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Gostou de “Brooklin”? Então veja “Era uma Vez em Nova York”

A discreta obra-prima do diretor James Gray trata a imigração como uma jornada de gestos e corpos, de amor e sofrimento

atualizado

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Europa Filmes/Divulgação
Era uma vez em Nova York filme
1 de 1 Era uma vez em Nova York filme - Foto: Europa Filmes/Divulgação

“So, what do you want here in America?”
“I want to be happy”

Escanteado no Oscar 2016, sem nenhum prêmio, “Brooklin” (ou “Brooklyn”, no original que dispensa tradução) trata de um tema tão antigo quanto atual: a imigração em sua forma mais clássica, como um romance de formação sobre uma jovem irlandesa (Saoirse Ronan) a escrever sua história e seus feitos na América. É um filme bonito e honesto. Mas, perto de “Era uma Vez em Nova York”, parece apenas uma fábula young adult.

O longa de James Gray, que passou rapidamente pelos cinemas nacionais em 2014, é uma discreta obra-prima que observa a imigração em sua intimidade, entre corpos e gestos, entre o amor e o sofrimento da experiência humana. A imigração já teve epopeias do porte de “Titanic” (1997), um blockbuster maior-que-o-mundo tanto em dimensão cinematográfica quanto em sentimentalismo. Pois “Era uma Vez em Nova York” agiganta-se na timidez de suas imagens soturnas e acabrunhadas.

Em 1921, a polonesa Ewa Cybulska (Marion Cotillard) desembarca em Nova York ao lado da irmã, Magda (Angela Sarafyan). A imigração logo considera Magda doente demais para caminhar em solo americano e a deixa em quarentena. Ewa conhece o “empresário” Bruno Weiss (Joaquin Phoenix) e é apresentada à prostituição. Primeiro e único meio de vida para, mais adiante, recuperar a irmã. Na dor, vê Orlando (Jeremy Renner), um mágico, primo de Weiss, tornar sua estadia nos EUA um pouco mais suportável, um pouco menos oprimida.

A imigração como jornada física e simbólica
Para cada gesto de pureza – um sorriso de Orlando –, há uma manifestação de maldade – Weiss ordenando que se mostre aos clientes do cabaré fantasiada de Estátua da Liberdade. “Então, o que você quer aqui na América?”, indaga Orlando. “Eu quero ser feliz”, ela diz, sincera.

A ironia cristalina é que o símbolo da terra das oportunidades representa, para ela, apenas mais um desfile diante de cavalheiros em busca de prazer. A alegria de Ewa é uma ilusão gesticulada por Orlando, um truque capaz de esconder a realidade por alguns instantes. A imigração segundo Gray não é um esforço descomunal daqueles que construíram um país com suor, tijolos e uns trocados (ou fortunas), mas um trânsito simbólico de corpos e caminhos que se cruzam – e todas as contradições humanas inerentes a qualquer pessoa, do passado ou do presente.

Judeu e descendente de imigrantes russos, o diretor James Gray disse, à época do lançamento, que se baseou na história oral contada por seus avós, residentes nos Estados Unidos desde os anos 1920. A outra parcela de inspiração veio da peça “Il Trittico”, de Giacomo Puccini. Mas a chave para entender o filme se esconde na própria trajetória do cineasta.

Movpins/Reprodução
O cineasta no set de “Os Donos da Noite” (2007): histórias de amor e crime

 

James Gray: um mestre discreto
Qualquer lista de melhores cineastas americanos dos últimos 15 ou 20 anos terá Paul Thomas Anderson, David Fincher, Quentin Tarantino, Wes Anderson, Sofia Coppola e Richard Linklater. É provável que algumas poucas tenham James Gray, realizador que acumula quatro indicações à Palma de Ouro num espaço de 13 anos, louvor de parte da crítica e quase nenhuma apreciação do grande público.

Há uma razão simples para tal desconhecimento: os filmes de Gray são antiquados o bastante para serem chamados de melodramas retrôs – como se isso fosse algum demérito artístico. Entre os admiradores, as comparações chegam até ao cinema mudo. Ele lida com temas tão contemporâneos quanto clássicos – histórias de amor e crime –, mas com uma sofisticação das mais sutis: um cinema de luzes fugidias, sombras pesadas e personagens limítrofes entre sagrado e profano, honra e desonra, encanto e temor. Se você pensou no Francis Ford Coppola de “A Conversação” (1974) ou no Martin Scorsese de “Alice Não Mora Mais Aqui” (1974), acertou.

Algumas das imagens mais belas e significativas do cinema americano recente vêm de seus cinco longas: das jornadas de máfia/família “Fuga para Odessa” (1996), “Caminho Sem Volta” (2000) e “Os Donos da Noite” (2007) às dolorosas paixões de “Amantes” (2008) e “Era uma Vez em Nova York” (2013). Neste último, Gray começa e termina a saga de Ewa, Weiss e Orlando com planos tão espelhados quanto opostos: uma síntese da vida – e de um certo cinema tão apegado a ela.

Reprodução/The Weinstein Company Reprodução/The Weinstein Company


“Era uma Vez em Nova York” está disponível em DVD e no Telecine Play

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