O debate em torno do teto de gastos no futuro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deflagrou uma verdadeira “guerra de economistas”, que se manifestam por meio de cartas públicas. Nesta segunda-feira (21/11), foi a vez do ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira (foto) e outros quatro economistas publicarem um artigo na Folha de S.Paulo para rebater as críticas de Armínio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan a declarações recentes de Lula colocando em dúvida a responsabilidade fiscal na próxima gestão.
Além de Bresser-Pereira, assinam a carta os economistas José Luis da Costa Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB); Luiz Fernando Rodrigues de Paula, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Kalinka Martins da Silva, do Instituto Federal de Goiás (IFG); e Luiz Carlos Garcia de Magalhães, técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
“A ideia de que o teto de gastos é fundamental para garantir a disciplina fiscal é uma falácia. De fato, o teto se mostrou incapaz de impedir que o governo de Jair Bolsonaro (PL) realizasse um volume de gastos de R$ 795 bilhões extrateto em quatro anos e de criar de novos gastos públicos a menos de seis meses das eleições”, afirmam os economistas.
“Fraga, Bacha e Malan afirmam ainda que a elevação da inflação ocorrida em 2021 e 2022 foi resultado do descontrole dos gastos públicos no governo Bolsonaro, que ‘furou’ o teto em R$ 117,2 bilhões em 2021 e R$ 116,2 bilhões (previsto) para 2022. Esse é outro equívoco”, prosseguem.
“A elevação da inflação não foi um fenômeno restrito ao Brasil e tampouco deve-se ao desequilíbrio fiscal, mas sim resultado de eventos que geraram um enorme choque de oferta a nível mundial (pandemia de Covid-19 e Guerra da Ucrânia). A inflação acumulada em 12 meses na União Europeia em outubro de 2022 se encontra em 11,3%, quase o dobro do valor observado no Brasil.”
Bresser Pereira e os outros quatro economistas rebatem ainda a tese de que a falta de recursos para investimento na área social não decorre do teto de gastos, “mas da falta de prioridade do governo”.
“Contudo, o teto é um elemento que impõe um esmagamento a longo prazo sobre o orçamento dedicado a essas áreas, pois ao congelar em termos reais por um período de 20 anos os gastos primários, o crescimento vegetativo dos gastos com Previdência Social de 3% ao ano faz com que os demais itens do Orçamento sejam comprimidos”, afirmam.
No fim do texto, os cinco economistas defendem a abertura de espaço no Orçamento do ano que vem para financiar programas sociais, como o Auxílio Brasil – que será rebatizado de Bolsa Família.
“Entendemos ser legítimo e viável abrir espaço no Orçamento para viabilizar gastos públicos para enfrentamento da crise social e econômica, que deverá ser combinado, quando empossado, com adoção de uma nova regra fiscal que combine flexibilidade orçamentária com sustentabilidade da dívida pública”, concluem.
“Estávamos assustados”
Em entrevista ao Metrópoles, um dos signatários da carta com o “puxão de orelhas” em Lula, Edmar Bacha, afirmou que, assim como Armínio Fraga e Pedro Malan, estava “bastante assustado” com as declarações do presidente eleito contra o teto.
“Estávamos preocupados com as declarações do presidente Lula. Aí, coincidiu. Nós três acordamos na quinta-feira [17/11] com essa ideia na cabeça. O Armínio propôs a carta e concordamos imediatamente. A redação foi conjunta. Fizemos tudo online. Nós votamos no Lula, na expectativa de uma condução responsável da economia, mas com as declarações recentes dele a gente falou: ‘Poxa!'”, disse Bacha.
“Principalmente, essa ideia de que existe uma contradição entre o social e o fiscal, além do uso de uma terminologia muito agressiva em relação ao mercado financeiro. Tudo como se austeridade fiscal significasse uma forma de fazer sobrar dinheiro para banqueiros. Falar isso para a plateia dele em tempos de eleição vá lá, mas nessa situação complicada em que o país está vivendo não dá”, explicou.
Nelson Barbosa fala em mais gastos
Nesta segunda, Nelson Barbosa, integrante do Gabinete de Transição e ex-ministro de Dilma Rousseff (PT), afirmou que o governo Lula poderá gastar R$ 136 bilhões acima do orçamento de 2023 sem que haja um aumento nos gastos na proporção do Produto Interno Bruto (PIB).
Ex-ministro da Fazenda e do Planejamento, Barbosa é responsável por apresentar sugestões de políticas para o próximo governo. Segundo o economista, esse aumento nos gastos não levaria a uma expansão fiscal devido à projeção do PIB. Neste ano, o governo gastará 18,92% do indicador, número “significativamente” maior do que o projetado para 2023, de 17,6%.
“Isso significa que, se você adicionar até R$ 136 bilhões de gastos no orçamento do ano que vem, não será expansão fiscal. Será igual ao efetivamente feito no último ano do governo Bolsonaro”, explicou Barbosa na saída do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), sede da transição. Ou seja, seria uma “recomposição” e não uma “expansão fiscal”.
A PEC da controvérsia
A PEC da Transição, como foi batizada, é considerada fundamental pela equipe de Lula para garantir o valor de R$ 600 do Auxílio Brasil – uma das promessas feitas pelo ex-presidente durante a campanha eleitoral. O assunto tem assustado o mercado.
O texto, cujas linhas gerais foram apresentadas ao Congresso, deve estabelecer o chamado “waiver” (uma licença para o governo gastar fora do teto de gastos). A equipe de transição quer excluir do teto o extra de R$ 150 por criança de até 6 anos a cada família beneficiária do Auxílio Brasil, além do aumento real do salário mínimo de 1,34% acima da inflação, programas habitacionais e despesas com saúde.
“Pais do Real”
Os signatários da carta a Lula com críticas sobre declarações do presidente eleito sobre o teto de gastos participaram ativamente dos governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Fraga foi presidente do Banco Central (BC) durante o segundo mandato de FHC, de 1999 até o final de 2002, depois da saída de Gustavo Franco.
Malan foi ministro da Fazenda durante os oito anos do governo tucano. Também ocupou a presidência do BC entre 1993 e 1995, no governo de Itamar Franco.
Edmar Bacha é considerado um dos “pais” do Plano Real, ao lado de Persio Arida, que comandou o BC (1995) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), de 1993 a 1995, também na gestão Itamar.