metropoles.com

Governo omite dados de pensão paga a filhas de militares

Defesa alega inexistência de lei, ignora TCU e deixa de informar número de filhas de ex-integrantes das Forças Armadas que recebem pensão

atualizado

Compartilhar notícia

Rafaela Felicciano/Metrópoles
Prédio do Ministério da Defesa, pasta sob a qual estão as Forças Armadas - Metrópoles
1 de 1 Prédio do Ministério da Defesa, pasta sob a qual estão as Forças Armadas - Metrópoles - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

O Ministério da Defesa mantém sob sigilo quem são e quanto recebem de pensão vitalícia as filhas herdeiras de militares. Embora o Tribunal de Contas da União (TCU) tenha determinado, em setembro do ano passado, a divulgação de todos os valores pagos aos pensionistas do Poder Executivo, as Forças Armadas se recusam a abrir a caixa preta.

A justificativa do ministério é que não existe lei obrigando a apresentação desses dados. A interpretação é criticada por especialistas.

O Estado mostrou, em uma série de reportagens, que o Legislativo paga pensão para 194 filhas solteiras de ex-parlamentares e ex-servidores do Congresso. Somente em 2019, o gasto com esse privilégio foi de cerca de R$ 30 milhões.

A Câmara e o Senado publicam os dados no Portal da Transparência, uma consulta acessível a qualquer cidadão. O Executivo, porém, só passou a divulgar as informações relativas às pensões das filhas solteiras a partir de dezembro, atendendo ordem do TCU.

Ao menos 52 mil mulheres recebem, atualmente, valores mensais porque não se casaram “no papel” e porque os pais, todos civis, trabalharam no governo federal antes de 1990. Nos dois últimos meses de 2019, essa quantia somou R$ 630 milhões.

As herdeiras de militares, no entanto, não estão nesta lista. O sigilo abrange, ainda, aposentados e demais pensionistas das Forças Armadas. Informações sobre inativos ligados à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e ao Banco Central (BC) também são omitidas pelo governo. A Abin alega que os dados são secretos porque é necessário preservar os servidores. O BC não respondeu até a publicação desta reportagem.

Entre 2009 e 2011, a União gastou mais de R$ 4 bilhões por ano com o pagamento de pensões a filhas solteiras de militares, como apurou o Estado à época. No período, o benefício foi pago para 90.900 mulheres. O valor destinado às filhas solteiras representava 16% de todo o montante gasto com a Previdência dos militares.

O privilégio foi extinto em dezembro de 2000, mas quem já era integrante das Forças Armadas naquela data teve a chance de manter o benefício, desde que aceitasse pagar 1,5% a mais de contribuição previdenciária. A remuneração das herdeiras militares não depende do estado civil, ao contrário da condição imposta a filhas de servidores civis — elas precisam se manter solteiras se quiserem continuar como pensionistas.

Em entrevista ao Estado, na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse que não se deve mexer em direito adquirido ao comentar o pagamento às filhas solteiras. “O que está aí temos acertado que a gente não mexe”, afirmou.

Após a série de reportagens, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), encomendou um estudo para verificar a possibilidade de entrar no Supremo Tribunal Federal (STF) com o objetivo de reverter o pagamento das solteiras do Legislativo.

Procurado pela reportagem para comentar a omissão dos dados por parte dos militares, do Banco Central e da Abin, o TCU informou que um novo processo para monitorar o atendimento às determinações será aberto, mas a medida ainda não tem data para ocorrer. O Ministério da Defesa insiste que não há “determinação legal específica que imponha (…) a prestação de informações a respeito dos proventos dos militares inativos e de seus pensionistas”.

Os valores não são divulgados nem mesmo por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). Na prática, os militares vêm negando pedidos por interpretarem que as informações são de caráter pessoal.

Estimativa
Ao julgar o assunto, em setembro, o TCU entendeu não haver necessidade de uma ordem específica para a divulgação individualizada de dados de pensionistas. Outros poderes e estados, por exemplo, já o fazem. O tema entrou na pauta do TCU após denúncia do site Fiquem Sabendo.

Em seu voto, o relator do caso, ministro Walton Alencar Rodrigues, estimou as despesas com servidores aposentados, na reserva, reformados e instituidores de pensão em R$ 494,64 bilhões entre 2011 e 2016. “O volume de recursos é suficiente para demonstrar a importância de se implementar a transparência ativa dessas informações”, disse o ministro.

A partir da decisão mais recente do TCU, a Controladoria-Geral da União (CGU) também enviou ofícios à Defesa e a outros órgãos não incluídos nas bases de dados do Ministério da Economia, como o Banco Central. A Controladoria reforçou a posição de dar publicidade aos dados e solicitou o envio mensal dessas informações.

Exceção
O diretor-executivo da Transparência Brasil, Manoel Galdino, criticou a interpretação que a Defesa tem dado às leis sobre a abertura dos dados aos cidadãos. Galdino destacou que a Constituição e até mesmo a LAI tratam o sigilo como “exceção”. “A interpretação que os militares fazem é legalmente errada. Dizem que não existe determinação expressa de transparência e, por isso, dão sigilo. É o contrário. Se o TCU determinou que dados de inativos devem ser transparentes e não há nenhuma lei especificando que militares têm de ser exceção, a regra é a publicidade dos dados”, afirma ele.

Para o secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, a não apresentação dos dados de pensões afronta a LAI. “Os cidadãos têm o direito de saber como está sendo gasto o seu dinheiro. Argumentos semelhantes quanto ao sigilo dos salários foram derrubados pelo STF. Imagino que a Justiça, quando consultada, obrigará a divulgação dos proventos dos militares inativos e dos pensionistas”, afirma.

Compartilhar notícia

Todos os direitos reservados

Quais assuntos você deseja receber?

sino

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

sino

Mais opções no Google Chrome

2.

sino

Configurações

3.

Configurações do site

4.

sino

Notificações

5.

sino

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comNotícias Gerais

Você quer ficar por dentro das notícias mais importantes e receber notificações em tempo real?