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Sem as escolas de samba, o carnaval de Brasília fica pela metade

Mesmo com o sucesso dos blocos de rua, a folia brasiliense perde diversidade e tradição com a interrupção do desfile, iniciado em 1962

atualizado

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acadêmicos
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Os tambores estão arriados ao chão, as fantasias desbotadas e os carros alegóricos empacados na brita. O samba-enredo é de pura disritmia. Narra um tempo sombrio de lei do silêncio e de falta de investimento público-privado no trabalho incessante das comunidades do Distrito Federal. Sem o desfile das escolas de samba, o carnaval de Brasília fica pela metade. Não há animação de bloco que ocupe esse vazio. Cala-se uma tradição trazida para a nova capital em 1962, quando a Alvorada em Ritmo sagrou-se a primeira campeã num desfile que cantava os sonhos. Sonhos? Há dois anos desfeitos.

 A ARUC está vazia, silenciosa e triste, muito triste. Essa não é a primeira vez e, provavelmente, não será a última que Brasília fica sem desfile das escolas de samba. Aconteceu em 1981, 1994, 1995, 2003 e 2015, mas confesso que, desta vez, está doendo mais. Está mais triste, mais pesado, mais sofrido.

Moa

O desabafo é do sambista Moacyr Oliveira Filho, o Moa, figura cara da Aruc (patrimônio imaterial e cultural do DF). Ecoa em todos que entendem a importância dos desfiles das escolas para além de uma noite de brilho, alegria e samba no pé.

Nitidamente, o espetáculo das escolas brasilienses vinha se aprimorando nos últimos anos, sobretudo, com a entrada da Acadêmicos da Asa Norte, que criou competitividade, elevou o nível dos desfiles e conseguiu desbancar o sempre bom carnaval da Aruc por três anos consecutivos

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Brasília carnavalesca
Carnaval é a festa da diversidade. Quanto mais plural melhor para o folião e para o governo, que pode estruturá-la como uma atividade lucrativa e de potencial turístico. Basta olhar o exemplo de São Paulo. O aumento de blocos e dos foliões de rua é um bom termômetro de que Brasília pode afastar o marasmo de capital do poder e atrair a vizinhança do Centro-Oeste, tradicionalmente sem grandes opções de festa.

Existe ainda uma diferença de gênese entre o carnaval de blocos e das escolas de samba que precisa ser sempre afirmada. Nos blocos, a brincadeira democrática é pontual. Pega-se a fantasia, diverte-se e, depois, quando tudo vira cinzas, a vida segue até o ano que vem. Nas escolas de sambas, o compromisso é coletivo e contínuo. Há uma comunidade que passa o ano trabalhando e sonhando o desfile.

Terreiro social
Jovens, muitos jovens, estão envolvidos nessas atividades. No terreiro da escola, eles gestam o entendimento e o comprometimento com a coletividade. Muitos se afastam de experiências de risco social pelo engajamento criado pela escola. É um trabalho contínuo, de paixão, de fé. Uma interrupção dessas, como essa que ocorre por dois anos consecutivos em Brasília, pode pôr tudo a perder.

aruc2

As atividades da Aruc, 31 títulos e patrimônio imaterial do DF, afetam positivamente o Cruzeiro Velho. Além da construção do desfile do ano seguinte, há ali um sentimento de pertencimento da comunidade, que se reconhece pelo samba. Muitos meninos e meninas do bairro ocupam o turno seguinte à sala de aula com atividades complementares na quadra. Isso se repete em Sobradinho, com a Bola Preta, na Ceilândia, com a Águia Imperial, e no Gama, com a Mocidade.

Que 2017 seja um ano de reconstrução e as verbas de apoio sejam públicas sejam privadas para as escolas de samba. Que venham cedo para que não se afugentem os sonhos, para que se reajuntem os sambistas em torno dos seus estandartes de fé. Que repiquem os pandeiros e o samba de Brasília volte ao sambódromo com ginga no asfalto e muito respeito.

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