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Jornalista relembra desespero durante temporal em SP: “Devastação”

Jordânia Bispo, 29, diz que planejou viagem para São Sebastião, checou a previsão do tempo, mas não imaginava tragédia de tamanha proporção

atualizado

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Arquivo pessoal/Jordânia Bispo
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1 de 1 goias jornalista goiana relato chuva litoral paulista - Foto: Arquivo pessoal/Jordânia Bispo

Goiânia – “Quatro amigas decidiram entrar em um carro e viver a maior aventura da vida delas”, essa foi a publicação da jornalista goiana Jordânia Bispo, de 29 anos, nas redes sociais no último sábado (18/2), na Praia de Juquehy, em São Sebastião, no litoral paulista. Sem imaginar o que as próximas horas reservavam para a tão sonhada viagem de Carnaval, ela e as amigas viveram momentos de medo e desespero em razão das chuvas que causaram uma tragédia na cidade.

Até o momento, mais de 50 pessoas morreram na tragédia. Boletim divulgado pelo governo de SP nessa sexta-feira (24/2), sexto dia de buscas, aponta para mais de quatro mil pessoas desabrigadas. Ao Metrópoles, Jordânia contou que foram as mais de 12 horas de chuva intensa e ininterrupta.

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Viagem planejada

Segundo Jordânia, ela e as amigas planejaram e sonharam com a viagem de Carnaval para São Sebastião por dois meses. Moradora de Goiânia, ela e uma das mulheres viajaram da capital goiana para São Paulo, onde se encontraram com as outras amigas e foram para São Sebastião de carro, na sexta-feira (17/2).

“Chegamos em São Sebastião e conseguimos curtir o primeiro dia de festa no centro histórico. Tiveram diversas apresentações culturais, shows, era a abertura oficial do Carnaval. Estávamos hospedadas em Sertão de Cambury, que é praticamente na zona rural, mas fomos lá para curtir o início da festa”, conta.

“Planejamos, sonhamos e desenhamos cada detalhe dessa viagem entre amigas. Chegamos a conferir a previsão do tempo, porque queríamos fazer um passeio de barco, então, sabíamos que havia previsão de chuva, mas nunca poderíamos imaginar algo dessa proporção”, ressalta a jornalista.

Medo

Jordânia relatou que depois de curtir a praia no sábado, ela e as amigas foram para casa e estavam cogitando voltar para Juquehy, onde aproveitariam a noite. No entanto, começou a chover e elas avaliaram que seria melhor não sair. “Quando eu estava tomando banho começou a chover, então resolvemos que era melhor ficar em casa, fizemos uma comida. Como eu tenho o sono um pouco mais pesado, eu simplesmente dormi, mas as minhas amigas perceberam que era uma chuva forte, constante e diferente. Só o que a gente calculou foram, pelo menos, 12 horas seguidas de chuva intensa”.

A jornalista conta que ao acordar, elas perceberam que a casa estava sem energia, por isso, não tinham acesso à internet ou sinal de telefone. Por isso, pensaram em começar o dia novamente em Juquehy. “Fomos tomando pé da situação aos poucos. Como estava sem energia, a gente até cogitou ir para Juquehy, para começar o dia lá e aí saímos de casa. Já na saída, nosso carro caiu em um buraco e aí que começa o nosso vínculo com a comunidade, que foi, de fato, o que mais chamou a nossa atenção. Precisamos de ajuda e tinham muitos moradores na rua tampando os buracos. Por ser na zona rural, a estrada de terra ficou muito danificada”, diz Jordânia, que já estranhou a situação.

“A medida que a gente foi conversando com esses moradores, começamos a entender que alguma coisa havia acontecido, até então, estávamos sem energia, sem internet, sem sinal de telefone. Um dos moradores que nos ajudou, levou a gente até Cambury, que é um bairro de São Sebastião, para que a gente pudesse se comunicar com as nossas famílias. Foi lá que conseguimos ter a dimensão do problema”, detalha.

