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Quando o problema vira hábito

Quem nunca se percebeu revivendo uma história desgastante, mesmo depois de ter se prometido nunca mais fazê-lo ? A origem desse hábito pode estar ligada a um trauma não superado

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Urban Lights
1 de 1 Urban Lights - Foto: iStock

Às vezes a vida parece querer nos castigar. Fazemos o possível para evitar uma determinada situação que já nos gerou incômodo, sofrimento. E, quando viramos a esquina, deparamo-nos novamente com a mesma coisa. Parece até que só trocaram o cenário e os atores, mas o drama e os personagens são os mesmos. Antes de maldizer destino, tente entender o que se passa em você.

“Até você se tornar consciente, o inconsciente irá dirigir sua vida e você vai chamá-lo de destino.” A sentença, proferida por Jung, nos auxilia a entender a dinâmica desse mecanismo. Tudo que se repete em nossa história tem algo de importante para nos dizer – especialmente sobre nossa natureza mais íntima.

Vale saber como as coisas funcionam na nossa psique. Em geral, tentamos assimilar aquilo o que vivenciamos, como uma experiência completa. Ou seja, buscamos associar a cena, o ocorrido, às emoções por eles evocadas, e, ao final, encontrar um sentido que valide o conjunto.

Somos todos traumatizados
Mas nem sempre é possível. Alguns acontecimentos são mais intensos que a nossa capacidade de processá-los na consciência – mobilizam uma carga emocional maior do que conseguimos suportar. Daí, em vez de reunir todo o conteúdo numa experiência, as emoções e imagens que transbordam se acomodam em diferentes partes do inconsciente, de forma dissociada. É o que chamamos de trauma.

No entanto, a psique tenderá a querer sanar essa dissociação. Ela buscará novas vivências, com agentes e emoções semelhantes aos da original, para promover uma unificação desse conteúdo.

A cada repetição, temos uma oportunidade de ressignificar, dar um novo sentido àquilo que não foi devidamente elaborado num primeiro momento. É chato, mas é o mal necessário para cessar o incômodo gerado pelo trauma. As peças precisam ganhar encaixe para sossegarmos.

Repetimos para aprender
Não é tão grave como parece – na verdade, é mais comum do que se pode imaginar. Lidamos com essa dinâmica inúmeras vezes ao longo da vida. E, com ela, desenvolvemos nossa capacidade de lidar com as adversidades.

Um bom exemplo é o que se dá com as crianças, quando elegem a historinha da vez. Repetem mil vezes, sem cansar. Sabem todas as falas, emburram quando tentamos tapeá-las pulando um trecho. Eis que num dia qualquer, elas simplesmente desgostam e partem para a próxima.

Crescemos, e substituímos os contos pelas relações. Ou seja, perdemos a capacidade de aprender pelo simbólico para encarnarmos, na realidade concreta, os dramas que não conseguimos superar. E repetimos, exaustivamente, até que uma das repetições seja a última: quando alcançamos um novo sentido, vira-se a página.

E o que fazer para passar à próxima lição? Entenda, em primeiro lugar, que compreender não é corrigir. Os caminhos percorridos jamais se apagarão. Superar um tema traumático é deixá-lo virar passado – se ainda se repete, ele nunca saiu do presente.

Depois, exercite um olhar diferente, perceba a mesma questão por outras perspectivas. Perdoe-se, afinal não é justo se punir por não ter conseguido fazer diferente. Isso seria comprar um problema extra para administrar. E agradeça: o que parece ser uma condenação é o seu caminho para libertar-se.

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