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Meu trabalho de parto durou 15 minutos

Relato do nascimento do Solano, meu segundo filho

atualizado

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Arquivo Pessoal
Carolina Vicentin parto Solano maternidade
1 de 1 Carolina Vicentin parto Solano maternidade - Foto: Arquivo Pessoal

Volta e meia, a gente lê notícias de mulheres que deram à luz no táxi, na ambulância, no carro, na porta do hospital. Sempre achei isso bastante curioso e, tendo vivido uma experiência de parto natural, bem difícil de acontecer. Como assim não deu tempo? Parto não é assim, gente, você espirra e pluft a criança escorrega. Não mesmo.

Pois, veja só, foi mais ou menos o que aconteceu comigo, na chegada do meu segundo filho. Solano nasceu às 6h49 do dia 4 de março, depois de um trabalho de parto de 15 minutos. QUINZE MINUTOS. A coisa foi tão rápida que eu demorei algumas horas para processar que ele realmente tinha saído da minha barriga.

Se no começo eu fiquei meio boquiaberta com a velocidade do parto, hoje, enquanto escrevo este relato, enxergo as coisas de outra forma. Solano não veio tal qual um relâmpago. Na verdade, ele chegou suave, se anunciando vários dias antes, enquanto meu corpo e minha mente se preparavam, com direito a momentos de angústia, raiva e medo — assim como acontece em um trabalho de parto de duração “normal”.

O começo de tudo
Minha segunda gravidez foi mais ou menos planejada: nós queríamos outro bebê, mas eu, especialmente, temia a a empreitada, tendo em vista a trabalheira que dá. Então eu estava sem usar nenhum método contraceptivo, até que um dia, depois do sexo, eu disse ao Lourenço, meu companheiro: estou com medo de ter engravidado. Poucas semanas depois, fizemos o teste de farmácia e lá estavam as duas listrinhas. Nosso segundo bebê estava a caminho!

Passada a empolgação inicial, eu meio que esqueci que estava grávida. Um pouco porque já tinha passado por aquilo antes e não era mais a louca do Google, que ia buscar a explicação para o menor sintoma de gravidez

Também contribuiu o fato de eu não ter nenhum grande incômodo relacionado à gestação. Acho que o principal, porém, era que eu estava ocupada demais trabalhando para dois – em alguns momentos, três – projetos diferentes e usando o restante do tempo para cuidar do Miguel, meu filho mais velho.

Assim, os meses foram passando e a barriga cresceu sem que eu desse muita bola para ela. Até que chegamos ao oitavo mês. Quis o destino que, na reta final, eu estivesse sem nenhum trabalho em andamento (fora o materno) e, portanto, com tempo de sobra para pensar na gravidez. Completamos a 38° semana, depois a 39°. E eu comecei a ficar muito impaciente. Miguel nasceu antes das 38 semanas, eu nunca tinha estado tão grávida assim na vida.

Ansiedade? Bobagem!
Eu acordava todos os dias pensando “será que é hoje?”, mas, curiosamente, não conseguia imaginar meu trabalho de parto. Tinha muitas contrações, muitas delas incômodas, que chegavam a ganhar ritmo em alguns momentos, mas era só eu avisar alguém do que estava sentindo que tudo parava. Isso deve ter acontecido duas ou três vezes, até que eu comecei a duvidar da minha capacidade de entrar em trabalho de parto.

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Minha mãe que fez as vezes de “parteira”

 

Duvidei tanto que marquei uma consulta com um obstetra para saber como seria o procedimento de indução ao parto em um hospital, caso eu chegasse às 42 semanas de gestação. Pouco importavam os argumentos racionais, tantas vezes repetidos pelo meu companheiro, pela minha mãe e pelas parteiras que nos acompanhavam.

“A maioria das mulheres entra em trabalho de parto entre a 40° e a 41° semana de gestação.” “Seu bebê ainda não está pronto.” “Você vai entrar em trabalho de parto.” Paciência, paciência, paciência. Eu, que gosto muito de controlar tudo ao meu redor, tive que lidar com o descontrole.

Coincidentemente ou não, minhas contrações começaram a ficar diferentes no sábado, dia 27 de fevereiro, depois de eu ter “feito as pazes” com a minha barriga. Naquela noite, depois de todo mundo ter ido dormir, eu sentei no chão da sala, em silêncio, e me permiti chorar.

