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Cannes: “Ah-ga-ssi”, de Park Chan-Wook

Com claras referencias à Hitchcock, o diretor sul-coreano parte de um romance inglês para criar um thriller explícito, sensual, grotesco e cheio de revira-voltas.

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Festival de Cannes/Divulgação
The Handmaiden
1 de 1 The Handmaiden - Foto: Festival de Cannes/Divulgação

Sigmund Freud delineou, há quase um século, as forças que ele achava que mais moviam o ser humano: sexo e violência. Não à toa, grande parte do gênero de suspense, que nos Estados Unidos começou com o cinema noir dos anos 40 e atingiu um tipo de apoteose lasciva nos thrillers eróticos da década de 80. Herdeiro de Alfred Hitchcock e Brian de Palma, o diretor sul-coreano Park Chan-Wook, famoso por “Oldboy” (2003), é sempre prestigiado em Cannes. Veterano, já ganhou o Grand Prix e o Prêmio do Júri.

Para a nova obra, ele bebe da globalização e do pós-moderno, misturando um livro inglês com personagens japoneses e coreanos e o cinema de época, neste caso a década de 30. O filme começa no meio de uma Coreia ocupada pelo exército e governo do Japão, criando todo tipo de ressentimento entre os dois povos. Grã-finos japoneses se mudaram para o campo e coreanos se veem pobres e sem perspectivas honestas na vida.

Mas o coreano Fujiwara (Ha Jung-woo) tem um plano: fingir que é um conde para se casar com a japonesa Hideko (Kim Min-hee) para tomar sua fortuna. A jovem não tem família, exceto por um tio misterioso que dizem também planejar casar com ela, de olho na herança. Para tanto, ele infiltra uma ladra coreana, Sook-Hee (Tae Ri Kum), como uma nova criada da família. Desta maneira Sook-Hee moraria com a aristocrata e seu tio numa mansão isolada e passaria o dia vigiando os dois, além de fazer o filme do falso conde.

Seria um imenso desserviço ao filme revelar as muitas reviravoltas desta trama, exceto pra dizer que é tudo mais bizarro e mais mirabolante do que seria razoável imaginar. É a mão firme de Chan-wook, tanto no roteiro quanto na ação, que mantém tudo coerente. Vale dizer que nada do plano vai como esperado e ninguém neste filme é o que parece. Merece ser visto por conter coisas que não serão vistas em nenhum outro filme.

Com duas horas e meia de duração, a grande maioria dos espectadores terá dificuldade em aguardar toda a armação deste elaborado jogo de xadrez até o cheque-mate final, mas tem bastante coisa aqui para ser aproveitada. A atmosfera é aquela do gênero gótico, especialidade de alguém como Guillermo del Toro (embora o mexicano sempre evite assuntos mais espinhosos). Este filme tem mais a ver com “Stoker” (2013), que evocava Hitchcock mais abertamente do que os outros filmes coreanos que ele fez.

Também merecem destaque os responsáveis pela direção de arte. Uma personagem explica que a casa é num estilo “metade japonês e metade ocidental”, indicando que só assim o diretor conseguiria executar os planos que inventou. Tudo remete às histórias de terror. Faria completo sentido se “Ah-ga-ssi” tivesse um ou dois fantasmas habitando as paredes da mansão híbrida aonde a história acontece.

O elenco também é excelente. Chan-wook escolheu atores e atrizes prontos a se entregarem completamente ao material, a turma do topa tudo. Muitos não conseguem convencer atores talentosos a fazer o tipo de coisa que se vê aqui, e portanto sofrem com elencos menos talentosos mas loucos para se destacarem, o que não é o caso neste filme, aonde interpretações ruins desmontariam toda a plausibilidade de um roteiro que vai aos extremos.

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