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O que levou os desembargadores a tornarem distritais réus na Drácon

Veja os principais trechos da denúncia que convenceu os magistrados de que deputados devem responder criminalmente por esquema

atualizado

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Daniel Ferreira/Metrópoles
Conselho Especial TJDFT
1 de 1 Conselho Especial TJDFT - Foto: Daniel Ferreira/Metrópoles

Uma decisão unânime tem peso diferenciado. Significa dizer que o nível máximo de concordância entre os julgadores foi atingido a favor ou contra uma das partes do processo. A unanimidade em um grupo de quase duas dezenas de magistrados, então, requer provas ou indícios fartos para convencer todos a deliberarem no mesmo sentido. A análise do recebimento da denúncia na Operação Drácon, na última terça-feira (21/3), despertou esse ímpeto nos desembargadores contra quatro distritais.

Gravações ambientais de conversas entre Liliane Roriz (PTB), Celina Leão (PPS) e Valério Neves, ex-secretário-geral da Mesa Diretora da Câmara Legislativa, além de provas testemunhais e mensagens extraídas de celulares e e-mails, embasaram o veredicto dos membros do Conselho Especial do Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT). Em uma sessão que durou oito horas, eles tornaram réus, por 17X0, Celina, Julio Cesar (PRB), Bispo Renato Andrade (PR) e Cristiano Araújo (PSD).

O deputado Raimundo Ribeiro (PPS) também dividirá o banco dos acusados com os colegas da Câmara Legislativa, mas ostentando um placar menos desfavorável; cinco dos 17 desembargadores votaram por não receber a denúncia do Ministério Público contra ele. Mesmo assim, saiu vencedora a maioria de 12 magistrados, que concluiu haver indícios suficientes, nessa fase do processo, para também levar adiante a ação contra o distrital.

“Cê tá no projeto”
A Operação Drácon descortinou um suposto esquema de corrupção envolvendo distritais e servidores públicos, que funcionava pela via da negociação de emendas parlamentares mediante pagamento de propina. A denúncia de 43 páginas oferecida pelo Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), à qual o Metrópoles teve acesso, narra, em detalhes, como o grupo teria se articulado para destinar sobras orçamentárias da CLDF para essa finalidade. Eles foram acusados do crime de corrupção passiva, por duas vezes.

Uma das principais provas fornecidas pelo órgão é uma série de gravações de conversas entre Liliane Roriz com outros envolvidos no caso. No dia do julgamento, o relator do processo no tribunal, desembargador José Divino, chegou a pedir aos outros magistrados que tivessem “paciência” para escutar a leitura dos diálogos porque a situação era “realmente dramática”.

Trechos das gravações indicam que Liliane Roriz tinha conhecimento das tratativas envolvendo a Mesa Diretora e outros articuladores. Mesmo assim, não foi denunciada pelo MP, o que causou estranheza dos magistrados. “Nada impede que testemunha vire ré”, disse o desembargador Ângelo Passarelli, durante a sessão.

Em diálogo gravado entre Liliane e Celina, em 9 de dezembro de 2015, a ex-presidente da Casa diz que iria conversar com o secretário de Saúde, pois o grupo teria colocado o recurso para “ele agilizar”. Liliane mostra ter entendido e Celina emenda: “Mas cê tá no projeto, entendeu? Cê não tá fora do projeto, não. Mandei o Valério falar com você”. Liliane então rebate: “Mas vocês podiam ter falado comigo alguma coisa pra eu não ficar criando caso, né?”

Segundo o Ministério Público, Bispo Renato, Julio Cesar e Cristiano Araújo teriam agido como intermediários para garantir os pagamentos de propina. Celina, no entanto, não teria participado dos encontros com medo de ser flagrada, conforme indica um trecho da conversa da distrital com Liliane. No diálogo, Celina diz que “hoje tudo filma, tudo grava”.

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“As seis pessoas”
Em outro momento, Liliane procura Valério Neves e o então secretário-geral da CLDF cita os envolvidos no esquema de maneira clara. “Aí o Bispo Renato e o Julio sentaram com o Afonso (Assad, empresário do ramo da construção civil), e nada do compromisso com o grupo, que são as seis pessoas: você, Renato, Raimundo, Celina, a Mesa e o Cristiano que eu não sei porque entrou nisso”, diz Valério. Na sequência da conversa, ele cita que “Cristiano arrumou aquela parceria lá das UTIs”.

Outro trecho relevador da gravação mostra Valério dando detalhes das tratativas do pagamento de propina. Ele diz que “tem um negócio que pode render no mínimo cinco, no máximo 10, em torno de sete por cento”. Depois, Valério deixa claro, mais uma vez, quem tinha conhecimento do esquema de destinação de sobras orçamentárias. “Só quem sabe disso são os cinco membros da Mesa (incluindo Liliane, que era vice-presidente da Casa) e o Cristiano”.

