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Especialistas: Planalto fere impessoalidade ao defender Bolsonaro

Perfil institucional da Secom divulgou vídeo em defesa do presidente. Ele foi citado em depoimento sobre assassinato de Marielle Franco

atualizado

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Isac Nóbrega/PR
25/10/2019 Conversa com a imprensa
1 de 1 25/10/2019 Conversa com a imprensa - Foto: Isac Nóbrega/PR

O perfil institucional da Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República divulgou, na tarde desta quarta-feira (30/10/2019), um vídeo em que sai em defesa pessoal do presidente Jair Bolsonaro (PSL). O chefe do Executivo foi citado em depoimento colhido na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. O depoimento foi obtido pelo Jornal Nacional, da TV Globo, e veiculado na noite de terça-feira (29/10/2019).

O material aproveita um trecho da transmissão ao vivo feita de madrugada por Bolsonaro na Arábia Saudita, depois do telejornal. “Mais uma vez, criam histórias dignas de ficção científica. O presidente é obrigado a provar que não consegue estar em dois lugares ao mesmo tempo”, diz a legenda que abre a peça institucional. O texto termina com a hashtag #BolsonaroEstamosContigo.

Especialistas ouvidos pelo Metrópoles dizem que o material divulgado fere o princípio da impessoalidade, previsto na Constituição Federal. Isso porque canais oficiais não podem ser usados para fazer defesa de autoridades em casos particulares. O assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes ocorreu à época em que Bolsonaro ainda era deputado federal, em março de 2018.

O princípio da impessoalidade, em sua essência, diz respeito à necessidade de o Estado agir de forma imparcial diante de terceiros, não podendo beneficiar nem causar danos a pessoas específicas.

Para o professor de Direito Constitucional da UERJ, o advogado Rodrigo Brandão, o conceito é uma decorrência do princípio republicano, que prevê a separação da pessoa física e da pessoa jurídica. Por este motivo, o advogado sustenta que questões pessoais não devem ser abordadas por canais públicos.

“Há uma separação clara. Essa acusação diz respeito à pessoa física do Jair Bolsonaro. Nesse caso, a defesa deve vir dos advogados e representantes que defendem a pessoa física dele. O uso de agentes públicos para defender algo fere o princípio da impessoalidade. O perfil [da Secom] deve ser usado somente para questões de interesse público”, explica Brandão.

Um advogado que preferiu não ter seu nome divulgado por temer que sua opinião possa interferir em casos que defende e são relacionados ao assunto, argumentou que, caso a denúncia veiculada na noite de terça-feira tivesse sido feita no âmbito do aspecto jurídico, Bolsonaro poderia usar os canais oficiais a seu favor.

“No entanto, no momento em que ocorre uma suspeita de envolvimento diretamente ligada à pessoa física do presidente Jair Bolsonaro, não cabe à Secom advogar em sua defesa”, diz.

O consultor político Alexandre Bandeira avalia que a atitude do Planalto em defender o presidente da República é uma tentativa de amenizar o posicionamento polêmico adotado por Bolsonaro na noite em que a reportagem foi exibida. Na avaliação dele, o presidente optou por “apagar a fogueira com gasolina”.

O chefe do Executivo, em viagem oficial ao Oriente Médio, fez uma live 29 minutos após o encerramento da edição do Jornal Nacional. Na transmissão ao vivo, que aconteceu por volta das 4h da manhã (horário local), Bolsonaro, muito exaltado, abriu guerra contra a TV Globo. Acusou a rede de fazer um “jornalismo podre e canalha”.

“Na live, o presidente mostrou uma personalidade não condizente ao cargo e que não pertence do presidente da República. Ele extrapolou a função no discurso na rede social”, avalia Bandeira.

Bandeira destaca ainda que, ao citar o nome do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, Bolsonaro antecipa o processo das eleições de 2022.

O presidente acusou diretamente o governador Witzel de ter vazado o processo conduzido pela Polícia Civil, que corre em sigilo, para a Globo. A intenção de Witzel, segundo Bolsonaro, é destruí-lo e, assim, ficar sem um concorrente de peso nas eleições presidenciais de 2022.

O consultor político comenta ainda que o governo precisa focar nas pautas econômicas que defende, em vez de voltar os olhos para as próximas eleições gerais. “Tivemos a reforma da Previdência que levará quase um ano de debate se juntarmos a votação no Congresso e sua promulgação que deve ocorrer só em novembro; teremos ainda este ano a discussão do o pacto federativo e a reforma tributária. Ele [Bolsonaro], simplesmente, abriu o jogo eleitoral que só vai ocorrer daqui a três anos. E isso não é bom porque o atual governo tem pautas que precisam ser concluídas ainda nesta gestão.”

A defesa
A Secom foi procurada para dizer se o presidente Jair Bolsonaro solicitou a produção do vídeo, e enviou a seguinte resposta:

“Cabe a (sic) Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência (Secom-PR) assessorar o presidente da República. O conteúdo citado apenas repercute uma manifestação do presidente sobre fato amplamente divulgado pela imprensa. Trata-se apenas de um direito de resposta.

Vale ressaltar que o Direito de Resposta é uma garantia fundamental assegurada pela Constituição Federal, pelo Pacto de San José da Costa Rica e pela Lei 13.188/2015.

Por conseguinte, a inverdade divulgada pelo veículo de comunicação contra o Presidente deve ser plenamente rebatida pela SECOM, a fim de ser restabelecida a verdade dos fatos”.

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