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Tocante, filme “O Outro Lado do Paraíso” reativou Polo de Sobradinho

Produção mais cara da história do cinema brasiliense, o filme traz imagens documentais inéditas do fotógrafo Jean Mazon e participação de Milton Nascimento na trilha sonora para contar a história do Golpe de 64 pela ótica de uma criança

atualizado

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O Outro Lado do Paraíso 2
1 de 1 O Outro Lado do Paraíso 2 - Foto: Divulgação

Na última edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o filme “O Outro Lado do Paraíso”, de André Ristum, abiscoitou sete prêmios na mostra paralela do evento, entre eles o de Júri Popular. Mas esse não foi o único feito dessa produção baseada em obra homônima do jornalista e escritor Luiz Fernando Emediato. Com trama ambientada nos primórdios de Brasília, mais precisamente na Taguatinga dos anos 60, a produção de R$ 8,8 milhões – a mais cara da história do cinema brasiliense – também teve o mérito de reativar o Polo de Cinema do Distrito Federal, em Sobradinho, então abandonado há mais de 10 anos.

“Uma responsabilidade e tanto. Construímos uma cidade cenográfica de quinze mil metros quadrados para reproduzir a periferia de Brasília em 1964. Tudo isso com um rigor estético e histórico muito grandes”, festeja o produtor Nilson Rodrigues, em entrevista ao Metrópoles.

Empresário e produtor cultural da cidade, Nilson Rodrigues sonha desde os anos 80 em contar a história do Golpe de 64, narrada pela ótica de Nando (Davi Galdeano), um garoto de 12 anos que vive uma relação intensa com o pai sonhador Antônio (Eduardo Moscovis). A primeira tentativa foi uma montagem para os palcos de Taguatinga, mas não deu certo.

“É um belo conto que me emocionou desde o primeiro momento que li. Uma história de sonhos, esperanças. Eu tinha uma relação muito forte com muitos que eu conhecia que vieram tentar a vida em Brasília vindo de Minas Gerais. Inclusive minha família”, conta Nilson, mineiro de Abadia de Dourados.

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O projeto para o cinema começou a renascer quando o autor Luiz Fernando Emediato finalmente aceitou levar a história que escreveu sobre sua família em 1981 para as telonas. A segurança para apostar na adaptação viria em 2011, durante sessão do filme “Meu País”, do jovem e talentoso cineasta André Ristum, no Festival de Brasília daquele ano. “Eu não queria filmar o livro porque ele é autobiográfico, toca em minhas emoções, não suportaria que um diretor sem sensibilidade destruísse a delicadeza que a história tem”, lembra Emediato. “Mas quando vi ‘Meu País’, me dei conta de que tinha um diretor para o filme. Fizemos o projeto juntos, com grande respeito um pelo outro”, comenta o autor, também coprodutor do filme.

Premissa política
E delicadeza é o que “O Outro Lado do Paraíso” tem de sobra. Com estreia nacional marcada para a próxima quinta-feira (2/6) em mais de 70 salas de cinema, o público irá se identificar e emocionar com a história do começo ao fim. Tudo no filme também premiado no Festival de Gramado funciona. O roteiro é tocante sem ser piegas, a fotografia deslumbrante, o som perfeito e atuações maravilhosas. “Trabalhamos quatro anos nesse projeto e buscamos envolver os melhores profissionais nas diversas áreas, de Brasília e de outros centros, desde a fotografia, cenografia até a preparação dos atores. Deu muito trabalho, mas o resultado tem nos orgulhado muito”, avalia o produtor Nilson Rodrigues.

Rodado em Brasília e Olhos D’ Águas – histórico povoado goiano, que recebeu uma sessão especial no sábado (28/05), na Praça da Igreja -, o filme, que conta com participação de Milton Nascimento na trilha sonora, tem a mesma pegada sincera que narrou a trajetória dos irmãos sertanejos Zezé Di Camargo e Luciano, no grande sucesso “2 Filhos de Francisco”, mas o clima da história é outro.

Um homem do campo sonhador cansado de puxar enxada de sol a sol, no interior de Minas Gerais, Antônio (Du Moscovis) vislumbra a oportunidade de uma vida melhor com a construção da nova capital no coração do país. Sem titubear, troca a casa por um caminhão e parte com a família rumo ao Planalto Central, seduzido pelas reformas sociais do então presidente João Goulart. Era o ano de 1963 quando eles desembarcaram em Taguatinga e, diante da iminente crise política polarizada entre capitalistas x comunistas, não iria demorar muito para estourar um golpe de estado que afetaria diretamente sua família.

Para o diretor André Ristum, um dos motivos que despertou seu interesse pelo projeto foi a novidade de abordar o tema da ditadura não pela premissa de pessoas politizadas ou militantes envolvidos diretamente com o conflito, mas de uma família simples, ou seja cidadãos comuns. Filho de exilados nascido em Londres e criado na Itália, o cineasta conta que a forte relação entre pai e filho na trama foi outro fator determinante para aceitar o convite.

“São dois temas que têm a ver comigo, com a minha história, com as coisas que gosto de falar. Primeiro é a relação pai e filho, o meu eu perdi com doze anos”, conta Ristum, que homenageou o pai no curta-metragem de 2005, “De Glauber para Jirges”, premiado no Festival de Brasília naquele ano. “A outra coisa é o período de 64, um momento da história do país que afetou muito a minha vida. Meus pais saíram em 67 do Brasil e só voltaram em 1980”, revela.

