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Empreiteiras criaram “clube” para se beneficiar de obras no DF

Mané Garrincha, BRT Sul e Centrad saíram do papel após “troca de favores” entre empresas concorrentes, dizem delatores da Odebrecht

atualizado

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Tony Winston/Agência Brasília
Ônibus do BRT-Sul
1 de 1 Ônibus do BRT-Sul - Foto: Tony Winston/Agência Brasília

Acordos de mercado, combinação de preços, cobertura de licitação. As práticas ilegais do chamado Clube das Empreiteiras – grupo formado pelas maiores construtoras do país e que teve a atuação investigada pela Operação Lava Jato – foram replicadas pelas companhias que tocaram importantes obras no Distrito Federal. Pelo menos é o que afirmaram ex-executivos da Odebrecht, em depoimentos ao Ministério Público Federal (MPF). O conteúdo das delações foi divulgado na quarta-feira (12/4), por autorização do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin.

Segundo os ex-integrantes do Grupo Odebrecht João Pacífico, Ricardo Ferraz e Alexandre Barradas, as empreiteiras com atuação local teriam pactuado uma troca de favores para a execução do Estádio Nacional Mané Garrincha, o BRT Sul e o Centro Administrativo do Governo do Distrito Federal, o Centrad.

Para garantir que seus interesses seriam atendidos, a Odebrecht se associou a concorrentes: Via Engenharia, OAS e Manchester. Em algumas ocasiões, foi procurada para “colaborar” com as demais empresas; em outras, orquestrou a operação. Os delatores explicaram que o objetivo do clube local das empreiteiras era manter a política da boa vizinhança e assegurar uma possível recompensa futura, com a retribuição do gesto.

Rafaela Felicciano/Metrópoles

BRT Sul
O BRT – ou Expresso DF – entrou na mira da Lava Jato a partir das alegações de João Pacífico e Ricardo Ferraz. Ambos delataram irregularidades nas licitações da obra de quase R$ 800 milhões, que liga a região de Santa Maria e do Gama ao centro de Brasília.

Ferraz conta que no final de 2008 Luiz Ronaldo Wanderley, executivo da Via Engenharia, e João Longuinho, diretor da construtora OAS, o procuraram para pedir que a Odebrecht ofertasse proposta de cobertura de preço para o BRT Sul. Segundo Ferraz, foi dado um valor limite para a apresentação do projeto fictício. “Nós tivemos o cuidado de fazer uma coisa coerente. Já com os preços que a gente tem em banco de dados”, detalhou Ferraz.

À  época, de acordo com o executivo, como a empreiteira não tinha interesse no projeto, o acordo foi firmado. “Estávamos focados mais em obras estruturadas, PPPs, como é o caso do Centro Administrativo”, destacou. De acordo com o delator, a intenção era se “cacifar” para uma eventual oportunidade futura. A contrapartida, no entanto, não teria ocorrido.

Assista ao vídeo com o depoimento de Ricardo Ferraz sobre a obra do BRT Sul: 

 

Investigações anteriores no âmbito da Lava Jato revelaram a existência de um grupo nacional de construtoras chamado “Clube VIP”, que comandava fraudes em licitações da Petrobras. De acordo com delatores, o clube tinha regras escritas para organizar as escolhas e preferências das obras que seriam licitadas. Segundo Marcos Pereira Berti, diretor da Toyo Setal, a Via Engenharia seria integrante de um grupo intermediário, uma espécie de segunda divisão do grupo.

Em nota, a Via Engenharia informou que só teve acesso aos trechos das delações da Odebrecht divulgados pela imprensa e que “desconhece as circunstâncias das negociações que envolvem diretamente a consorciada parceira, que, como líder, desempenhava o papel de direção, representação e administração do contrato perante o cliente”.

Confira imagens dos políticos e obras que teriam participado do acerto: 

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O texto prossegue: “A Via Engenharia informa ainda, para os devidos fins, que desconhece qualquer menção à empresa em envolvimento com operações sob investigação na esfera judicial local ou federal”. Até a publicação desta matéria, a reportagem não conseguiu contato com representantes da OAS.

Felipe Menezes/Metrópoles

Mané Garrincha
As tratativas das empresas sobre a reconstrução do estádio Mané Garrincha para os grandes eventos de 2013 (Copa das Confederações) e 2014 (Copa do Mundo) teriam começado ainda em 2009. Naquele ano, de acordo com os delatores, Odebrecht e Andrade Gutierrez teriam acertado um novo “acordo de mercado” para simular concorrência na licitação.

