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Lula tenta reviver boom do setor automobilístico, mas falta de crédito atrapalha

Governo Lula anunciou um plano para reduzir o preço dos carros mais baratos para o patamar dos R$ 60 mil, mas há incertezas no horizonte

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Carros furam a faixa exclusiva de ônibus na EPTG
1 de 1 Carros furam a faixa exclusiva de ônibus na EPTG - Foto: Michael Melo/Metrópoles

Os estímulos ao setor automobilístico marcaram todas as gestões anteriores do PT. Agora, em seu terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem buscado formas de reaquecer as vendas de carros. Mas não está fácil.

O anúncio de um plano para reduzir em até 10,96% os preços dos veículos mais baratos e levá-los a um patamar na casa dos R$ 60 mil é o que o governo conseguiu até o momento para tentar ressuscitar o conceito de carro popular. Porém, um cenário econômico difícil e travas relacionadas ao meio ambiente são obstáculos na tentativa de reviver um boom do setor.

Com sua trajetória política intimamente ligada à indústria de produção de veículos, onde foi operário e sindicalista, Lula lutou em seus primeiros governos para ampliar o acesso da classe média a carros novos. Essa luta incluiu incentivos fiscais para as montadoras, mas focou principalmente na ampliação do crédito. Era possível comprar carros em até 60 parcelas sem entrada, um cenário impossível atualmente, devido a fatores como juros muito altos, que encarecem o crédito.

Ao anunciar os esforços do governo, na quinta-feira (25/5), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) reclamou do fato de hoje 70% dos carros novos serem vendidos à vista, numa reversão da tendência histórica de a maioria das vendas ser a prazo. “Quem não tem dinheiro para comprar à vista acaba não comprando de jeito nenhum”, lamentou ele.

Buscando caminhos

A redução dos preços de carros via incentivos fiscais foi a alternativa mais viável que o governo Lula formulou até o momento para tentar driblar a falta de crédito para o consumidor, mas outras ideias foram debatidas e descartadas nos últimos meses.

Uma das possibilidades descartadas era a liberação de parte do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) dos trabalhadores assalariados para bancar ao menos parte da compra de carros populares 0 km, nos moldes do que acontece atualmente com imóveis. A sugestão veio da indústria, mas sofreu resistência dentro do governo. O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, disse ao Metrópoles que sua posição é “radicalmente contrária” a essa hipótese.

Outra opção discutida – e ainda não descartada completamente – é o lançamento de um “carro verde”, que funcionaria apenas com etanol e, por ser menos poluente, ganharia incentivos fiscais para ficar mais barato. Esse plano, porém, está engavetado, por enquanto.

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Discurso verde

A poluição produzida pela queima de combustíveis fósseis, aliás, é outro fator que torna difícil para Lula reviver os tempos áureos do mercado automobilístico. Apostando forte em um discurso de transição energética, o petista fica exposto politicamente ao incentivar a compra de carros.

Esta semana, quando começaram a circular as notícias sobre os planos do governo para o setor, a Coalizão Mobilidade Triplo Zero, que é uma rede composta por entidades preocupadas com mobilidade urbana, publicou um manifesto condenando a iniciativa. Para os signatários, a medida é um retrocesso porque o país precisa focar na urgência das questões climáticas.

“Socorrer a indústria automobilística será um retrocesso nacional sob a ótica da mobilidade urbana sustentável e o país perderá a chance de, finalmente, ser protagonista com a narrativa da proteção climática. É fundamental considerar a contradição de ter um discurso amplo internacionalmente sobre o clima, enquanto as políticas internas caminham numa direção completamente díspar”, diz o texto.

Para tentar lidar com essa contradição, o governo prevê como um dos critérios para baixar impostos para as montadoras que os veículos premiados tenham emissão de gases tóxicos. Os outros critérios são o preço do carro em si (quanto mais barato, maior o desconto) e a porcentagem de produção no Brasil de peças e assessórios usados no veículo.

