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“Tudo que Aprendemos Juntos” é contraponto ao pessimismo atual, diz diretor Sérgio Machado

Filme estrelado por Lázaro Ramos narra a trajetória de um violinista que dá aulas de música para adolescentes em Heliópolis, na periferia de São Paulo. A estreia está prevista para 3/12

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Gullane Filmes/Divulgação
Gullane Filmes/Divulgação
1 de 1 Gullane Filmes/Divulgação - Foto: Gullane Filmes/Divulgação

Quando “Tudo que Aprendemos Juntos” começou a ser rodado, em 2014, havia um certo clima de otimismo entre os membros da equipe de filmagens, liderada pelo diretor Sérgio Machado (de “Cidade Baixa”). Hoje, apesar do cenário pessimista que se instaurou no país há vários meses, o cineasta baiano considera que o longa, previsto para estrear em 3 de dezembro, pode funcionar como um inesperado estímulo.

“Em pouco tempo, essa crise virou tudo de cabeça para baixo. Teve época que pensei, ‘pô, estamos desatualizados’. Agora o filme funciona tão bem”, reflete. “Precisamos de algo que nos chute para cima, porque estamos muito para baixo. Temos que seguir em frente. É um filme em que o herói é um professor”, continua. A própria trama parece seguir esse caminho.

 

Com inspiração na peça “Acorda, Brasil”, de Antonio Ermírio de Moraes, o filme narra a formação da Orquestra Sinfônica Heliópolis, projeto do Instituto Baccarelli. O violinista Laerte, interpretado por Lázaro Ramos, falhou no exame para entrar na prestigiada Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp). Ele se reencontra ao dar aulas para adolescentes da vila Heliópolis, na periferia de São Paulo. Lá, acessa a dura realidade da favela. Mas também conhece talentos à espera de alguém que os conduza.

Em entrevista ao Metrópoles, Machado fala sobre a identificação de Lázaro Ramos com os jovens de Heliópolis e o papel encarnado pelo rapper Criolo, que faz um criminoso no filme em sua primeira experiência no cinema. O diretor baiano, de 47 anos, também avalia que o cinema brasileiro vive um bom momento, estimulado pela onda frutífera de núcleos de roteiro.

Como se deu a pesquisa de campo para a realização do filme?
Fizemos tudo em Heliópolis, algo muito próximo da história da Orquestra. Entrevistamos todos os alunos que fizeram parte da primeira formação. E convivi muito com as pessoas ali. Até cheguei a fazer aula de violoncelo no Baccarelli, para ter uma noção melhor das dinâmicas do personagem. Conheço um pouco de música porque meus pais são músicos, fui criado dentro uma orquestra na Bahia.

Você é bastante próximo de Lázaro Ramos. De que forma ele entrou no filme?
Somos praticamente irmãos. Fiz o primeiro teste dele para cinema, em “Madame Satã” (2002), em que escrevi o roteiro. Depois, convidei para “Cidade Baixa”, fizemos série na TV e temos outros projetos. Mas, de início, não pensei nele. Até porque, em algum momento, me via como personagem. A história se baseia nesse virtuose do violino que não consegue mais fazer algo que fez a vida inteira. Pensei no que aconteceria se eu, que desde criança quis ser diretor, não conseguisse mais fazer filmes. Chamei o Wagner Moura. E convidei Lázaro para interpretar um amigo dele.

 

Mas ele me disse, “Sérgio, eu preciso fazer esse papel porque essa é a minha história”. Ele também veio de projeto social, do Bando de Teatro Olodum. E teve uma relação muito forte com um professor. Tive dúvida porque a questão racial não era algo que eu tinha pensado no início. Mas as coisas vão mudando. Em ‘Cidade Baixa’, convidei ele e imaginei que fossem três protagonistas negros. E ele fez a maior força para que tivesse o Wagner. Ele criou uma relação muito forte com os alunos, quase 30 meninos da comunidade. Ele é o que os meninos sonham ser. Os meninos são o que ele já foi. Criou-se uma relação de afeto ali. Foi duro quando os meninos perceberam que aquilo (as filmagens) ia acabar. Nos últimos 15 dias, foi só choradeira – dele e dos meninos.

