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Moradores, empresários e artistas sobem o tom da discussão sobre a lei do silêncio no DF

Proximidade do Carnaval deixa ainda mais em evidência divergências entre moradores do Plano Piloto, donos de bares, artistas e cidadãos em busca de diversão

atualizado

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Daniel Ferreira/Metrópoles
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O ditado popular anuncia: “Quem cala consente”. Contrariando o chavão, nos últimos anos, moradores das quadras do Plano Piloto têm se amparado na chamada lei do silêncio (Lei Nº 4.092/2008), de autoria do ex-deputado Wilson Lima, para gritar por seu direito ao sono tranquilo. O principal alvo da reclamação são os bares de música ao vivo localizados nas quadras comerciais vizinhas. Por sua vez, a classe artística insiste que a lei acaba com a cena cultural da capital e cria instabilidade em seu mercado de trabalho.

De fato, o circuito brasiliense de música ao vivo vem minguando desde que a lei foi sancionada, em 2008. O texto estabelece que o barulho em área residencial próxima a comércios não pode ser superior a 55 decibéis durante o dia e a 50 decibéis durante a noite. O artigo 27, porém, diz que os padrões adotados deveriam ser revistos a cada dois anos. Oito anos se passaram e nada foi feito.

Enquanto isso, a divergência de opiniões divide a cidade — e a situação fica ainda mais conflituosa nesta época carnavalesca, quando ao movimento dos bares se juntam os inúmeros blocos que saem às ruas. No entanto, uma conclusão parece óbvia. Não há vilões ou mocinhos. Obrigatoriamente, os dois lados terão que ceder. A polarização da discussão pulveriza as ideias e faz o senso de comunidade perder força. Ambos os lados têm argumentos que devem ser considerados. Em tempos de intolerância, há muito que se pensar a respeito dos direitos individuais. Mas que tal pensarmos também no coletivo?

MÚSICA NÃO É BARULHO

Segundo dados da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), cerca de 14 mil trabalhadores do setor foram demitidos em 2015. A insegurança dos empresários é responsável por grande parte dessas perdas. E a lei do silêncio contribui para a instabilidade crescente. Baseados nela, moradores registram ocorrências e o Instituto Brasília Ambiental (Ibram) intervém no funcionamento dos estabelecimentos.

No entanto, as casas noturnas não são as únicas a sentirem os efeitos da lei. Moradores do Sudoeste foram à ouvidoria do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) reclamar da “desordem” no bairro durante o desfile do bloco Suvaco da Asa. Resultado: a agremiação teve que tocar seu frevo em outro local, o gramado da Funarte, no Eixo Monumental.

Nem uma igreja católica escapou. Na 303/304 Norte, seis moradores processaram a Paróquia Militar de São Miguel Arcanjo e Santo Expedito por causa do cântico das missas e do burburinho dos fiéis antes e depois das celebrações — principalmente às terças, quando o local costuma lotar para os encontros com o Padre Eudacir, conhecido pelas missas de cura. Em decorrência da reclamação, a paróquia terá que fazer uma reforma que custará em torno de R$ 300 mil — incluindo um novo sistema de isolamento acústico.

Daniel Ferreira/Metrópoles
Depois de 10 anos, o Suvaco da Asa saiu do Cruzeiro e foi para a Funarte

Na tentativa de amenizar a situação, um projeto de autoria do deputado Ricardo Vale (PT) tramita na Câmara Legislativa para aumentar o volume do som permitido nessas áreas para 70 decibéis à noite e 75 decibéis durante o dia. Enquanto isso não acontece, artistas e cidadãos que defendem seu direito à diversão e a espaços para apresentarem os seus trabalhos fazem protestos. Um dos mais impactantes foi feito pelo movimento Quem Desligou o Som?. Confira o vídeo:

Gerente-geral do Grupo Ferreira, que inclui bares tradicionais como Feitiço Mineiro, Armazém do Ferreira e Bar Brahma, Mauro Calichman também questiona a medição. “A lei vem sendo aplicada em casas que não têm nem música ambiente. Nosso movimento diminuiu muito, as pessoas ficam menos tempo no bar”, avalia Calichman.

No Armazém do Ferreira (202 Norte), um dos pontos críticos na relação entre moradores e comércio, o grupo Candanguero não dispõe mais da liberdade que tinha aos sábados, quando costuma animar a feijoada do bar. Primeiro, foram vetadas músicas que continham melodia “mais pesada”. Depois, o bar reduziu pela metade as caixas de som e o volume está mais baixo. Em geral, as apresentações musicais acontecem entre meio-dia e 17h, no máximo.

No meio do fogo cruzado, há moradores que não veem problema na agitação causada pelos estabelecimentos comerciais. É o caso de Gabriel Ferreira Mesquita, 30 anos, antropólogo morador do prédio que antes abrigava o Balaio Café (201 Norte). Para ele, quanto mais cerceiam os espaços, mais difíceis tornam-se os eventos culturais.