Pedi perdão ao meu filho por tentar apressá-lo. Pedi perdão a mim mesma pela minha ansiedade. Agradeci a graça que é poder gerar uma vida, agradeci ao meu corpo, essa máquina maravilhosa, capaz de trazer uma criança ao mundo.

Mas esse momento zen também não parecia ter sido suficiente. E agora as contrações estavam mais doloridas – a ponto de me fazer despertar algumas vezes por noite. Quando o mês virou, eu comecei a ter raiva. Raiva de mim, raiva daquelas dores chatas. Poxa, se não é agora, me deixa esquecer um pouco.

Em mais uma tentativa de tocar a vida e esquecer aquela ansiedade, eu comecei a fazer de conta que não estava grávida de nove meses. Entrevistei uma pessoa para um texto que pretendo escrever aqui. Fui à casa de uma amiga e tomei algumas taças de vinho (sim, no plural). Passei a dizer para quem perguntasse que o bebê nasceria lá pelo dia 17 de março. Até que ele veio.

A chegada
Na manhã do dia 4, um dia depois de completar 40 semanas de gestação, eu acordei às 6h34 com uma daquelas contrações doloridas. Foi bem ruim, mas eu já tinha sentido aquilo antes, então achei melhor esperar para ver o que acontecia. Às 6h43, veio outra, beeeeem forte. Saí da cama e comecei a me agachar, gemendo.

Lourenço acordou assustado, e eu ainda tentei quebrar o gelo: “Tá tendo… uma operação da PF… na casa do Lula… aiiiiiiii” (sim, eu disse isso!). Era o dia em que o ex-presidente foi levado coercitivamente para prestar depoimento à Polícia Federal. Lourenço perguntou se eu achava que estava na hora, eu disse que sim e ele ligou para as parteiras.

Nosso segundo bebê nasceria em casa, em um parto domiciliar planejado, assim como da primeira vez.

O que aconteceu depois foi bastante rápido e confuso. Eu saí andando para o corredor, com muita dor, e senti algo molhado entre as minhas pernas. Nisso, Lourenço acordou a minha mãe, que foi atrás de mim, perguntando se eu queria uma massagem, se queria ir para o chuveiro. Eu não conseguia responder, nem pensar. Fui ao banheiro, sentei no vaso e vi que havia sangue na minha calcinha.

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Nossa família passou o dia na cama

 

Minha mãe, sabiamente, colocou a mão na minha vulva e disse: “Sai do vaso! Sai do vaso!!!”. Levantei, coloquei a mão também e pude sentir uma “bexiga”. O bebê, ainda dentro da bolsa, estava coroado (sim, minha mãe salvou o neto de nascer dentro da privada). A terceira contração veio, eu senti uma vontade louca de empurrar, gritei e fiquei de cócoras. Ouvi minha mãe dizendo: “Lourenço! Está nascendo!”.

Solano veio ao mundo às 6h49, aparado pelas mãos da minha mãe “parteira”. Ela, que assistiu ao parto do Miguel, me dando todo apoio, dessa vez me ajudou a trazer um filho ao mundo. A bolsa estourou na mão dela, e ela colocou Solano no meu peito. Assim que nós dois nos reconhecemos, pelo cheiro e pelo toque, ele parou de chorar e ficou aninhado em mim.

Minha mãe e Lourenço, atordoados de sono e de adrenalina, saíram em busca de panos e fraldas para enrolar o neném. Miguel acordou nessa hora e foi até a porta do banheiro, coçando os olhinhos. Viu aquela cena – a mãe no chão, com o irmão no colo – e foi para a sala, como se fosse a coisa mais natural do mundo (e é, na verdade).

As parteiras chegaram às 7h, me ajudaram a levantar e ir para cama. A placenta saiu, meu companheiro cortou o cordão depois que ele parou de pulsar, e Solano começou a mamar. Nossa família passou o dia na cama, sentindo aquele cheirinho gostoso de recém-nascido, dando as boas-vindas para o nosso caçula com muito amor. Simples assim!

Certa vez, pouco depois de o Miguel ter nascido, eu conversava com a Clarissa, a doula que me acompanhou naquela ocasião. Ela me disse uma coisa que me marcou profundamente: não existe parto certo/errado. Seu parto foi exatamente do jeito que deveria ser para você se tornar a mãe que você é. Acho que Solano, enquanto se preparava para nascer, me ensinou muitas coisas importantes. E, quando veio, me fez buscar toda minha força e coragem para agora ser mãe de dois.

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