Contradição com o discurso fiscal

Além de bater de frente com o discurso da transição energética, o incentivo ao setor automobilístico via incentivos fiscais é contraditório em relação ao que tem dito o ministro Fernando Haddad sobre o tema, nota o advogado especialista em direito tributário Pedro Henrique Vale Abdo.

“O novo arcabouço fiscal, recentemente aprovado na Câmara, para funcionar e equalizar as contas públicas depende da diminuição dos incentivos fiscais, como já deixou claro o ministro da Fazenda”, afirma ele. “Inclusive, o governo começou a divulgar, recentemente, a caixa preta da Receita Federal, justamente para mostrar a enorme quantidade de benefícios fiscais que as grandes empresas têm no Brasil. Agora, para baratear o preço dos carros, está sendo instituído justamente um novo incentivo fiscal pelo próprio governo”, adiciona ele.

O especialista avalia, porém, que o que foi anunciado pelo governo “é um pacote que pode ser viável e que, de fato, irá diminuir, em um primeiro momento, o preço dos automóveis”. Ele diz, porém, que a diminuição do preço de um produto através de renúncia de benefícios fiscais nem sempre é a melhor medida por ser algo paliativo, que não ataca a raiz do problema. “O vice-presidente Alckmin sabe disso, tanto que afirmou que as medidas anunciadas são temporárias”, diz Abdo.

Barato?

Um texto publicado no site oficial do PT em janeiro de 2022 batia no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) justamente pelo preço alto dos carros populares. “O sonho de ter e manter um carro próprio no Brasil está cada vez mais distante”, diz a peça. Na época, o carro mais barato custava R$ 59,8 mil, que é o preço que o governo Lula persegue agora.

Um período considerado bom nesse texto do PT foi 2015 (primeiro governo Dilma Rousseff), quando um carro 0 km podia ser comprado com 30 salários mínimos (o correspondente, então, a R$ 23,9 mil). Hoje, se preço cair para a casa dos R$ 60 mil, um carro popular custará aproximadamente 53 salários mínimos.

O possível

Segundo o economista Maurício F. Bento, diretor do Instituto de Formação de Líderes (IFL) de São Paulo, a diminuição de tributos para o setor automobilístico é uma medida que tem “o DNA do governo Lula”.

No segundo governo do petista, após a crise de 2008, lembra o economista foi reduzido o IPI para diversos produtos industriais, não só automóveis, como também produtos da linha branca. Naquela época, houve uma redução de preços e estímulo ao mercado.

Bento salienta, porém, que há hoje gargalos na indústria em razão da oferta dos insumos, fator que foi fortemente impactado pela pandemia e que não existia no início dos anos 2000. Chips necessários à produção de automóveis, por exemplo, estão escassos. O preço do aço também vem aumentando, o que impacta o custo das montadoras.

“Taxa de juros é um problema? Sim. Carga tributária também? Sim. Mas tem um problema na oferta de insumos”, reforça o economista.

“Se os preços dos insumos estão lá em cima, porque está em falta – em grande medida por crises internacionais, aumento do custo de frete, uma série de problemas –, aí isso não necessariamente pode ter o mesmo impacto que teve no passado.”

Reforma tributária

O economista salienta ser necessário ainda conhecer os detalhes das medidas. A Fazenda ainda vai finalizar os estudos referentes ao impacto fiscal ao longo dos próximos 15 dias.

“Hoje é incerto o impacto dessas medidas na economia. Essa redução no curto prazo pode ocorrer, mas ela vai ser sustentável?”, questiona.

Ele ainda defendeu que a alta carga tributária e o patamar elevado dos juros sejam atacados de forma mais ampla, através da reforma tributária em discussão no Congresso.

“O governo está tentando atacar gargalos reais, a alta carga tributária e a alta taxa de juros, mas por que atacar a carga tributária e a taxa de juros apenas para um setor (o automobilístico)? Por que não focar na tão aguardada e debatida reforma tributária, para beneficiar toda a indústria e outros setores da economia também?”.

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