Ligado afetivo e esteticamente à turma do Cinema Novo, de forma sutil André Ristum homenageia o movimento ao incrementar a narrativa de “O Outro Lado do Paraíso” com registros documentais da época garimpados em vários arquivos. Trechos de “Brasília: Contradições de Uma Cidade Nova”, clássico documentário de Joaquim Pedro de Andrade de 1967, mistura-se liricamente com cenas ficcionais de uma capital em construção. Imagens inéditas gravadas pelo fotógrafo francês Jean Mazon, no dia do Golpe, completam a trama.

“Alguém da nossa equipe que era coordenador do acervo do Jean Mazon disse que tinha encontrado um ‘rolinho’ escrito 1964, não sabia do que se tratava, mas disse que a gente podia pesquisar”, recorda Ristum. “Quando telecinamos o material quase caímos para trás porque o material é incrível, exatamente o momento que estávamos retratando, com uma qualidade, um olhar cinematográfico maravilhosos, entrou em tela cheia no filme”, destaca.

Quem vê o filme, se impressiona com a similaridade dos fatos políticos de mais de 50 anos atrás com os dias de hoje. Há um discurso do presidente Castello Branco – primeiro militar a comandar o país, por exemplo, exibido na trama, contundente. Tanto o diretor, quanto o autor e produtor Luiz Fernando Emediato tergiversam sobre a coincidência. “São momentos parecidos, acho que o filme pode ajudar a trazer uma reflexão em cima do que vem a ser o nosso futuro, compreender o que estamos vivendo hoje”, aposta Ristum. “Foi uma feliz e infeliz coincidência. A história parece se repetir como uma grande farsa. Em 64, um golpe armado. Hoje, um golpe parlamentar com apoio de parte do judiciário. Como isso vai se refletir na bilheteria eu não sei pois o país está dividido”, observa Emediato.

Elenco mirim
Um detalhe que saltam aos olhos do espectador atento em “O Outro Lado do Paraíso”, é a atuação segura e cativante do elenco mirim recrutado em testes em todo o país que envolveu mais de duas mil crianças e adolescentes. Só em Brasília e Entorno foi mobilizado um grupo de 500 crianças. As talentosas atrizes Maju Souza e Camila Márdila (que contracenou com Regina Casé em “Que Horas Ela Volta?”) foram recrutadas desse laboratório e dividem cena com rostos conhecidos da cidade como Murilo Grossi, André Deca, Iuri Saraiva, entre outros.
“Foi um processo muito rico porque estávamos lidando com talento puro, bruto, virgem, uma experiência gratificante”, elogia Ristum. “É realmente um elenco mirim deslumbrante. Em casos assim optou por me deixar contagiar”, emenda o galã Edu Moscovis.

Numa época em que boa parte do cinema nacional cada vez mais reverte altas somas em dinheiro em comédias rasas ou aventuras pretensiosas, e que o Polo de Cinema de Paulínia (SP), principal espaço de apoio de viabilização de filmes no país passa por uma crise de gestão, mais do que louvável que o público se delicie com uma história sincera e comovente cheia de reflexões sociais e humanistas.
“Já vi esse filme umas 40 vezes e não há uma só em que eu não me emocione. É uma das partes mais tristes, mas também mais definidora de minha vida. Em Brasília, no golpe de 64, com apenas 12 anos de idade, eu decidi o que faria da minha vida. E fiz”, emociona-se Luiz Fernando Emediato.

Edu Moscovis fala ao Metrópoles sobre sua participação no filme “O Outro Lado da Vida”:

Metrópoles – O que te motivou a aceitar o papel do Antônio nesse projeto e como foi a construção do personagem?
Eduardo Moscovis – Primeiro por ser inspirado numa história verídica. A forma como o diretor André Ristum se aproximou e como ele disse que gostaria de contar essa história também foi um fator importante. Estudamos a época para compor a caracterização do Antônio, mas o perfil emocional dele já me trazia muito alimento pra construí-lo.

Metrópoles – Antônio é um sonhador, um sujeito que acredita num país justo, fantasiando um lugar imaginário onde as pessoas possam viver num mundo melhor. Você não concorda que essa utopia não acaba refletindo um pouco os anseios do povo brasileiros?
Eduardo Moscovis – Sim! Somos sonhadores e otimistas. Que infelizmente podem ser características que contribuem para estarmos há tanto tempo sofrendo desse abuso interminável por parte das pessoas que nos governam…

Metrópoles – É a primeira vez que você trabalha com uma equipe de cinema de Brasília. Como foi essa experiência e qual é a sua relação com a cidade?
Eduardo Moscovis – Foi uma ótima troca. Tive a chance de conhecer Brasília de uma forma nova e adorei.

Metrópoles – Coincidentemente o filme, que fala sobre Golpe, será lançado justamente num momento político conturbado. Será um bom momento para o público que irá assistir ao filme refletir sobre a atual situação do país…
Eduardo Moscovis – Penso que esse é um filme que deve ser assistido independentemente do ponto vista. Os planos políticos e sociais estão implícitos no contexto.

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