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Ex-detentos criam clube do livro e descobrem o poder da literatura

Os 10 homens se reúnem mensalmente para discutir obras clássicas como Os Miseráveis, de Victor Hugo, e Crime e Castigo, de Dostoiévski

atualizado

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Filipe Cardoso/Especial para o Metrópoles
Brasília(DF), 22/11/2018, Ex presidiários criam clube de leitura. Local: Pátio Brasil. Foto: Filipe Cardoso/Especial para o Metrópoles
1 de 1 Brasília(DF), 22/11/2018, Ex presidiários criam clube de leitura. Local: Pátio Brasil. Foto: Filipe Cardoso/Especial para o Metrópoles - Foto: Filipe Cardoso/Especial para o Metrópoles

Mãos que um dia seguraram armas, agora carregam livros. Antigos parceiros de crime decidiram, ao sair do sistema penitenciário, mudar radicalmente a história de suas vidas. Como parte da transição, criaram um clube de leitura, há 1 ano. Desde então, encontram-se mensalmente para discutir ideias, pensamentos e impressões.

Reconheceram muito de si mesmos em Jean Valjean, o protagonista de Os Miseráveis, do escritor Victor Hugo. O romance sobre desigualdade social foi escolhido como o primeiro da lista. Na trama, o personagem é preso por roubar pão para alimentar sua família. Eles também buscaram refúgio nas palavras de Fiódor Dostoiévski, com Crime e Castigo e sua narrativa acerca da natureza humana.

A iniciativa de criar o clube partiu de Jeconias Lopes, 27 anos. Aos 13, o adolescente cumpriu sua primeira medida socioeducativa, no antigo Caje. Antes dos 18, já tinha 11 passagens pela Delegacia da Criança e do Adolescente. Ao deixar o sistema, o rapaz encontrou um projeto social da igreja Adventista no qual jovens vendiam livros para custear estudos.

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Jeconias Lopes, o fundador do clube

 

Por intermédio desse programa, Jeconias estudou teologia na Universidad Adventista del Plata, na Argentina, onde formou-se em 2017. Lá, ele conheceu o professor romeno Laurentiu Ionesco, responsável por cultivar em Jeconias o amor pela leitura. O educador o apresentou a Victor Hugo, George Orwell e Fiódor Dostoiévski, entre dezenas de outros grandes autores.

Foi a primeira vez em que Jeconias teve contato com obras clássicas. Ele é de família pobre, cresceu no bairro do Areal, em Taguatinga, e frequentou escolas públicas. “A gente ia pra escola procurar educação e encontrava droga na porta. A rua não tinha esgoto, asfalto, nada do básico”, relata.

Nesse contexto social, sem uma família estruturada, Jeconias logo foi recrutado pelo tráfico de drogas. Ele perdeu as contas de quantas vezes esteve em unidades de internação. O ponto de virada foi o acesso à educação. “Quem não acredita na mudança nega a própria existência humana. A natureza muda o tempo todo, os planos, por que não as pessoas?”, questiona.

Se eu soubesse que ler era tão bom, nunca teria usado droga. Leitura é uma viagem muito maior

Jeconias Lopes

Ao voltar para o Brasil, Jeconias reencontrou Joymir Guimarães, 35, seu antigo comparsa em crimes. O colega havia saído recentemente da prisão, procurava um novo sentido para a vida e aceitou o convite de Jeconias para criar o clube do livro.

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Joymir Guimarães está livre há 5 anos e é estudante universitário

 

“Meu pai me ensinou a gostar de ler, mas na adolescência me perdi. Na cadeia, retomei o gosto, li mais de 250 livros, eram como uma janela para o mundo”, diz Joymir, que agora cursa gestão pública.

Depois de ler Crime e Castigo, Joymir quis saber mais sobre Dostoiévski. Descobriu que, em abril de 1849, aos 27 anos, o escritor foi preso acusado de integrar um grupo clandestino e conspirar contra o imperador Nicolau I da Rússia. Executou trabalhos forçados na prisão e usou o conhecimento em suas obras. O gênio, respeitado mundialmente, era um ex-detento, como ele.

Amizades que transformam
Quando cumpria a pena, Joymir encontrou apoio em quem menos esperava. Fez amizade com um policial civil que levava livros para ele. “Hoje em dia, almoço na casa dele, somos amigos de verdade. Essa relação é muito rara. Às vezes, tudo que a pessoa precisa é de uma oportunidade”, afirma. 

O grupo encontrou apoiadores como Ana Maria Villa Real. A procuradora do trabalho incentiva os rapazes ao convidá-los para palestras voltadas a sensibilizar empresas a contratarem egressos do sistema penitenciário. “A educação tem o poder de resgatar o jovem para o caminho do bem, de resgatar os princípios que a vulnerabilidade social corroeu”, pontua.

É essa chance de mudança que Joymir e Jeconias querem oferecer a outros jovens. Os homens do clube – já são 10 no total – visitam centros de internação de menores e presídios para contar suas histórias em palestras. Em uma delas, conheceram Alessandro da Silva Maciel, 20, atual integrante do grupo de leitura.

A leitura mudou algo em mim, despertou a vontade de mudar minha índole criminosa, iniciou um conflito interno entre o bem e o mal

Joymir Guimarães

Aos 12 anos, Alessandro já cumpria medida socioeducativa. Era o destino de grande parte das crianças da vizinhança onde ele nasceu, em Sobradinho. Os desvios começaram com a curiosidade de experimentar drogas. Logo o menino deixou a escola. Após ouvir uma palestra durante a internação, Alessandro quis saber mais sobre o clube do livro. Apaixonou-se pelo que leu e ouviu. “Gostei muito do Código da Inteligência, do Augusto Cury, me abriu pensamentos que nunca tinha imaginado”, diz.

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Alessandro saiu recentemente do sistema socioeducativo e deseja conquistar um diploma de ensino superior

 

O livro é sobre inteligência socioemocional, um conjunto de atitudes capazes de estimular jovens e adultos a libertar a criatividade, expandir o pensamento, desenvolver a saúde psíquica e buscar excelência profissional.

Confira as histórias dos integrantes do clube:

 

Rede de apoio
Além dos encontros mensais, surgiu um grupo de apoio permanente aos que enfrentam dificuldades para retomar a vida. Trocam ideias sobre como se vestir, elaborar um currículo, como se comportar em entrevistas de emprego. Também se apoiam na batalha contra as drogas e o preconceito.

“Lendo, entendi sobre o que significa ser pobre, sobre a origem da discriminação, compreendi muito sobre indignação. O clube foi essencial para eu retomar minha vida”, relata Geovani Lima, 30, um dos participantes do clube. Também fazem parte da iniciativa Ronaldo Pereira, 27; Jones Alves Moreno, 30; Thiago Moreno, 26; Alexandro Oliveira, 36; e Leandro de Souza, 25.

Eles sempre escolhem lugares públicos – como cafés e restaurantes – para as reuniões. “Ocupamos os espaços onde diziam que nós não poderíamos estar. As portas se fecham pelo estigma de ser ex-presidiário, mas nós estamos prontos para o enfrentamento. No grupo, encontramos senso de pertencimento”, diz o fundador do clube.

*Contato para doações de livros: jeconias.neto@adra.org.br e (61) 98376-7744.

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