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Política, espionagem e infraestrutura: entenda o caminho do 5G no Brasil

Alinhado com o governo dos EUA, Bolsonaro tenta limitar a participação da empresa chinesa no leilão da tecnologia promovido pela Anatel

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celular com a logo 5G
1 de 1 celular com a logo 5G - Foto: Reprodução

O diretor global de cibersegurança da Huawei, Marcelo Motta, lamentou, em entrevista ao Metrópoles, as recentes tentativas do governo federal de limitar a participação da gigante chinesa do leilão de radiofrequência da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) que definirá o futuro da tecnologia 5G no Brasil. Nas palavras do representante da empresa asiática no país, há uma politização do 5G.

“É uma pena que o 5G tenha sido politizado. Há tanto tempo somos uma empresa responsável, no mercado internacional e brasileiro, que, mesmo neste ambiente difícil, nossos resultados têm crescido de forma sustentável”, sustenta.

Motta avalia que a exclusão da empresa do certame acarretaria prejuízos diretos para a competitividade do mercado, resultando em “preços mais caros para o consumidor”. O diretor defende que o crescimento contínuo da companhia e os recentes investimentos da asiática no mercado tecnológico credenciam a Huawei para participar da disputa.

“A Huawei investiu mais de US$ 4 bilhões apenas em suas tecnologias básicas na última década, e conquistou cerca de 20% de patentes essenciais do 5G. Todos os nossos esforços de longo prazo resultaram em uma solução 5G poderosa, mais leve que as demais do mercado, mais compacta e ‘mais verde’, ou seja, consome menos energia por bit do que as gerações de tecnologia anteriores e também dos concorrentes de mercado”, destaca Motta.

De acordo com o diretor da Huawei, o faturamento global até o terceiro trimestre deste ano beira os US$ 100 bilhões. O montante representa crescimento de 9,9% no comparativo com o mesmo período de 2019. “Isso só é possível devido à confiança de clientes e governos nos mais de 170 países em que operamos”, frisa.

Atualmente, a empresa chinesa opera na modalidade em países como Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Kuwait, Suíça, Alemanha, Coréia do Sul e China.

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Acusações de espionagem

Recentemente, os governos dos Estados Unidos e do Reino Unido acusaram a empresa chinesa de promover, por meio de seus equipamentos, espionagem. Os britânicos, inclusive, decidiram pela exclusão da Huawei de sua rede 5G. Para Motta, as recentes denúncias apresentadas contra a companhia asiática derivam de uma “onda de acusações infundadas”.

Sobre o tema, o representante enfatiza: “As evidências falam por si mesmas”. “A Huawei não tem acesso aos dados de nenhum dos assinantes. [Não há] Nenhuma evidência [de espionagem]. São apenas acusações infundadas”, salienta.

O posicionamento da empresa encontra ressonância entre os profissionais da área. Segundo o especialista em tecnologia Hugo Cândido, as acusações contra a Huawei são provenientes, exclusivamente, de um conflito político-econômico derivado das disputas recentes entre os EUA e a China.

“A ideia de que eles [a Huawei] teriam uma fragilidade de segurança e comprometimento de dados é uma teoria do governo norte-americano. É cada um levantando uma bandeira. Vejo um certo temor dos Estados Unidos em perder mercado para a Huawei, que já superou a Samsung na fabricação de celulares e que pode ultrapassar grandes empresas americanas”, avalia Cândido.

Uma corrente, entretanto, aponta que a tradicional falta de transparência do governo chinês acarreta desconfiança em todas as áreas. Especialista em segurança digital e diretor da ISH Tecnologia, Allan Costa acredita que uma potencial exclusão da empresa asiática do leilão do 5G ocorre em função da opacidade de informações da própria companhia sobre as questões que envolvem cibersegurança.

“Os chineses negam, mas a gente sabe que o nível de transparência tradicional do governo chinês está aquém do desejado. A preocupação do governo brasileiro é legítima e faz sentido”, pondera Costa.

“Conceitualmente falando, é claro que um país detentor das redes por meio das quais as informações circulam tem potencial de capturar os dados e usar para outras finalidades, como espionagem. E a China é um país em que estatal e privado se misturam. Então, existe um risco potencial”, frisa o diretor da ISH Tecnologia.

