo, em voz baixa: “Não é caso de entrar em política externa de outros países, né? Fala alguma coisa sem interferir”, disse Bolsonaro. E Araújo prosseguiu após a recomendação: “Tem tudo para ser boa”.

“Acho que tem tudo para ser uma boa relação. Temos muita coisa em comum, temos interesse na segurança, em promover a democracia aqui na América do Sul, por exemplo, interesse econômico evidente, continuar vários acordos, interesses do empresariado brasileiro e americano, trabalhar juntos no meio ambiente, por que não?”, ponderou o ministro.

“Sinuca política”

Para a professora da FGV, umas das dúvidas é como Bolsonaro vai articular a relação com os EUA e os sinais que dá a seus eleitores. Ao levantar polêmicas, como bandeiras anti-China e anticomunismo, por exemplo, Trump dava munição para Bolsonaro usar a política externa como recurso para sinalizar posições para a sua base mais fiel de eleitores.

“Com Biden, Bolsonaro fica numa sinuca política. Primeiro, porque a pauta de assuntos polêmicos vai murchar. Em segundo lugar, como ele resolve uma relação produtiva nos EUA sem alienar a base dele? É algo que a gente tem que observar nas próximas semanas, se vai haver uma mudança efetiva de políticas externas ou vai ficar nessas sinalizações mais pontuais”, afirma.

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