“Em Cambury também houve deslizamento de terra, mas ainda não foi tão grave quanto Juquehy e na Vila do Sahy. Onde estávamos, em Sertão do Cambury, só vimos depois de algum tempo, nas vias alternativas, que várias famílias perderam tudo, as coisas todas estavam do lado de fora, os estragos a gente foi percebendo assim. Vimos uma movimentação intensa de helicópteros, e isso foi deixando a gente mais desesperada”, relatou Jordânia.

Segundo ela, o grupo teve bastante dificuldade de locomoção. “Quando a gente entendeu que estávamos no meio de uma tragédia, a primeira coisa foi comunicar as nossas famílias, ir atrás de notícias, começamos a receber as informações no celular. A partir de então procuramos um lugar onde nos sentíssemos mais seguras, mas não tinha. Ficamos ilhadas e com medo. Essa foi a nossa maior dificuldade, o que não chega nem perto do que os moradores viveram. A comunidade perdeu vida, casa, tudo. Do lugar de turista, vivemos essa experiência com muito menos impacto do que a comunidade”, ressalta.

Contraste

Apesar da tragédia, a jornalista também afirma que viu vários turistas seguindo a vida normalmente. “Era um cenário de tragédia, de devastação. Ao mesmo tempo tinha uma incoerência muito grande. Em Cambury, na rua principal, por exemplo, a gente percebeu que muitos turistas estavam levando a vida normalmente, indo para a praia, tomando sol. Estava um clima péssimo, a gente falando de morte, mas muitas pessoas ignoraram isso completamente”, conta.

“Tinha táxi aéreo o tempo todo, muita gente conseguia fretar helicóptero. Mas nós começamos a nos preocupar com a comunidade, porque foi quem de fato nos acolheu. Tudo o que conseguimos movimentar foi com a ajuda dos próprios moradores e não dos turistas. Os turistas queriam apenas sair correndo. É claro que também ficamos apreensivas, queríamos ir embora, mas a nossa perspectiva era esperar o tempo firmar um pouco mais e também conseguir ajudar aquelas pessoas”, diz.

A goiana confirma que foram praticados preços abusivos por comerciantes durante a tragédia. “Teve gente que se aproveitou sim, infelizmente. Compramos uma garrafa de 6L de água por R$ 25, o que é muito acima do valor médio. O maior desespero, especialmente, no primeiro dia, era justamente esse, água e gelo. Os postes caíram, não tinha energia, as pessoas estavam desesperadas, os produtos foram acabando no mercado, que também tinham filas quilométricas”, relembra.

Senso de comunidade

Apesar da sensação de medo, Jordânia conta que o senso de comunidade dos moradores foi algo que lhe chamou a atenção. “Tivemos muito medo, ficamos desesperadas. No domingo (19) nos sentimos presas, choramos ao falar com as nossas famílias, foi um momento de muita aflição. Emocionalmente ainda estamos muito abaladas. Mas, temos consciência de que  não é possível colocar o nosso transtorno no mesmo patamar da comunidade, não experimentamos o medo com a nossa integridade física, por exemplo”, disse ela.

“Vivemos da perspectiva do turista, que é bem diferente de quem tem uma casa no morro e perdeu tudo. Estamos apreensivas, voltamos diferentes. Ainda está difícil organizar as ideias, voltamos pensando muito em senso de comunidade, chegamos a nos voluntariar em um posto de atendimento em Cambury e em uma escola na Vila do Sahy, onde ajudamos a servir comida. As minhas amigas são psicólogas então se voluntariaram para uma roda de conversa, eu fiz registros, mas era o mínimo que poderíamos fazer”.

Jordânia afirma ainda que, independente da localização geográfica, ela e as amigas vão tentar continuar ajudando os moradores da região. “Isso mexeu muito com a gente. O mínimo que podemos fazer é dar esse suporte para a comunidade, o mesmo que recebemos. Voltamos precisando respirar e reorganizar as ideias e vamos tentar continuar ajudando essas pessoas, porque eles vão precisar de muita ajuda”, conta a jornalista.

Jordânia e as amigas conseguiram sair de São Sebastião na quinta-feira (23/2) e estão na capital paulista.

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