Impacto no mercado

Costa crê também que, em um primeiro momento, não será grande o impacto causado pela exclusão da Huawei do certame.

“Existem vários fornecedores de tecnologia 5G, e tirar um dos competidores não necessariamente provocará queda significativa da concorrência. Não afetaria o mais importante: o preço pago pelo consumidor. Mas é claro que eu gostaria de ter o maior número de empresas competindo”, ressalta.

O entendimento do especialista em cibersegurança não é o mesmo da Federação Nacional de Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e Informática (Feninfra), que defende a participação da Huawei no leilão. A entidade representa 137 mil empresas do setor, somando 2,2 milhões de trabalhadores no ramo da tecnologia.

Ao Metrópoles, a presidente da Feninfra, Vivien Suruagy, defendeu que a politização do 5G implicaria atrasos significativos para a instalação da rede no Brasil. Assim como a Huawei, a gestora da federação acredita que atrasar o leilão resultará em acréscimo no custo pago pelos consumidores.

“Retardar o leilão, provocará, consequentemente, aumento de custo para o consumidor, para as empresas, ou seja, para toda sociedade. Prova disso é o Reino Unido, que vai gastar em torno de 5,5 bilhões de libras para fazer essa substituição, vetando os chineses. Além do gasto, há um atraso de 21 meses na implementação”, destaca.

Vivien defende que o país tome decisões pautadas, exclusivamente, no interesse nacional. “Não estamos defendendo a empresa A, B ou C. Estamos defendendo a necessidade da digitalização e do desenvolvimento tecnológico do país, que é urgente.”

Benefício da rivalidade

Doutor em relações internacionais pela Universidade de Lisboa, em Portugal, Igor Lucena sustenta que o Brasil deve usar a rivalidade entre os EUA e a China em benefício de seus interesses.

“O Brasil tem de se aproveitar dessa disputa para que consigamos barganhar o que for melhor do ponto de vista estratégico e econômico. O lado do 5G que temos de ficar é o do Brasil, dos nossos interesses. Essa tem de ser nossa visão internacional ativa, baseada na própria autonomia brasileira”, sintetiza.

Para Lucena, o Brasil “só tem a perder ao comprar um lado nessa briga”. “Os chineses são os maiores investidores no país. E os Estados Unidos têm uma grande quantidade de investimento no país. Do ponto de vista de briga ideológica, acho que essa problemática tem de ser deixada para os dois países”, pondera Igor Lucena.

“Não nos agrega em nada, não vejo frutos para isso. Pelo contrário: o que pode começar a ocorrer é a China tentar retaliar nossos exportadores, implementando, por exemplo, barreiras fitossanitárias para produtos agrícolas brasileiros que nunca existiram”, alerta Lucena.

“Momento oportuno”

Previsto para ocorrer no primeiro semestre de 2021, o leilão do 5G promovido pela Anatel não é o único caminho para as empresas de telefonia e internet implementarem suas redes da modalidade no país. Segundo o superintendente de Planejamento e Regulamentação da Anatel, Nilo Pasquali, companhias telefônicas que já são detentoras de redes de radiofrequência iniciaram a transição para o novo formato.

Entretanto, as possibilidades ofertadas pela Anatel no certame são muito mais avançadas do ponto de vista tecnológico do que as existentes no mercado.

“O leilão é porta de entrada para empresas novas entrarem no mercado. São ofertadas redes com maior capacidade de suporte, e é natural que todas as empresas de celular do Brasil também tenham interesse em participar do leilão”, assinala Pasquali.

O superintendente da Anatel acredita que a instalação do 5G em um país continental como o Brasil esbarre em problemas de infraestrutura que podem retardar o projeto.

“Desafios são grandes, mas a expectativa da agência é enorme com todo esse potencial que tende a aparecer. O Brasil está em um momento muito bom para realizar esse leilão, e em sincronia com grande parte do mundo. Momento é oportuno”, frisa.

Atualmente, a Anatel aguarda parecer do Conselho Diretor sobre os termos finais do edital de regulamentação do leilão. Após a deliberação da direção da agência, o edital será encaminhado para avaliação do Tribunal de Contas da União (TCU), que terá 90 dias para se manifestar a respeito do documento.

Apenas depois desse trâmite é que será possível dar início ao processo de concessão das radiofrequências no país.

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