 Se criamos uma cultura de rua, as pessoas cuidam mais dela. É lamentável ter de presenciar esse recrudescimento da intolerância com a convivência

Gabriel Ferreira, morador da 201 Norte

O fechamento desses pontos instaura um clima de insegurança, observa Gabriel. A opinião é compartilhada por Thais Barreto, funcionária pública de 27 anos. Thais mora sobre o Senhoritas Café (408 Norte), e sua janela fica bem próxima ao bar Raízes. “Eu curto a boêmia, acho seguro viver nessa região. É uma questão de civilidade a quadra e a comercial se entenderem”, pontua Thais.

À frente do Cena Contemporânea, um dos festivais de teatro mais importantes do país, Guilherme Reis criou laços estreitos com a cultura da cidade muito antes de se tornar secretário de Cultura do GDF, em 2015. Administrador do Espaço Cena (205 Norte), instalou no local um dos mais atuantes palcos do teatro brasiliense.

O Espaço Cena serviu de ponte para a criação do Criolina Champagne, evento que por muitas edições lotou as duas mãos da quadra de entusiastas da cultura brasiliense. Guilherme sabe o que é ter de debater com morador sobre quais os limites necessários para chegar a um entendimento.

Em conversa com jornalistas, se mostrou favorável à ocupação dos espaços e acha, inclusive, que parte do público e dos produtores o equilíbrio para encontrar uma harmonia principalmente no Carnaval, época em que a presença de pessoas nas ruas promete ser multiplicada.

 Fazer carnaval dentro de uma quadra tem um limite normal de convivência. Tudo precisa ser planejado, organizado, para que não haja nenhum problema. Todos nós queremos um Carnaval bonito, pacífico, rico e sem confusões 

Guilherme Reis, secretário de Cultura

Parceiro do Criolina Champagne, Rodrigo Barata é também um dos responsáveis pelo projeto Ocupe o Centro, que culminou no bloco Aparelhinho e levou o maquinário para as ruas do Setor Bancário Sul pela primeira vez em 2012. Uma das vozes mais ativas do circuito, Barata sinaliza que os defensores da ocupação desses espaços devem ter mais voz ativa, dar a cara a tapa e se mostrarem mais engajados para que pessoas que se intitulem presidentes de associações de moradores ou prefeitos de quadra não falem por todos, como se não existissem dois lados de uma mesma moeda.

 Queremos fortalecer o movimento e não colocar um contra o outro. A ideia é intensificar para propor um debate melhor, sem que proíbam uma simples conversa, que é o que temos visto. É importante também que aumente o policiamento, que as pessoas não joguem lixo no chão, estacionem no lugar correto. Todo mundo tem que ceder. É necessário que exista um engajamento real 

Rodrigo Barata, produtor

 

FAZ SILÊNCIO, SENÃO EU GRITO

Em dezembro passado, o MPDFT, que já havia determinado a mudança de local do Suvaco da Asa, voltou a entrar na polêmica ao recomendar que os limites de ruídos previstos na lei do silêncio não fossem alterados.

Segundo o promotor Cesar Nardelli, qualquer alteração na lei deve obedecer a critérios técnicos. “A lei é fundamentada em dados da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e da Organização Mundial de Saúde (OMS), não se pode mudar para atender a somente uma parcela da sociedade”, opina.

O ruído é um elemento de dano à qualidade de vida. Essa constatação, entretanto, não significa que somos contra o lazer, que é um direito, assim como o descanso. A questão é adaptar os dois lados para que se chegue a uma convivência harmoniosa

Cesar Nardelli, promotor do MPDFT

A Lei Nº 4.092/2008 define os limites de ruídos baseada em regras da ABNT. A legislação determina que o som pode chegar a 50 decibéis, no máximo. A OMS valia que barulho acima de 30 decibéis é capaz de atrapalhar o sono das pessoas. Quando o nível de ruído chega a 50 dB, há interferência de comunicação.

Lei do Silêncio

Esses são os principais argumentos dos defensores da lei do silêncio. Para eles, não são necessárias alterações nos níveis de ruído e, sim, mais fiscalização e adequação dos donos de estabelecimentos. “Atividade cultural não é apenas música ao vivo em bares. Envolve muita coisa. Até mesmo para uma boa apresentação, é preciso uma estrutura adequada. Com bares um do lado do outro, é impossível ouvir a música”, defende o servidor Fabiano Lima, 35 anos, coordenador da página Barulho Não É Cultura.

“É de interesse de todo mundo que a cidade tenha cultura e seja confortável para o descanso. Por isso, é necessária uma fiscalização intensa. Às vezes, basta o empresário isolar acusticamente o estabelecimento que o problema acaba”, aponta Nardelli.

A realidade brasiliense precisa ser levada em consideração. Sabemos que os estabelecimentos invadem área pública, formando os famosos puxadinhos, o que aumenta o barulho. Se funcionassem com as portas fechadas, o barulho seria menor

Fabiano Lima, coordenador da página Barulho Não É Cultura

Tanto o representante dos moradores quanto o MPDFT entendem que é necessária uma interferência preventiva do poder público, para controlar a invasão de área pública, a distribuição de alvarás e fiscalizar os ruídos. “A 408 Norte está saturada. Não cabe mais bares lá. Mesmo assim, as licenças continuam sendo emitidas”, opina Fabiano Lima.

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