Fã confesso da Operação Mãos Limpas (“Mani Pulite”), o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, escreveu em 2004 um longo artigo sobre a investigação que desmantelou uma rede de corrupção na política italiana. Com cerca de 5 mil palavras, o texto faz apologia da investigação que, na década de 1990, atingiu a cúpula do governo e envolveu os principais partidos do país europeu.
Quinze anos depois de produzir o artigo “Considerações sobre a Operação Mani Pulite”, no cargo de ministro da Justiça, Moro carrega a experiência de ter colaborado com o julgamento dos acusados no escândalo do mensalão e, mais relevante, protagonizado as condenações decorrentes da Operação Lava Jato, versão brasileira da Mãos Limpas.
A recente divulgação de diálogos entre o ex-juiz e procuradores da República descortinou os bastidores da maior investigação contra corrupção no Brasil. Mostrou, também, como ele enredou-se em uma trama arriscada e – por incrível que pareça – prevista por ele no artigo de 2004.
Moro encerra o texto com a reprodução de um alerta feito por dois cientistas políticos italianos, Donatella Porta e Alberto Vannucci, sobre a atuação de juízes em investigações de corrupção. Autores do livro Corrupt exchanges: actors, resources, and mechanisms of political corruption, de 1999, a dupla de estudiosos aborda a linha tênue existente entre as ações de combate a crimes de colarinho branco e as práticas condenáveis dos políticos.
“De fato, escândalos políticos não colocam em questão apenas a legitimidade da classe política; eles também têm um impacto na legitimidade daqueles encarregados de investigá-los: a magistratura”, diz um trecho escrito por Donatella e Vannucci reproduzido por Moro em 2004.
“Em alguns casos, de fato, a descoberta de ilegalidade disseminada provoca críticas ao sistema judicial no sentido de que este estaria sendo inadequado para combater a corrupção”, acrescentam os dois autores.
Flagrado em conversas comprometedoras com procuradores, Moro agora se empenha em livrar-se da suspeita de que seu comportamento foi “inadequado” – para usar uma expressão dos italianos – durante as investigações que levaram para a cadeia o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Na mesma linha de raciocínio de Donatella e Vannucci, o ministro da Justiça enfrenta o questionamento da “legitimidade” de sua conduta como magistrado nos primeiros anos da Lava Jato. Para quem chegou ao governo como um paladino da moralidade, essa é uma circunstância adversa.
Ainda é cedo para se saber as consequências da revelação dos diálogos pelo site The Intercept nas investigações e no futuro de Moro. O presidente Jair Bolsonaro (PSL) defendeu o ministro da Justiça e anunciou que fará uma reunião com ele para tratar do assunto. Nesse tom, parece indisposto a demitir o auxiliar e dar um troféu desse tamanho para a oposição, especialmente o PT.
O caso teve repercussão imediata no Judiciário e entre políticos, especialmente os petistas. Em relação à Lava Jato, a divulgação das conversas põe em dúvida a lisura das investigações e os métodos usados na produção de provas contra os acusados levados a julgamento. Essa é uma questão para ser apreciada pelos órgãos responsáveis pela correição dos processos durante a busca de provas e a tramitação nos tribunais.
Do ponto de vista político, Moro sofre intenso desgaste com esse episódio. Para quem chegou à Esplanada como um festejado “superministro”, os fatos agora conhecidos pelos brasileiros jogam uma nódoa na imagem de herói contra a corrupção cultivada por seus admiradores.
Por fim, diante dos novos fatos, chega-se à conclusão de que Moro prestou pouca atenção ao alerta dos autores italianos reproduzido por ele no texto de 2004. Se tivesse levado a sério as constatações de Donatella e Vannucci, o ministro da Justiça agora não teria de se explicar sobre seu trabalho como juiz.