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MPF: Silvio Santos e Lula se reuniram para “salvar Panamericano”

O encontro do ex-presidente com o apresentador e dono do SBT ocorreu “logo após a descoberta das inconsistências contábeis” no banco

atualizado

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Heinrich Aikawa/Instituto Lula
Lula – Luiz Inácio Lula da Silva
1 de 1 Lula – Luiz Inácio Lula da Silva - Foto: Heinrich Aikawa/Instituto Lula

No pedido encaminhado à Justiça Federal para deflagração da Operação Conclave — investigação sobre fraudes na compra de ações do Banco Panamericano pela Caixa Participações S.A. (Caixapar) —, a Procuradoria da República destacou um encontro ocorrido em 22 de setembro de 2010 entre o apresentador de televisão e dono do SBT Silvio Santos e o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A reunião do petista com Senor Abravanel, o Silvio Santos, ocorreu no Palácio do Planalto “logo após a descoberta das inconsistências contábeis (no Panamericano) pelo Banco Central”. “A pauta teria consistido na busca de meios a fim de salvar o Banco Panamericano.”

A Procuradoria assinala que “o encontro não estava previsto na agenda presidencial, sendo que as doações para o Teleton foram declaradas oficialmente como o tema da conversa”.

O documento registra que o ex-presidente do Grupo Silvio Santos, Luiz Sebastião Sandoval, afirmou “categoricamente, em entrevista dada à imprensa, que o encontro realizado entre o então presidente da República Lula e Silvio Santos teria tido como tema principal a ajuda financeira a ser dada ao Banco Panamericano pelo Fundo Garantidor de Crédito”.

O pedido para deflagração da Conclave é subscrito pela delegada de Polícia Federal Rúbia Danyla G. Pinheiro e pelo procurador da República Anselmo Henrique Cordeiro Lopes.

Nesta quarta-feira (19/4), cerca de duzentos agentes federais saíram às ruas para cumprir 46 mandados de buscas e apreensões — os alvos da Conclave são banqueiros, executivos, administradores de empresas e auditores. A operação foi deflagrada por ordem do juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília.

“Em virtude de terem sido constatadas inconsistências contábeis que não permitiam que as demonstrações contábeis refletissem a real situação patrimonial da entidade, o Grupo Silvio Santos, em 5 de novembro de 2010, na qualidade de principal acionista controlador do Banco Panamericano, decidiu aportar, na conta “Depósito de Acionista”, o valor de R$ 2,5 bilhões, obtidos mediante operação financeira contratada com o Fundo Garantidor de Créditos (FGC), integralmente garantida por bens do patrimônio empresarial do Grupo, tais como o SBT, a Jequiti Cosméticos e o Baú da Felicidade”, assinalam Rúbia e Anselmo.

Eles destacam que “após o aprofundamento das investigações”, no dia 30 de novembro de 2010, foi revelado um rombo adicional de R$ 1,5 bilhão nos balanços do Panamericano.

Em janeiro de 2011, o Grupo Silvio Santos realizou aporte adicional no valor de R$ 1,3 bilhão. “Com as mesmas características do aporte anterior e utilizando os mesmos instrumentos legais (leia-se, FGC), o aporte adicional foi creditado em conta de “Depósito de Acionista”, destinado a reforçar o equilíbrio patrimonial e a liquidez operacional do Panamericano”, observam a delegada e o procurador.

Os ajustes adicionais permitiram apurar o valor total das inconsistências contábeis, um no montante de R$ 3,8 bilhões e outro de R$ 500 milhões, todos integralmente ajustados no balanço patrimonial em 30 de novembro de 2010, conforme Notas Explicativas do balanço patrimonial publicadas no dia 31 de dezembro de 2010.

“Apesar de ter autorizado preliminarmente o negócio em julho de 2010, o Banco Central somente constatou oficialmente indícios de inconsistências contáveis dois meses depois, oportunidade em que solicitou esclarecimentos ao Banco Panamericano, no dia 8 de setembro de 2010”, informam os investigadores.

