“The Square”, de Ruben Östlund, é sátira mordaz à passividade liberal
O vencedor deste ano em Cannes se alinha com obras que buscam explicações para o declínio recente da democracia e do capitalismo mundo afora
atualizado
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Em 1989, logo após a queda do Muro de Berlim, o cientista político Francis Fukuyama declarou que ocorria “o fim da História”, explicando que o liberalismo capitalista ocidental havia vencido conflitos históricos e se estabelecido como a melhor forma de governo.
Vinte e sete anos depois, e especialmente após 2016, sabemos que não foi bem assim. E agora uma safra artística parece buscar as explicações societais para o declínio recente da democracia e do capitalismo mundo afora.
Vencedor da Palma de Ouro em Cannes neste domingo (28/5), “The Square”, do diretor sueco Ruben Östlund, traz essa sensibilidade para o festival. Seu personagem central é Christian (Claes Bang), bem-sucedido curador de um museu de arte moderna.
Sua figura simboliza o homem ideal moderno: inteligente, artístico, culto, no topo de sua profissão, divorciado e pai de dois filhos (o nome escolhido para o personagem certamente não é aleatório). No momento, seu museu está prestes a lançar a exibição “The Square”, espaço físico onde estranhos são convidados a escutar as dificuldades uns dos outros e buscar um momento de empatia.
Estopim para o desastre
Pois é exatamente este ideal que serve como estopim do desastre que sua vida vai virar. Indo para o trabalho uma manhã, ele esbarra com uma jovem aos prantos, fugindo de um homem que quer agredi-la. Ela se refugia nos braços de Christian.
Este ato inicial é a metáfora da crítica que o filme faz: tão seguras e confiantes estão as pessoas esclarecidas, que nem se importam em lidar com a cegueira hipócrita que as consome. Cheios de dúvidas sobre o que fazer, perdem-se na passividade.
Crítica simples
É interessante que esta sátira, que ironiza pessoas boazinhas em vez das más, apareça justamente neste momento da política internacional. A crítica é simples: nunca presumiu-se que a zona de conforto providenciada desde 1989 estivesse ameaçada.
Localizando seu telefone com o app de rastreamento, por exemplo, Christian e um funcionário do museu seguem até o lugar indicado pelo computador. Chegam a um edifício numa região mais pobre da cidade.
Christian hesita quanto ao plano inicial de entrar. Pergunta se não seria melhor seu colega, que é negro, cuidar desta parte. Em quase cinco dolorosos minutos, vemos Christian debater consigo mesmo e com seu subordinado se ele deve ou não entrar no prédio.
Sátira à tolerância liberal
O forte do filme são as situações de comédia absurdista que servem para satirizar a tolerância liberal. Num debate com um artista famoso (Dominic West), um homem da plateia, que tem Síndrome de Tourette, continuamente interrompe a fala do palco ao gritar obscenidades e mandar a entrevistadora mostrar seus seios. Como o pobre homem é vítima de uma doença, ninguém pretende retirá-lo da sala, mesmo que o debate torne-se impraticável.
A cena que trará mais atenção para o filme sem dúvida será a de um jantar de gala, onde um grupo de milionários filantrópicos aguardam uma performance-art de Oleg (Terry Notary), que se apresenta como um gorila.
Passeando pela sala, agredindo e incomodando esta elite, que não pode reclamar para não ser acusada de não entrar na brincadeira, Oleg vai levando seu ato ao extremo, quase como uma provocação. É um paralelo ao filme: quanta besteira suportamos destes personagens antes de cansarmos?
A maior fraqueza de “The Square” é sua excessividade. Com duas horas e meia de duração, o longa se divide em dois filmes: uma série de sketches cômicos sobre o liberalismo atual, e um melodrama onde um homem é constantemente humilhado afim de criar um senso crítico sobre sua própria vida.
Após as duas horas iniciais, cenas intermináveis deixam de lado o tom de comédia, e partem para o dramalhão. O primeiro filme é divertidíssimo e brilhante. O segundo, nem tanto.
Avaliação: Bom