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Em 2023, mais de 1,2 mil pessoas foram resgatadas de trabalho análogo à escravidão

O número de resgatados nos 3 primeiros meses deste ano já é quase metade do total de trabalhadores encontrados nessa situação em todo 2022

atualizado

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Reprodução/Rede Brasil
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1 de 1 trabalho-escravo-mato-grosso-metropoles - Foto: Reprodução/Rede Brasil

Em 2023, ao menos 1.277 trabalhadores foram resgatados de condições análogas às de escravo no Brasil. O número informado ao Metrópoles pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) reúne dados de autuações de janeiro a março deste ano.

O número engloba grandes autuações. Em fevereiro, 207 trabalhadores que atuavam na colheita de uvas foram resgatados em Bento Gonçalves (RS). No mês seguinte, foram 212 pessoas tiradas de condições degradantes no plantio de cana de açúcar e produção de álcool, em Goiás e Minas Gerais.

O número de resgatados nos três primeiros meses de 2023 já quase metade do total de trabalhadores encontrados em situação de escravo em todo o ano de 2022. No período, foram 2.575 resgatados.

De acordo com o MTE, a grande quantidade de registros é favorecida por essas grandes autuações. A pasta também considera que a divulgação da implantação do sistema IPÊ, que permite o registro de denúncias on-line, colaborou para o incremento no número de denúncias.

“Fora isso, o destaque dado pela mídia ao tema, com matérias saindo com mais frequência, aumentou a conscientização sobre o uso ilegal da mão de obra e também dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, favorecendo a denúncia de quem é submetido a situação degradante”, completa, em nota.

Casos recentes

Em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, 207 trabalhadores foram resgatadas em condições análogas à escravidão. Os funcionários foram recrutados na Bahia pela empresa Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde LTDA para trabalhar nas vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton. O caso ganhou grande repercussão nacional.

Os trabalhadores contaram às autoridades detalhes dos episódios de violências a que eram submetidos, como surras com cabo de vassoura, mordidas, choques elétricos e ataques com spray de pimenta.

Outro caso emblemático foi o resgate de um homem, de 51 anos, em condição análoga à escravidão em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro. O trabalhador cuidava dos porcos que eram criados dentro da propriedade e era obrigado a comer a lavagem dos animais. Além de uma alimentação precarizada, o local onde a vítima morava não tinha banheiro e paredes.

Em Minas Gerais, três homens com idades entre 58 e 65 anos foram resgatados de uma fazenda em Bom Jardim de Minas onde eram submetidos a condições análogas à escravidão. Os trabalhadores não possuíam condições mínimas para moradia, como colchão, cama, armários, banheiro com chuveiro e água.

Em março, uma operação do Ministério Público do Trabalho (MPT) oito trabalhadores em condições análogas a escravidão, em Nova Gama, no entorno do Distrito Federal. As vítimas eram responsáveis por uma fazenda de eucaliptos que seriam usados para produção de carvão vegetal.

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Mudança de governo

Para o professor da Universidade de Brasília (UnB) Sergio Sauer, o incremento no número de denúncias, fiscalizações e resgates não representam, necessariamente, um aumento de trabalhadores submetidos a essas condições.

“Estudiosos colocam que existem muito mais casos de trabalho análogo à escravidão do que é denunciado, fiscalizado e tornado público”, explica. Ainda assim, ele observa que a mudança de postura e recriação do Ministério do Trabalho e Emprego pelo governo Lula (PT) pode ter contribuído para reforçar as fiscalizações.

“O governo Bolsonaro foi não só omisso, mas deliberadamente orientou os órgãos responsáveis a não fazer diligências. Também, do ponto de vista orçamentário, seja de recursos financeiros, humanos e materiais, foi deliberadamente [aplicada] política de estado de não fiscalizar”, aponta Sauer.

Contexto de precarização

O procurador do trabalho Italvar Medina afirma que, ao analisar o número de resgates, deve-se refletir sobre o aumento de fatores de risco para essa condição. Ele elenca fatores como o incremento de atividades clandestinas, como garimpo e desmatamento ilegal, e a crise econômica advinda da pandemia.

“A vulnerabilidade social está intimamente relacionada ao trabalho escravo. As vítimas são pessoas vulneráveis, que não têm acesso à educação, boas oportunidades de emprego, em situação de pobreza. Por isso, acabam sendo mais facilmente aliciadas”, observa Medina, que é vice-coordenador nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Conaete) do Ministério Público do Trabalho.

A pesquisadora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e juíza do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 6ª Região Luciana Paula Conforti ressalta que o incremento também se relaciona à precarização das condições de trabalho nos últimos, por meio da reforma trabalhista, aumento dos terceirização e desemprego.

A magistrada explica que a legislação que prevê o combate ao trabalho análogo à escravidão engloba quatro situações: trabalho forçado, jornada exaustiva, condições degradantes e aprisionamento por dívidas. “No Brasil, o mais comum é o trabalho análogo à escravidão no âmbito rural”, observa.

“São situações enraizadas pelo nosso sistema de produção, que é de capitalismo dependente, ou seja, de economia agroexportadora. Essa questão da terceirização faz com que a cadeia de produção não considere as condições de trabalho na hora de contratar”, afirma Luciana. “São questões culturais”.

Necessidade de reforço

De acordo com os especialistas consultados pela reportagem, um fator que pode contribuir para que mais trabalhadores permaneçam em condições análogas à de escravo é a falta de auditores-fiscais do trabalho. Uma vez que não há concurso público desde 2013, a carreira tem em torno de 50% de vacância.

O presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), Bob Machado,  afirma que o quadro de servidores atual é o menor dos últimos 30 anos. “Nós tivemos, com a redução do número de auditores fiscais, uma redução também na capacidade de atuação do Estado no combate a esses crimes”, observa. “É urgente que se recomponha o quadro”.

“Não há como se falar em combate ao trabalho escravo sem a presença física do auditor no ambiente para que se possa constatar se ali está ocorrendo ou não a redução de um trabalhador à condição de escravo”, destaca.

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