Sérgio Machado

Quais motivos mais fizeram você se interessar em dirigir o projeto?
Primeiro, porque sou filho de músicos. Fabiano e Caio Gullane (da produtora do filme, Gullane Filmes) me chamaram. Mas a segunda foi a possibilidade de fazer um filme grande, o maior da minha carreira, com lançamento internacional. Passou em Locarno (festival suíço) e já foi vendido para quase 30 países. A minha questão era fazer um longa que falasse dos problemas brasileiros. Mas de que não somos inexoravelmente fadados ao fracasso.

Não sei onde está escrito isso, de que sempre seremos derrotados. Pretendo viver aqui, não vou para Miami. Queria homenagear muita gente que está se virando para melhorar as coisas. É um filme em que o herói é um professor. Tem violência e ação, mas apresenta algumas luzes no fim do túnel. Sem romantizar, sem soluções fáceis. Não está tudo perdido.

Sérgio Machado

O rapper Criolo interpreta um criminoso no filme. O que esperar da performance dele?
Foi uma surpresa maravilhosa. Ele fica bonito na tela, tem uma presença diante da câmera. Parece uma entidade. Fiquei impressionado. É um cara inteligente, doce, parceiro. Eu queria sair do estereótipo do bandido grosseirão e que anda com corrente de ouro. Ele veio desse universo de comunidade em São Paulo, sabe falar a língua do lugar.

Agência Febre/Divulgação
O rapper Criolo: primeira experiência no cinema

Nos últimos anos, o cinema brasileiro parece ter se desgarrado um pouco daquela estética do favela movie. De que maneira você tentou filmar a realidade brasileira em “Tudo que Aprendemos Juntos”?
A transformação que mais me interessa no filme é a do professor. Quando fomos escolher a trilha, colocamos Criolo, Sabotage, Rappin’ Hood, Emicida, os melhores do hip-hop paulistano, para mostrar que lá a cultura é altíssima também. No primeiro dia de ensaios, a preparadora de elenco Fátima Toledo pediu que os meninos contassem suas histórias. Só coisa barra pesada. No dia seguinte, ela virou o jogo e pediu que eles mostrassem talentos. Havia bailarinos, uma menina que cantava “A Paixão Segundo São Mateus” tão bem que alguém poderia achar que ela estivesse sendo dublada por uma grande soprano alemã. Se você der um pouco de combustível, eles viram um foguete. Não são o problema, mas a solução.

O filme rodou por vários países e acho que as pessoas de fora não esperavam essa abordagem. Sempre existe aquela visão de um país insolúvel. O filme não é otimista, mostra a dureza da realidade, as pessoas saem perturbadas. Mas, se você também diz que não há solução, você se acomoda. Encontrei muita gente que está se virando, mostrando que tem jeito, sim.

Bia Lefevre/Divulgação.
Lázaro Ramos no papel de Laerte: um violinista da classe média que se reencontra na periferia de São Paulo

 

O cinema brasileiro de autor parece ter recebido novo fôlego com “Que Horas Ela Volta?”. A partir da sua larga experiência como roteirista, sente que nossos scripts estão melhores?
Os filmes até dialogam e foram montados simultaneamente na Gullane. Mas o nosso levou mais tempo. Uma política que tem funcionado é a dos núcleos de roteiro. Acho que corrigem uma certa distorção que havia nos editais, que separavam as pessoas. Elas trabalhavam em separado. Era quase como se o outro cineasta fosse um concorrente. Em todos os grandes momentos do cinema mundial, no Cinema Novo, na Nouvelle Vague, no Neorrealismo, sempre se juntou muita gente. Esse pode ser um momento bacana e deve começar a dar retorno em alguns anos.

Em vários lugares diferentes está se sacando que estamos para trás no roteiro. E agora temos muita gente interessada em amadurecer os projetos. Walter (Salles) fez um núcleo na produtora dele (VideoFilmes, também do irmão, João Moreira). Cada roteiro tem oito, 10 pessoas trabalhando. A gente teve um pouco isso nos anos 2000 quando lançamos “Madame Satã” (de Karim Ainouz), “Cidade Baixa” e “Cinema, Aspirinas e Urubus” (de Marcelo Gomes). (Eduardo) Coutinho era um pouco o capitão, com Walter e João. Ralamos muito. Depois foi cada um para o seu canto. Agora estamos voltando.

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