metropoles.com

Ex-diretora do MEC de Lula diz que pasta distorce política de inclusão

Defensora da política de educação inclusiva instituída no segundo governo Lula, em 2008, alerta para risco de retrocesso em projeto

atualizado

Compartilhar notícia

Marcelo Camargo/Agência Brasil
ministerio da educacao
1 de 1 ministerio da educacao - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Integrante do governo Lula neste ano por apenas dois meses, a pesquisadora da Universidade de Campinas (Unicamp) Rosângela Machado, com atuação na área de educação inclusiva, alerta que existe dentro do Ministério da Educação (MEC) um movimento que está descaracterizando a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEEPEI).

A política em questão foi criada no segundo governo Lula, em 2008, após ampla discussão, mas foi interrompida nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro. Com a vitória de Lula, logo em janeiro o presidente revogou um decreto do ex-presidente que foi barrado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e que previa uma política educacional excludente para alunos com deficiência.

Rosângela, que também integrou o MEC em 2008, foi nomeada como diretora de Políticas de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva neste terceiro governo Lula justamente para ampliar a abrangência da política. Na prática, no entanto, diante de resistências internas, ela pediu demissão dois meses depois da sua nomeação.

A principal preocupação da pesquisadora é com um texto proposto pelo MEC para substituir um projeto de lei na área de educação inclusiva. O projeto, proposto por um deputado, já é amplamente criticado por especialistas e pela comissão instituída pelo MEC para discutir políticas educacionais de inclusão.

O próprio ministério também critica o projeto, mas propôs na semana passada um substitutivo que mantém uma estrutura da proposta inicial que, na prática, vai de encontro à política instituída no segundo governo Lula.

O projeto em questão tramita na Câmara desde 2020, e foi esquecido em 2022. Em março deste ano, no entanto, ele voltou a tramitar em comissões e teve a urgência aprovada após requerimento de uma deputada da base: Tabata Amaral, do PSB de SP, partido do vice-presidente Geraldo Alckmin. O deputado indicado para relatar a matéria, Duarte Júnior (MA), também é da mesma legenda.

“Assumi cargo no MEC neste ano com o objetivo de retomar a política de 2008, que é potente, histórica e revolucionária. Foi essa política que democratizou o acesso do estudante com deficiência ao ensino regular. Ela sofreu tentativa de retrocesso nos últimos seis anos, e agora que o presidente Lula voltou ao governo, pensávamos que iríamos retomá-la e avançar em ações para fortalecer”, afirmou Rosângela.

A percepção, segundo ela, é que o MEC se aproveita de um projeto do Congresso para apresentar uma nova política de educação especial sem um debate público. “Demonstra que a intenção do MEC não é retomar a política de 2008”, frisou.

Conceitos discrepantes

Um dos principais problemas trazidos pelo projeto, e que é mantido pelo substitutivo apresentado pelo MEC, é o Plano Educacional Individualizado (PEI). Atualmente, a política de 2008 prevê o chamado Atendimento Educacional Especializado (AEE), que não vê a barreira no aluno, e sim no meio. A ideia, segundo Rosângela, é investigar o que impede o estudante de acessar o ensino regular e planejar ações em cima disso.

O PEI, por sua vez, diferencia o aluno com deficiência. Na prática, elabora-se, por exemplo, atividades diferentes que a apresentada ao restante da classe para este estudante. Esse conceito é tido por aqueles que participaram da construção da política de 2008 como um retrocesso, por enxergar a deficiência como barreira para a educação. 

“É um conceito excludente, porque atua no nível de habilidade do aluno com deficiência”, afirma. Outro ponto questionado é o que prevê a inclusão de profissionais da saúde e da assistência social no atendimento desses alunos dentro da estrutura educacional. 

Política bolsonarista

Referência na educação inclusiva e uma das responsáveis pela política elaborada em 2008, a coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença (Leped), Maria Teresa Eglér Mantoan, afirma que a proposta apresentada pelo MEC tenta retomar o conceito de uma política bolsonarista que foi amplamente criticada em 2020.

“Não só uma política bolsonarista, como uma política de educação especial que já foi ultrapassada”, disse Maria Teresa. Em um documento do último dia 24, o laboratório frisa que o PEI é um retrocesso grave, e que é um “instrumento correlato ao proposto pela política de educação especial do governo Bolsonaro”. “Pode parecer um detalhe, mas esta é a morte da PNEEPEI”, diz o documento.

“Volta ao passado”

Rosângela Machado fala ao microfone
Ex-diretora do MEC Rosângela Machado fala em audiência pública na Câmara. Foto: Zeca Ribeiro

A ex-diretora Rosângela Machado diz que não teve apoio no período em que esteve no MEC e que chegou a ouvir que retomar a política de 2008 seria “voltar ao passado”. A pesquisadora aponta que o ministro da Educação, Camilo Santana, não tem agido da forma como se esperava.

 “O MEC, até agora, não nos permite acreditar que essa política vai ser retomada. Principalmente por essa resposta que eles têm ao projeto de lei”

“O ministro tem conhecimento e não se decidiu pela política de 2008”, afirmou. Para ela, ele tem deixado ocorrer essa descaracterização do avanço de décadas atrás por desconhecimento. “Acho que é despreparo e talvez também pela força de opositores à política de 2008 que conseguiram chegar até ele”, afirmou.

O MEC

Em nota, o MEC afirma que tem se posicionado, desde o início, de forma contrária ao texto, e frisa que não tem prerrogativa para propor arquivamento de projeto de iniciativa parlamentar. Vale dizer, no entanto, que a pasta também não precisaria propor um substitutivo.

O ministério disse que sempre defendeu que o texto incorporasse os objetivos e diretrizes da política de 2008, e que defende ampla discussão com os movimentos sociais. A pasta ressaltou que tem atuado para fortalecer a referida política, que em breve vai lançar um plano nacional de educação especial e que busca ampliar os programas.

A pasta afirmou, ainda, que defende “ampla discussão com movimentos sociais, associações científicas e associações do sistema de justiça, por meio de audiências públicas”, e que garantiu o debate de cada entidade e da Comissão Nacional da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (CNPEEI).

Compartilhar notícia

Quais assuntos você deseja receber?

sino

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

sino

Mais opções no Google Chrome

2.

sino

Configurações

3.

Configurações do site

4.

sino

Notificações

5.

sino

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comNotícias Gerais

Você quer ficar por dentro das notícias mais importantes e receber notificações em tempo real?