Carrefour recua e nega que processará autores de livro sobre João Beto
Na 3ª, a rede de supermercados tinha avisado que se reservava o “direito de buscar a responsabilização criminal de todos os envolvidos”
atualizado
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O grupo Carrefour Brasil recuou e informou, em nota enviada ao Metrópoles na tarde desta quarta-feira (30/6), que não irá processar os responsáveis pela publicação do livro Caso Carrefour, Segurança Privada e Racismo: Lições e Aprendizados.
Ao reitor da Universidade Zumbi dos Palmares (Unipalmares), José Vicente, a rede de supermercados havia avisado ter se reservado “o direito de buscar a responsabilização criminal de todos os envolvidos, bem como adotar as medidas cíveis e inclusive reparatórias por todos os prejuízos que venham a ser causados”.
Lançado nessa terça-feira (29/6) e editado pela Unipalmares, a obra apresenta um estudo organizado após o assassinato de João Alberto Silveira de Freitas, o João Beto, em uma unidade do supermercado em Porto Alegre, em novembro do ano passado.
No comunicado enviado nesta tarde, o Carrefour ressaltou que não apoia nenhuma forma de censura, que não existe processo – “tampouco haverá” – e que continuará a apoiar, “como sempre” fez, “toda e qualquer pesquisa acadêmica”.
“Quem ameaça de processo ou defende a censura não se compromete com um edital focado na realização de pesquisas, além de fazer um investimento em educação – R$ 68 milhões somente em bolsas de estudo para pessoas negras”, assinalou, ao relatar compromisso com a liberdade, transparência e com a luta antirrascista. Leia a íntegra da nota ao fim desta reportagem.
O livro
Segundo a professora Susana Durão, uma das autoras do livro, a pesquisa revelou que o setor de segurança privada opera sem governança e que ficaram evidentes os aspectos que dificultam a regulação da violência e a luta contra as manifestações de racismo neste segmento.
Contatado pelo Metrópoles, o reitor da Universidade Zumbi dos Palmares e líder do Movimento AR, José Vicente, explica que o livro mostra que o agente de segurança tem dificuldade para reconhecer o racismo.
“Nós temos uma segurança pública que apresenta um olhar enviesado para essa questão do medo com o objeto a se ter uma atenção especial”, assinala, ao destacar que João Beto estaria vivo, se não houvesse discriminação racial no episódio.
Ameaça de processo
Em e-mail enviado a Vicente, mensagem a qual o Metrópoles teve acesso, o gerente jurídico do Carrefour, Danilo Bonadio Bonfim, aponta que, com o lançamento do livro, a rede de supermercados “se reserva o direito de buscar a responsabilização criminal de todos os envolvidos, bem como adotar as medidas cíveis e inclusive reparatórias por todos os prejuízos que venham a ser causados”.
O Carrefour alega que o título e o conteúdo do livro associam o nome da empresa ao racismo, “muito embora referida prática não tenha sido identificada pelas autoridades competentes, nem no âmbito criminal nem no cível”.
A empresa também contesta o uso “indevido de documentos internos pertencentes ao grupo Carrefour, apenas disponibilizados aos representantes da Fenavist [Federação Nacional das Empresas de Segurança e Transporte de Valores]”.
Por fim, o grupo Carrefour defende que as informações publicadas estão em desarmonia com a veracidade dos fatos.
Primeiro pronunciamento
Nessa terça-feira, apesar de questionado pelo Metrópoles, o Carrefour Brasil não negou que iria processar os autores do livro.
“Entendemos que teríamos muito para compartilhar, dado todo o aprendizado dos últimos meses, e lamentamos que isso não tenha sido considerado”, pontuou a rede de supermercados.
Segundo pronunciamento
Na tarde desta quarta-feira, o grupo Carrefour enviou a seguinte nota:
“Em Defesa da Verdade, da Pesquisa e do Combate ao Racismo
Diante das notícias de que o Grupo Carrefour Brasil teria por intenção censurar uma pesquisa acadêmica e processar seus autores, gostaríamos de deixar claro e de forma enfática que isso não é verdade. Apoiamos e continuaremos apoiando toda e qualquer pesquisa acadêmica e somos veementemente contrários a toda forma de censura ou ação que procure tolher a liberdade de pesquisa e de opinião.
Para que não haja dúvidas:
- Não apoiaremos nenhuma forma de censura.
- Não existe processo tampouco haverá.
- Nós continuaremos a apoiar, como sempre fizemos, toda e qualquer pesquisa acadêmica. Temos orgulho de todas as ações que estamos realizando e promovendo, não só na empresa e ecossistema, mas em todo debate social.
Vamos aos fatos:
- O Grupo Carrefour Brasil pautou e pauta suas ações pela total transparência. Exatamente por isso lançamos o site www.naovamosesquecer.com.br e realizamos um amplo fórum sobre a luta antirracista onde expusemos todas as nossas ações e aprendizagem dos últimos meses, além de lançarmos uma cláusula antirracista para os fornecedores.
- Desde o início expusemos as ações em diversos fóruns, que foram acompanhados por muitos pesquisadores e estudiosos do tema.
- Consideramos que podemos contribuir cada vez mais para o debate, esclarecer dúvidas e aprender com as sugestões toda vez que formos procurados por qualquer pesquisador, acadêmico ou defensor da causa antirracista, coisa que não ocorreu por parte dos autores. Não se trata de precisar de consentimento, se trata de oferecer as melhores informações para o público. Quem ganha com isso é a luta antirracista.
Quem ameaça de processo ou defende a censura não se compromete com um edital focado na realização de pesquisas, além de fazer um investimento em educação – R$ 68 milhões somente em bolsas de estudo para pessoas negras.
Esperamos que todas as mudanças que temos realizado em prol da causa antirracista nos últimos meses sejam objeto de inúmeras pesquisas para que a sociedade saiba e evolua a partir do ocorrido e também para que possamos aprender com quem faz a ciência.
Nosso compromisso é com a liberdade, transparência e com a luta antirracista.”