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Saiba como a fusão do ICMBio e do Ibama impacta as multas ambientais

Junção dos órgãos daria poder ao ministro do Meio Ambiente para indicar o presidente do Núcleo de Conciliação e geraria interferência direta

atualizado

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Foto: José Cruz/Agência Brasil
Valdemar Bolsonaro Fotografia colorida mostra Jair Bolsonaro e Ricardo Salles lado a lado - Metrópoles
1 de 1 Valdemar Bolsonaro Fotografia colorida mostra Jair Bolsonaro e Ricardo Salles lado a lado - Metrópoles - Foto: Foto: José Cruz/Agência Brasil

As multas ambientais – tema de campanha do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) – serão severamente impactadas caso o projeto do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de fundir o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) com o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) saia do papel.

O Decreto nº 6.514 de 2008 determina que o Núcleo de Conciliação Ambiental não pode ser presidido por servidor integrante do órgão responsável pela lavratura do auto de infração. Ou seja: para multas do Ibama, um servidor do ICMBio preside a conciliação. E para as do ICMBio, um servidor do Ibama preside.

Se as duas instituições se fundirem, pela norma atual, alguém de fora terá de presidir as conciliações. Nos bastidores, esse é um dos objetivos do ministro Ricardo Salles, que passaria a exercer maior poder na indicação desse nome e teria interferência direta nas decisões.

O receio de servidores, ativistas e ambientalistas é que, funcionando dessa forma, as multas sejam perdoadas e ocorra um movimento de “punição zero”.

O presidente Bolsonaro, desde o início do governo, critica esse tipo de sanção e criou regulamentações que fragilizaram o processo. Em janeiro de 2019, o chefe do Palácio do Planalto teve uma multa perdoada por pesca irregular em Angra dos Reis, na Costa Verde do Rio de Janeiro.

“Incógnita”

O presidente da Associação dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente e do Plano Especial de Cargos, do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama (Asibama-DF), Alexandre Bahia Gontijo, alerta que entidades representativas, servidores e especialistas não estão participando das discussões.

“É uma incógnita essa fusão. No governo não há planejamento, não participamos das discussões e das decisões. Sabemos muito pouco do objetivo da fusão. Por isso, o receio da junção. Acreditamos que será um problema, sobretudo pela perspectiva complicada que o governo tem com órgãos ambientais. Nesse processo, muita coisa pode se perder”, explica.

No começo do mês, o ministro Ricardo Salles criou um grupo de trabalho para acelerar o projeto. A medida gerou um grave desconforto no Ibama e no ICMBio. É que dos sete componentes seis são militares, sendo cinco da Polícia Militar de São Paulo que exercem cargos nesses órgãos. O único integrante fora dessa carreira é o presidente do Ibama, Eduardo Bim.

Para Alexandre, o objetivo da fusão é paralisar e engessar os órgãos. “Não sabemos como os núcleos de conciliação ficarão. Atualmente, eles já mostram uma certa confusão. A pasta ambiental sempre teve um descaso com ela. Isso no Brasil e no mundo. Outra coisa é o ataque ativo que está ocorrendo hoje. Isso não tem precedentes”, critica.

Trabalho enfraquecido

Os servidores que trabalham com a fiscalização e aplicação de multas veem com pessimismo as mudanças. Um fiscal ambiental do Ibama que atua na região Norte conversou com o Metrópoles e demonstrou insatisfação. Ele pediu para não ter o nome divulgado por temer represálias.

“Com a junção dos órgãos, o ministro pode colocar quem ele quiser para presidir as conciliações das multas aplicadas. Ele pode colocar um servidor do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento ou de qualquer outro órgão que não tenha nenhuma relação com a área ambiental ou qualquer conhecimento sobre crimes e infrações ambientais para decidir se as multas serão ou não mantidas”, reclama.

A fusão dos órgãos precisa passar pelo Congresso Nacional. Isso significa que o governo tem de enviar a proposta ao parlamento, seja por medida provisória ou projeto de lei.

Conciliações vão parar no STF

As mudanças promovidas pelo governo nas conciliações ambientais foram parar no Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo dados do Observatório do Clima, entre abril de 2019 e setembro deste ano, o Ibama realizou apenas cinco audiências de um total de 7.205 agendadas. O ICMBio não realizou nenhuma.

O decreto do governo federal suspendeu a cobrança da multa até que seja realizada a audiência de conciliação. À época, o mecanismo foi justificado como uma tentativa de fazer órgãos fiscalizadores chegarem a um acordo, sem a necessidade de contestação judicial. Na prática, nenhuma multa foi aplicada a partir de outubro de 2019, quando a norma entrou em vigor.

A paralisia vai de encontro a um momento delicado na preservação ambiental no Brasil. Neste período, aumentaram o desmatamento e os incêndios na Amazônia e as queimadas no Pantanal, por exemplo.

Os partidos PT, PSB, PSOL e Rede entraram com ação no STF contra o decreto do presidente Bolsonaro que mudou o processo de cobrança de multas ambientais, em abril de 2019, e criou a chamada “conciliação”.

Versão oficial 

A reportagem entrou em contato com o Ministério do Meio Ambiente para questionar o embasamento da fusão, os objetivos e quais impactos trariam à proteção ambiental. Além disso, a pasta foi questionada sobre as multas aplicadas.

O órgão não respondeu até a última atualização deste texto. O espaço segue aberto para esclarecimentos.

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