Um dos áudios revela como os distritais tomaram a decisão de mudar o destino dos recursos. Em vez de as verbas serem repassadas para as reformas de escolas, seguiram para as empresas do ramo de UTI, “um lugar que tem jeito”, de acordo com Valério Neves.

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Ao final do diálogo, Valério explica para Liliane que os distritais resolveram repassar R$ 30 milhões para o “projeto” envolvendo as empresas de UTI, deixando apenas R$ 1 milhão para a reforma de escolas, destinação que, segundo ele, seria de interesse do presidente da Associação Brasiliense de Construtores (Asbraco), Afonso Assad. “Não é 31, é 30, porque um é naquele projeto”, diz Valério. Na sequência, ele explica: “Ficou lá no menino, também pra não deixar ele falar que não botou nada, deixou um milhão lá pra ele.”

O rateio
Do celular de Cristiano Araújo também saíram fortes indícios utilizados pelo Ministério Público que embasaram a denúncia. Segundo o órgão, o distrital teria registrado parte da propina solicitada a empresários locais em uma pasta com o nome de “UTI”.

Pela planilha, Celina Leão, Bispo Renato e Julio Cesar ficariam com as maiores fatias – R$ 50 mil cada. Valério Neves ainda receberia no rateio R$ 20 mil e Ricardo dos Santos, então diretor do Fundo de Saúde do DF, R$ 25 mil. Outros R$ 80 mil seriam destinados ao restante do grupo. A anotação traz também as siglas SJ e FT, que ainda não foram identificadas pelos promotores.

Denúncia recebida
De acordo com o MP, a ação se deu em etapas. Primeiro, Julio Cesar e Bispo Renato teriam tentado acordar pagamento de propina com Assad, em troca da aprovação de emenda para empresas responsáveis pela manutenção de escolas públicas do DF.

Diante da negativa do empresário, o grupo teria investido em outra frente. Os envolvidos no esquema, segundo o MPDFT, editaram o texto de emenda a um projeto de lei para destinar R$ 30 milhões de sobras orçamentárias da Câmara para empresas hospitalares responsáveis pelo fornecimento de leitos de UTI. Valério disse, no diálogo com Liliane, que Cristiano tinha um canal “para poder pegar os hospitais (…) e retornar com sete por cento.”

Os elementos colhidos pelo Ministério Público ao longo da investigação convenceram os magistrados do Conselho Especial a receber a denúncia contra os distritais, que agora passaram à condição de réus. No julgamento de terça-feira (21), os desembargadores avaliaram que as provas apresentadas eram suficientes para dar um passo adiante.

Na fase de recebimento da denúncia, não se verifica se os fatos comprovadamente ocorreram. Isso deve ser analisado apenas no mérito, sob o crivo do contraditório e ampla defesa

José Divino, relator da Drácon no Conselho Especial

Defesa
Os defensores dos distritais, no entanto, destacaram a fragilidade da denúncia durante a sessão de julgamento. Em sustentação oral, Jonas Modesto da Cruz, advogado de Celina Leão, criticou o Ministério Público e disse que o órgão “é mais que o quarto poder da República”. “Ele pode se firmar em provas abstratas. Baseada em uma deleção à margem da lei.”

Já o representante do distrital Raimundo Ribeiro, Alexandre Queiroz, disse aos desembargadores que a decisão pelo recebimento da denúncia pode significar “a morte política” dos acusados. O advogado Ticiano Figueiredo, da defesa de Bispo Renato, ponderou que o combate à corrupção “não pode ser feito de forma a ultrajar a Constituição brasileira ou as leis de processo penal”. “Político tem sido visto como a Geni da sociedade”, assinalou.

Para Cristiano Araújo, a avaliação do Conselho do TJDFT foi baseada em uma denúncia “feita a partir de uma investigação repleta de arbitrariedades”. “A minha inocência será completamente comprovada durante a tramitação do processo na Corte”, afirmou o parlamentar.

Na mesma sessão, os magistrados mantiveram o processo da Drácon desmembrado. Valério, Ricardo dos Santos e Alexandre Cerqueira, ex-secretário da Mesa Diretora da CLDF, que não têm foro privilegiado, responderão pelas acusações na primeira instância da Justiça. Além disso, o Conselho Especial do TJ decidiu que os deputados podem ficar no mandato enquanto respondem ao processo criminal.

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Pandora x Drácon
O recebimento da denúncia contra os cinco distritais investigados na Drácon é só um longo caminho a ser percorrido daqui para frente na Justiça. Moroso, o trâmite pode se estender por mais de uma década para que haja algum desfecho.

A demora foi alvo de crítica do desembargador Roberval Belinati durante a sessão do Conselho Especial. Ao longo da declaração do voto, o magistrado ressaltou que o julgamento só deve ocorrer daqui a muitos anos, “até 10, provavelmente”, disse ele. E Brasília tem provas dessa demora. A Caixa de Pandora é um exemplo. Deflagrada em 2009 por uma força-tarefa composta pelo Ministério Público e pela Polícia Federal, ainda não teve condenações na esfera criminal.

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