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Evangélicos influenciam atos da gestão de Bolsonaro

Líderes e parlamentares ligados às igrejas evangélicas ampliam participação nos rumos de áreas estratégicas do governo

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1 de 1 WhatsApp-Image-2019-09-07-at-09.21.51 - Foto: Fotos, Rafaela Felicciano/Metrópoles

Decorada com móveis de época e um enorme tapete de parede do paisagista Burle Marx, a sala Brasília é a maior e mais simbólica do Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores. O espaço é usado por presidentes da República e ministros para receber as mais altas autoridades estrangeiras em visita ao país.

Foi nesse local que, no dia 12 de junho, um almoço selou uma mudança de patamar nas relações entre o governo Jair Bolsonaro (PSL) e a cada vez mais prestigiada bancada evangélica. O chanceler Ernesto Araújo ouviu reivindicações e sugestões de deputados para a política externa.

O principal pedido foi uma posição mais firme do governo em fóruns internacionais contra a morte de cristãos em países muçulmanos, considerando a presença crescente de igrejas neopentecostais brasileiras na África e no Oriente Médio.

Dois meses depois, o encarregado de negócios da embaixada brasileira em Washington, Nestor Forster, afirmou num evento da ONU: “O ministro Ernesto Araújo tem defendido incansavelmente a liberdade religiosa e dado voz à preocupação de cristãos brasileiros, católicos e evangélicos, com a perseguição e a discriminação.”

O almoço no Itamaraty não foi um movimento isolado. Nos últimos quatro meses, houve um progressivo aumento da influência de líderes e parlamentares evangélicos nos rumos do governo, coincidindo com a queda de popularidade do presidente e o esvaziamento dos núcleos militar e ideológico na estrutura do governo. Longe de se limitar à chamada “pauta de costumes”, essa influência passa por áreas estratégicas da administração, como Economia, Saúde, Educação e até mesmo a comunicação do Planalto.

No debate da reforma tributária, a Frente Parlamentar Evangélica, formada por cerca de 200 deputados e senadores, tem usado sua força para evitar mudanças fiscais desfavoráveis às igrejas e até garantir benefícios. Há um temor de que elas fiquem sem a atual isenção e passem a ser tributadas pelo Fisco.

Antes de ser demitido, na quarta-feira, por defender propostas como a recriação da CPMF, o então secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, chegou a propor a criação de uma contribuição sobre operações financeiras que poderia incidir sobre o dízimo. Bolsonaro rechaçou a ideia, levou Cintra a reuniões com líderes evangélicos e mandou a Receita editar normas que, no final, eliminaram a burocracia fiscal dos templos – uma parte foi dispensada de inscrição no CNPJ e de relatórios diários sobre a movimentação financeira. “Fomos atendidos e isso nos ajuda a fazer a obra de Deus”, disse o presidente da frente, deputado Silas Câmara (Republicanos-AM).

Um levantamento da reportagem  mostra que Bolsonaro abriu mais espaço na sua agenda a encontros com representantes dos evangélicos – que representam 29% dos brasileiros. Nos três primeiros meses do mandato, o presidente concedeu 12 audiências no seu gabinete a deputados, senadores e líderes religiosos do setor. A virada veio em abril. Bolsonaro participou de 15 agendas com evangélicos, chegando a 18 compromissos em maio e a 17 no mês passado.

A agenda se intensificou depois de o deputado e pastor Marco Feliciano (Podemos-SP) usar o Twitter, em março, para criticar a “péssima” comunicação do governo e escrever que presidente que governa sozinho se torna um “gigante com pés de barro”. Bolsonaro tornou-se, então, figura constante em cultos e celebrações. Evangélica, a primeira-dama Michelle Bolsonaro ajuda a fazer a ponte.

Feliciano se converteu em um dos principais interlocutores de Bolsonaro com a imprensa e entrou na bolsa de apostas para assumir a vaga de vice na chapa do presidente, caso ele dispute a reeleição, em 2022. “Os que votaram em Bolsonaro são, em sua grande maioria, cristãos. O presidente, quando acena para nós (evangélicos), acena para todo o movimento cristão”, disse o deputado, um dos vice-líderes do governo na Câmara.

Segundo um ministro, para chegar ao presidente hoje é preciso passar pelo crivo de Feliciano e não nas áreas responsáveis pela comunicação social do governo.

Pesquisas. Com a popularidade em queda nas pesquisas, Bolsonaro ainda é bem avaliado e busca refúgio no eleitorado cristão conservador. De acordo com a última pesquisa Datafolha, os neopentecostais são o grupo que mais aprova Bolsonaro – índice de 46%. No geral, a reprovação é de 38%.

Foi na Assembleia de Deus Madureira, em Goiânia, que Bolsonaro prometeu indicar um ministro “terrivelmente” evangélico para o Supremo Tribunal Federal (STF).

Deixou de lado, assim, o compromisso de encaixar o ministro da Justiça, Sérgio Moro, na Corte – para crítica do eleitorado ideológico. Ele também prometeu colocar na Ancine um presidente evangélico “que tenha o joelho esfolado de tanto orar e saber de cor 200 versículos bíblicos”. A missão é impedir que recursos públicos financiem filmes considerados impróprios para a “família brasileira”.

Nesses casos, a bancada evangélica diz que nem precisou se esforçar para convencer o presidente. Prevaleceu a convergência de ideias. Outra iniciativa própria do governo que coincide com a agenda dos evangélicos foi a orientação aos diplomatas para que o termo gênero seja entendido como os sexos masculino e feminino – ou seja, definido pelo aspecto biológico, e não por uma construção social.

Ao exaltar os evangélicos, o presidente incentivou a criação de grupos de lobbies que tentam impor a pauta cristã. A Associação Nacional de Juristas Evangélicos, por exemplo, busca influenciar temas em discussão no Supremo e nos demais tribunais. Eles acompanham as causas na condição de “amigo da Corte”, que permite a alguém que não é parte opinar nas ações. Foi assim com temas como aborto, ideologia de gênero e criminalização da homofobia.

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