Fábio Baroli faz um passeio pelo interior em mostra no CCBB
Formado na UnB, o artista mineiro reúne 112 obras em sua primeira exposição individual organizada em Brasília, aberta a partir desta quarta (28/10)
atualizado
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Ao caminhar pela exposição “Deitei para Repousar e Ele Mexeu Comigo”, percebe-se um movimento constante entre locações e paisagens interioranas. Esse trânsito se estende para a carreira de Fábio Baroli. Em sua primeira individual em Brasília, ele reúne quadros sobre o retorno às origens em Uberaba (MG), lugar em que nasceu, foi criado e de onde saiu para estudar na capital.
Organizados por séries temáticas, 112 trabalhos formam um narrativa de clara inspiração pessoal na Galeria 3 do CCBB, em cartaz partir desta quarta (28/10). A mostra fica aberta aos visitantes até 21 de dezembro, sempre de quarta a segunda, das 9h às 21h.
Aos 34 anos, o mineiro veio para Brasília em 2003. Formou-se pelo Instituto de Artes (IdA) da Universidade de Brasília (UnB) e, em 2010, fixou-se no Rio de Janeiro. A carreira ganhou fôlego na capital fluminense, com exposições e contratos com galerias. Ali, porém, Baroli percebeu que seus traços o atraíam de volta para Uberaba. Galinhas e representações de homens do campo surgiam nas telas.
Ao ensaiar um retorno, chegou a ser provocado por colegas artistas, que disseram que ele largaria a vida artística para se tornar “vendedor de galinhas”. A provocação teve efeito contrário: Baroli não hesitou em arrumar as malas e partir.
O interior bucólico, mítico e oprimido
“Fiquei com medo de voltar”, confessa. “Achei que eu fosse me isolar. Mas entendi o retorno não como isolamento, mas como nova experiência. Eu precisava estar mais perto das minhas origens”. Nas telas, vê-se uma poética interessada na figura do caipira e em episódios cotidianos. O artista subverte o aparente realismo com trocadilhos e erros propositais de concordância nos títulos das obras, acidentes visuais e espaços brancos, incompletos.
As cenas interioranas, registradas em óleos sobre tela como “Cê Gosta de Laranja?” (2013, acima), convivem com obras recentes. Nos quadros da série “Quando a Seca Entra” (2015, abaixo), Baroli pincela um álbum de família a partir de fotografias, recortes e recordações. “A Terra do Zebu e a Casa do Caralho” (2014) marca um abandono das cores ensolaradas e ilustra uma revolta camponesa durante a noite, entre fogueiras e manifestações indignadas, contra figuras autoritárias como a Igreja e o coronelismo agropecuário.
Curadora da mostra e historiadora de arte, Renata Azambuja enxerga nos quadros um resgate da ideia de brasilidade, tão presente na produção nacional do início do século 20. “Baroli nos lembra do Brasil que está isolado, mas ainda existe. Daquilo que parece que não nos pertence, mas nos pertence. As grandes dimensões dos quadros provocam esse contato do espectador com os matutos”, analisa.
A vivência de ateliê
Baroli participou de uma frutífera geração de pintores brasilienses que desponta nacionalmente há alguns anos. “Quando ainda estava aqui, esse fenômeno das galerias independentes ainda não existia”, reflete. Gradualmente, ele percebeu que nomes de amigos candangos começaram a aparecer com mais frequência no eixo Rio-São Paulo.
Ainda na capital federal, Baroli formou ateliê coletivo com vários amigos do Instituo de Artes da Universidadede Brasília (IdA). Com alguns deles, teve até banda de rock: a Gilberto Come Bacon, na companhia de Camila Soato, Márcio H. Mota e Moisés Crivelaro, entre outros chegados.
Tendo vivido em realidades tão diferentes como as de Rio e Brasília, ele percebe que na capital do país há mais espaço para a espontaneidade. “Engraçado que até hoje sou conhecido como artista de Brasília”, diz. “O Centro-Oeste pensa a arte de um jeito mais interessante do que no eixo Rio-SP. Aqui, não temos muito essa coisa do comércio, do desejo do colecionador. Há muito mais espaço para a experimentação”, detalha.
A trajetória percorrida entre Uberaba, Brasília e Rio de Janeiro ainda pode resultar num retorno à capital federal. “Já cogitei voltar para um mestrado, por exemplo”, conta. “Expor aqui é muito simbólico, é o lugar que mais fazia sentido para mostrar essas obras”.