Ao MPF, Ricardo Ferraz afirmou que a empreiteira para a qual trabalhava tinha interesse em atuar tanto na construção quanto na operação das novas arenas do país. Como não era o caso do Mané (a licitação seria apenas para a obra), a Odebrecht cedeu à investida da Andrade Gutierrez para apresentar uma proposta de cobertura, com preços acima dos oferecidos pelas outras concorrentes do certame.

A contrapartida, segundo o colaborador João Pacífico, seria a Arena Pernambuco. Meses depois, a Odebrecht teria cobrado o “favor” da Andrade Gutierrez, pedindo ajuda para garantir a construção do estádio nordestino.

“O Ministério Público (de Pernambuco) achou que o edital do estádio estava pouco competitivo. Quando chegou próximo à (data de apresentar a) proposta, o governador (à época Eduardo Campos, do PSB) me falou que estava preocupado porque poucas empresas tiveram interesse na arena, e que, se não aparecesse nenhuma proposta, o MP poderia cancelar tudo. Aí eu me lembrei da Andrade Gutierrez e liguei. ‘Lembra que uns meses atrás eu ajudei vocês lá em Brasília? Eu quero que você faça a contrapartida aqui.’ E deu certo”, destacou João Pacífico.

Veja o depoimento de João Pacífico sobre o acerto entre Odebrecht e Andrade Gutierrez sobre a Arena Pernambuco e o Mané Garrincha: 

 

Ao lado da Via Engenharia, a Andrade Gutierrez construiu o Mané Garrincha, a arena mais cara da Copa do Mundo de 2014, com investimento de quase R$ 2 bilhões. Nenhum representante da Andrade Gutierrez não foi localizado pela reportagem para comentar o caso.

Michael Melo/Metrópoles

Centrad
Apesar de descartar o BRT e o Mané Garrincha, a Odebrecht cobiçava outra obra suntuosa da capital: o Centro Administrativo do GDF. O grande interesse na PPP fez com que a empreiteira fechasse um “acordo de mercado” posterior com o consórcio concorrente, formado pelas empresas Delta e Manchester. Esta última, dona de grande parte dos contratos de vigilância e serviços relativos ao Executivo do DF.

Segundo o delator Alexandre Barradas, a Manchester não tinha interesse em vencer a licitação, mas manter o status quo, já que seria “líder de praticamente toda a área de serviço”. Para o executivo, a intenção da empresa era apenas interferir no processo, porque o Centrad atingiria diretamente os negócios mantidos em Brasília.

Receosos de não saírem vencedores do processo licitatório, Barradas e Ricardo Ferraz teriam se reunido com representantes da Manchester e oferecido 25% dos serviços de vigilância e manutenção à empresa, para que ela não “atrapalhasse” a licitação. O Metrópoles não conseguiu localizar representantes da Delta e Manchester para comentar o caso.

Confira o depoimento de Alexandre Barradas sobre o acordão que viabilizou o Centrad:

“Harmonia de mercado”
Os acordos entre as empresas que deveriam disputar a construção civil no DF teriam chegado a ser incentivados pelo ex-governador José Roberto Arruda (PR). Quando assumiu o governo local, em 2007, Arruda teria convocado uma reunião de alinhamento com os principais representantes do segmento. Segundo João Pacífico, a intenção era “evitar conflitos” entre empreiteiras que tinham interesse em operar no DF.

Se tratava de uma harmonia de mercado. Ele dizia que não queria brigas. Cada um ia estudar o seu projeto, para evitar que ficassem sendo disputadas várias obras, ou uma obra por várias empresas. Enfim, ele não queria tumulto, porque isso poderia gerar muitas demandas judiciais.

Trecho do depoimento de João Pacífico

A colaboração entre as empresas, de acordo com Pacífico, ocorria “dentro daquele espírito que foi estabelecido pelo governador (Arruda) de evitar conturbações nos processos licitatórios”.

 

Elza Fiúza/Agência Brasil
Arruda, por meio de advogados: “Não há procedência nas acusações”

Segundo o advogado de Arruda, Paulo Emílio Catta Preta, as acusações são improcedentes. “Não tivemos cópias da íntegra dos depoimentos ou dos autos ainda. O que posso lhe dizer é que não há procedência nas acusações porque a Odebrecht não executou grandes obras na gestão do governador José Roberto Arruda, pois ele teve seu governo abreviado no início de 2010, como todos sabem. Todas as execuções foram posteriores a isso”, enfatizou.

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