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MPF quer correção da licença de Belo Monte para “preservar vida” no PA

O trecho abriga espécies raras de peixes, comunidades indígenas e ribeirinhas e ecossistemas únicos, ameaçados pelo desvio das águas

atualizado

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PAC/Divulgação
belo monte
1 de 1 belo monte - Foto: PAC/Divulgação

O Ministério Público Federal (MPF) enviou recomendação ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) para que seja realizada uma retificação na licença de operação da usina de Belo Monte, para assegurar a continuidade da vida na região conhecida como Volta Grande do Xingu, trecho de 100 km do rio que é lar de espécies raras de peixes, comunidades indígenas e ribeirinhas com séculos de história e ecossistemas únicos, ameaçados pelo desvio das águas para as turbinas da hidrelétrica.

O presidente do Ibama, Eduardo Bim, e o diretor de licenciamento ambiental, Jônatas Trindade, têm prazo de 20 dias para responder à recomendação do MPF, que requisita adoção de medidas para “retificação da licença de operação de Belo Monte, com a revisão do hidrograma de consenso previsto nos estudos de impacto ambiental e a sua substituição por um hidrograma ecológico apto a garantir as funções ambientais e a sustentabilidade das condições de vida na Volta Grande do Xingu”.

O documento foi enviado ao Ibama na última sexta-feira (30/09/2019) e traz as conclusões de um inquérito civil que acompanha desde 2010 as consequências do licenciamento de Belo Monte para os moradores e ecossistemas da Volta Grande.

Com a instalação da usina, a região foi rebatizada de Trecho de Vazão Reduzida e, diante das incertezas sobre o futuro da vida na área, foi definido nas licenças ambientais que seria submetida a um hidrograma de testes durante seis anos, a contar da conclusão das obras, prevista para dezembro de 2019.

O chamado hidrograma de consenso determinou o que o MPF entende ser uma partilha das águas, com a maior parte, cerca de 80% da vazão, sendo desviada para alimentar as turbinas da hidrelétrica.

Pelo hidrograma, a Volta Grande do Xingu jamais voltará a ter as condições hidrológicas que permitiram a reprodução dos ecossistemas e das comunidades ao longo dos séculos. Em vez do pulso de inundação natural do rio, que garantia vazões de 20 a 25 mil metros cúbicos na cheia, a situação passou a ser de seca permanente com pequenas variações nos meses de enchente.

A previsão do licenciamento era de liberar 4 mil metros cúbicos de água em um ano e 8 mil metros cúbicos de água no ano seguinte, submetendo a vida na região a um estresse hídrico que pode ser insuportável. Para o MPF, o regime proposto é insustentável e pode causar um colapso socioambiental, daí a urgência de se corrigir os erros do licenciamento de Belo Monte.

Uma das conclusões da investigação do MPF é de que o parecer técnico do Ibama não atestou a viabilidade do dito hidrograma de consenso e não existem estudos técnicos que o sustentem. Pelo contrário, em 2009, antes da emissão da licença prévia da usina, a equipe do Ibama alertou que a quantidade de água prevista para ser mantida no trecho era insuficiente para a continuidade da vida.

“Não há clareza quanto à manutenção de condições mínimas de reprodução e alimentação da ictiofauna, quelônios e aves aquáticas, bem como se o sistema suportará esse nível de estresse a médio e longo prazos. A proposta do Hidrograma de Consenso não apresenta segurança quanto à manutenção do ecossistema para o recrutamento da maioria das espécies dependentes do pulso de inundação, o que poderá acarretar severos impactos negativos, inclusive o comprometimento da alimentação e do modo de vida das populações da Volta Grande”, disseram os técnicos. Na emissão das licenças, o alerta técnico foi ignorado.

Corrupção
Para o MPF, Belo Monte promove uma disputa pelas águas em que a viabilidade financeira do empreendimento está diretamente conectada à sobrevivência de centenas de pessoas e da própria Volta Grande do Xingu. Necessariamente, o aumento da vazão de água no trecho desviado significará a redução na produção de energia da usina. O fato desse arranjo técnico ter sido construído sem nenhum estudo que atestasse sua viabilidade tanto ecológica quanto financeira, para o MPF, só pode ser explicado pelo esquema de corrupção que moveu a instalação da usina, que é investigado pela Lava Jato.

Recentemente, o ex-ministro Edson Lobão foi denunciado pelo MPF à Justiça federal no Paraná por desviar recursos da usina, através da ação do cartel formado pelas construtoras Odebrecht, Camargo Correa e Andrade Gutierrez. Para o MPF, o hidrograma imposto à Volta Grande do Xingu faz parte do esquema de corrupção, “mediante ingerência do governo federal sobre o órgão licenciador, de modo a contornar os entraves relacionados à viabilidade ambiental do projeto”.

Inviabilidade da vida
A preocupação de autoridades e cientistas com a Volta Grande do Xingu vem sendo objeto de artigos, vistorias, relatórios e pareceres que também fundamentam a recomendação feita ao Ibama. Em artigo assinado por 21 cientistas que constituíram um painel independente para analisar a situação, a conclusão é que “as vazões do hidrograma proposto no licenciamento inviabilizarão a vida na Volta Grande do Xingu”.

Para os cientistas – hidrólogos, geógrafos, biólogos e antropólogos – já existem provas suficientes de que as vazões propostas são insuficientes. “Não há condições de que os testes dos próximos seis anos ocorram com base no hidrograma inicialmente proposto, pois apenas se pode testar algo que ainda não tenha nenhum indicativo ou indício de comprovação ou de possível consolidação”, dizem.

“A sobrevivência e a manutenção de todo o ecossistema da Volta Grande e dos modos de vida de comunidades não podem ser objetos de testes quando são contundentes e claras as evidências e indicativos de impactos graves e irreversíveis que já ocorrem e estão em curso, mesmo com vazões bem superiores às do hidrograma proposto”, diz o artigo, intitulado “Condições para a manutenção da dinâmica sazonal de inundação, a conservação do ecossistema aquático e manutenção dos modos de vida dos povos da Volta Grande do Xingu”.

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