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Com economia patinando, fome vira sequela social da pandemia

Voluntários de ações que distribuem comida para população de rua estão preocupados com aumento da carestia e cobram mais ações do governo

atualizado

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Matheus Veloso/Metrópoles
homem com agasalho recebe copo
1 de 1 homem com agasalho recebe copo - Foto: Matheus Veloso/Metrópoles

“Com toda a ajuda, ainda existe uma grande miséria.” A frase é de Cleobaldo Martins de Oliveira, de 78 anos, líder de uma associação filantrópica de voluntários em Goiânia, que desde 1971 doa comida para pessoas em situação de rua.

Tio Cleobaldo, como é conhecido, assiste ao pós-pandemia com cautela. Para ele, a fome constitui uma sequela social da Covid-19, e exige mais atenção da sociedade civil e do governo.

Ele não está sozinho. Quem trabalha com esse tipo de assistência alerta que a gravidade da situação é tanta que, mesmo com a solidariedade, falta comida. O efeito da pandemia é acentuado pelo contexto econômico que o país enfrenta em 2022, com inflação alta e desemprego persistente.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a inflação em abril registrou alta de 1,06%, a maior para o mês desde 1996, e o desemprego persistiu no primeiro trimestre de 2022. A taxa de desocupação atinge 11,1% da população brasileira. São 11,9 milhões de pessoas sem trabalho.

A conjuntura econômica reflete na alimentação da população. No Brasil, de acordo com pesquisa realizada pela Fundação Getulio Vargas (FGV), 36% dos brasileiros em 2021 não tinham dinheiro para alimentar a si ou a sua família, em algum momento, nos últimos 12 meses. Em 2019, a taxa ficou em 30%.

O índice é o maior desde 2006, quando foi iniciada a série histórica. Esta é a primeira vez, desde então, que a insegurança alimentar brasileira supera a média simples mundial.

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Desde o pico de casos da Covid-19, a associação coordenada por Tio Cleobaldo distribui alimentos prontos às pessoas em situação de rua. Por semana, são preparadas mais de 2,5 mil refeições. A entidade sobrevive única e exclusivamente de doações.

Preocupado, ele comenta: “Estamos vendo o sofrimento dos nossos irmãos. Como toda a ajuda, ainda existe uma grande miséria. Precisamos nos direcionar ao bem. As pessoas estão em grande dificuldade. Fazemos o que podemos. Fica a desejar, porque a demanda das dificuldades é muito grande”.

Fome sem precedentes

As estatísticas são falhas e quase inexistentes, mas quem tem o olhar mais apurado percebe o aumento de pessoas em situação de rua, sobretudo em grandes centros urbanos.

O presidente na Central Única das Favelas (Cufa) no Distrito Federal, Bruno Kesseler, traz um dado alarmante.

“Para nós, da Cufa, o aumento da procura por comida foi de 100%. Em nenhum ano da Cufa vimos tantas pessoas pedindo comida, ajuda. Nunca fizemos um trabalho de assistencialismo, sempre focamos em projetos de capacitação”, pondera.

Bruno explica que, desde o início da pandemia, a fome expôs uma realidade que passava despercebida. “Muita gente abaixo da linha da pobreza, sem oportunidade. A pandemia trouxe isso à tona. Percebemos, de uma forma drástica, o aumento das pessoas que perderam o emprego, que vivem em situação crítica, muitas pessoas pedindo ajuda na rua. É desesperador”, frisa.

O líder da Cufa faz um apelo e pede que as pessoas continuem doando alimentos e auxiliando quem precisa.

“Tivemos vários casos de pessoas que nunca precisaram de cesta básica e passaram a entrar na fila. Agora diminuíram muito as doações. A situação se estende, ainda é uma realidade. O vírus não infecta tanto mais, mas as sequelas econômicas e sociais continuam”, conclui.

Preconceito

O mercadólogo Neto Gadioli, de 38 anos, participa de um grupo religioso que distribui comida no centro da capital federal. A Aliança Missionária Mãos Abertas conta com 15 pessoas que se revezam no trabalho.

“Houve um aumento da população em situação de rua e existe muito preconceito. A desigualdade social e aumentou muito na pandemia. É triste e muito doloroso”, defende.

Neto Gadioli cobra mais apoio do poder público para combater a crise. “Não falta estrutura nem dinheiro; falta vontade. Notamos que há governantes e partidos que são mais sensíveis com as causas sociais, mas outros, não”, critica.

Programa do governo

Em novembro do ano passado, o governo federal criou o programa Brasil Fraterno – Comida no Prato, ligado ao Ministério da Cidadania.

A iniciativa visa mobilizar doações de alimentos para entidades socioassistenciais, bancos de alimentos e outros equipamentos que atendem pessoas em situação de vulnerabilidade. Assim, o projeto contribui para reduzir perda e desperdício de alimento e combater a fome.

A reportagem entrou em contato com a pasta questionando quantas empresas se cadastraram e qual a quantidade de alimentos já distribuída. O ministério não se manifestou. O espaço segue aberto para esclarecimentos.

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