Projeto barra cartaz que culpa clientes por furto em garagens privadas
Segundo especialistas, os anúncios vão contra o Código de Defesa do Consumidor, que estabelece a responsabilização dos estabelecimentos
atualizado
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“Não nos responsabilizamos por objetos deixados dentro dos veículos”, diz o aviso fixado nas paredes de quase todos os estacionamentos privativos no Brasil. Os clientes que pagam pelo serviço têm que tirar todos os pertences pessoais ou escondê-los – e torcer para que nada aconteça com o carro. Segundo especialistas da área, os anúncios vão contra o Código de Defesa do Consumidor (CDC), que prevê que a segurança nas garagens é obrigatória e deve ser garantida pelo estabelecimento.
Pensando nisso, um Projeto de Lei que tramita na Câmara dos Deputados pretende proibir a fixação de cartazes que responsabilizam os usuários de garagens privativas por furtos dentro dos veículos. A ideia é evitar que as pessoas sejam induzidas ao erro de achar que não têm direito a indenizações em casos de problemas comprovados dentro dos estacionamentos.
Caso o PL nº 2.659/2019 seja aprovado, as empresas que culparem os próprios locatários pelos crimes podem ser multadas em R$ 1 mil por cada infração noticiada ao poder público. A comunicação pode ser feita por qualquer cidadão que tenha flagrado o aviso.
A proposição foi enviada no fim de maio para a Comissão de Defesa do Consumidor da casa. De autoria do deputado Célio Studart (PV-CE), o PL foi apensado a um projeto de lei apresentado em 2015 pelo parlamentar Alceu Moreira (MDB-RS), que dispõe sobre a responsabilidade civil por danos ocorridos em garagens privadas gratuitas.
Na visão de Studart, a conduta de empresas que pregam os cartazes eximindo-se da incumbência de segurança é “abusiva”, uma vez que induz o consumidor ao erro. Ele contou que a iniciativa surgiu pela indicação de clientes que passaram por situações em que foram roubados, mas não tiveram o direito de contestamento devido aos cartazes. “É muito comum escutarmos relatos de pessoas que, justamente ao ver o aviso afixado, deixam de recorrer ao seu direito”, comentou.
A matéria aguarda a designação de relatoria na Comissão de Defesa do Consumidor. Caso seja aprovado, o texto vai direto ao Senado, seguindo para sanção presidencial.
Direito do consumidor
A assessora Raissa Lomonte conta que fica em alerta toda vez que estaciona em lugares privados e se sente revoltada com a falta de segurança em garagens que cobram caro pelo uso da vaga. Ela faz parte da clientela que questiona os avisos fixados nos estacionamentos, antecipando a culpa pelos roubos ou furtos que possam vir a acontecer. “Sempre acreditei que por ter uma placa avisando que o estacionamento não se responsabiliza por danos, seria mais difícil conseguir uma reparação na justiça, caso algo ocorresse ao veículo”, disse. “Por isso, sempre deixo meu carro com o mínimo de pertences possível”, completou.
De acordo com a advogada especializada em direito do Consumidor Marilene Matos, apesar dos estacionamentos insistirem em fixar tal aviso, a isenção de responsabilidade pelos danos, furtos e roubos é assunto acertado nos tribunais. “Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 130, a qual diz que a empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento”, esclareceu. Segundo a jurista, a ação repassa a terceiros uma responsabilidade prevista em lei.
Para a especialista, é importante esclarecer que a relação contratual estabelecida entre o dono do veículo e o proprietário do estacionamento é uma relação de caráter consumerista, ou seja, regulada pelo código específico de consumidores. “O CDC proíbe que o fornecedor se exima de obrigações que a própria lei estabelece, com a previsão do art. 25, que veda a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores”, explicou.
Ela ressaltou que, além do descumprimento da lei, os cartazes fixados representam a falta de “boa-fé” nas relações de consumo da empresa. “Então, o consumidor deve saber: estabelecimento comercial que disponibiliza o estacionamento responde, sim, pelos danos, roubos ou furtos que vierem a ocorrer no período em que o veículo estiver ali estacionado”, esclareceu a advogada.
A sugestão de Marilene é que, caso o consumidor seja vítima de furto em garagens que contenham os anúncios, ele deve tentar fazer um acordo com o estabelecimento para ser ressarcido dos danos e, na hipótese de não ser possível, procurar seus direitos na Justiça.