Dessa forma, em 22 de setembro de 2010, o Panamericano apresentou informações formais ao Banco Central, apontando as inconsistências e definindo o compromisso de elaborar um relatório mais preciso pelo Conselho Interno de Auditoria.

“Assim, o Banco Panamericano apresentou documentações e planilhas ao Banco Central, apontando o total das inconsistências, incluindo passivos ocultos e duplicidades de repasses de ativo, o que permitiu ao Banco Central a contabilização oficial do rombo. O Bacen, dessa forma, encerrou o trabalho de fiscalização em 29 de outubro de 2010, identificando, de forma concreta, as inconsistências contábeis.”

Irregularidades
A Operação Conclave cita irregularidades encontradas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). “A diretoria da Caixapar, em vez de adotar o procedimento normal, regular, previsto em norma, preferiu, à revelia do regramento jurídico então vigente e do bom senso, pactuar outras formas de garantia que apenas suposta e retoricamente poderiam substituir a forma normativa de cautela prevista.”

A Procuradoria e a PF dedicaram um capítulo do pedido de 68 páginas ao que denominaram de “forma de pagamento e ingerência tardia da Caixapar”.

No lugar da conta caução, a Caixapar constituiu as seguintes garantias: 1) penhor das ações adquiridas; 2) ajustes no preço de aquisição decorrentes das contingências identificadas e quantificadas na due diligence; 3) previsão contratual de obrigação da Sílvio Santos Participações Ltda. (Grupo SS) de indenizar os prejuízos e perdas causados por eventual falsidade nas declarações que garantiam a inexistência de passivos ocultos de qualquer natureza; 4) pagamento do preço em duas parcelas.

“Nesse sentido, as garantias que constaram no contrato não podem, de forma alguma, serem consideradas capazes de, por si só, substituírem, em termos de liquidez e efetividade, o ato de segregar parte do preço desembolsado em conta vinculada imediatamente disponível à entidade credora”, alegam a delegada Rúbia Danyla G. Pinheiro e o procurador da República Anselmo Henrique Cordeiro Lopes.

“Outra irregularidade indicada pelo TCU consiste no fato de que a Caixapar passou a ter ingerência no Panamericano somente quando todo o valor negociado já havia sido desembolsado”, seguem. “Nesse sentido, conforme visto, a primeira parcela, correspondente a 70% do valor total do negócio, foi paga em 4 de dezembro de 2009 (sem escrow account), logo após a assinatura do contrato de compra e venda. Esse valor não conferiu à Caixapar o poder de ingerência e nem de conhecimento da situação do Banco Panamericano. Ora, o elevado percentual adiantado a título de sinal já causa estranheza, haja vista tratar-se de negócio de alto risco, ainda mais quando realizado num contexto de crise e sem utilizar-se de escrow account.”

O restante, o valor de 30%, foi pago em 26 de julho de 2010, também sem escrow account, após o Banco Central ter se manifestado favoravelmente ao ingresso da Caixapar no grupo de controle do Panamericano.

“Vale constar que, mesmo após o pagamento total do preço das ações, em julho de 2010, a Caixapar não passou a exercer plenamente suas prerrogativas na administração do Banco Panamericano, nos termos negociados com o Grupo Silvio Santos, isso porque o acordo de acionistas celebrado entre as partes somente entrou em vigor a partir do momento em que o Banco Central aprovou definitivamente o ingresso da CAIXAPAR no grupo de controle da instituição, o que ocorreu em 9 de novembro de 2010, ou seja, mais de três meses após o desembolso da totalidade do valor do negócio.”

“Assim, pode-se concluir que, conquanto realizada em duas parcelas, a forma de pagamento adotada produziu os mesmos efeitos de um pagamento à vista, uma vez que, por conta da ausência de previsão contratual para retenção de valores, a Caixapar teve que desembolsar todo o valor negociado, sem, contudo, poder dispor dos direitos pelos quais pagou”, alertam os investigadores.

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