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Onde está a felicidade? Da filosofia ao cálculo, experimente a sensação de um aluno da UnB

Crônica de uma manhã entre os anfiteatros da Universidade de Brasília

atualizado

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Bernardo Scartezini/Metrópoles
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1 de 1 IMG_2438 - Foto: Bernardo Scartezini/Metrópoles

Oito e dez da manhã de terça-feira. Um pouco cedo pra discutir problemas estruturais, certo? Bem, não se você estiver sentado, se abanando no suarento Anfiteatro 15 do Instituto Central de Ciências, o estimado Minhocão da Universidade de Brasília. A professora de “Introdução à Economia” já está a postos por ali. Retroprojetor ligado.

“Foi mal”, ela se apresenta, pedindo a palavra, interrompendo as conversas paralelas na sala. Os alunos se entreolham resignados. Dois deles desarmam os celulares por um momento. Uma garota cochila, sem melindres, debruçada sobre o tampo da carteira. Ainda cochilará um bocadinho mais. O tema desta manhã: desenvolvimento econômico e desigualdade social.

Vamos lá. “Como faço para atingir o desenvolvimento sem gerar desigualdade?”, se pergunta a professora, talvez por mero recurso de retórica. Pois ela mesma já trata de desencorajar os possíveis otimistas matinais que ainda morejem entre os rudimentos de macroeconomia para alunos do primeiro período. “Aqui a nossa decepção é chegar aos 42 do segundo tempo e perceber que não há resposta fechada para essa pergunta”, diz.

Crescimento econômico, medido pelo chamado Produto Interno Bruto, não é o mesmo que desenvolvimento econômico, esse tem a ver com uma tal de “qualidade de vida”. No abafado deste anfiteatro, sem ventilação ou ar condicionado, tipo um forninho ligado já às oito da matina, falar de qualidade de vida não soa como exercício de retórica, não.

Você prefere ter um país desenvolvido com alto grau de desigualdade ou um país assim nem tão desenvolvido e com mais igualdade social? Eis o dilema que se impõe. Até os mosquitinhos, que se espalham por todo o espaço aéreo do Minhocão, parecem voar em círculos diante dele.

Minhocão desanimado em fim de semestre: salas abafadas e questões severas
Minhocão desanimado em fim de semestre: salas abafadas e questões severas

 

Nunca descarte Descartes

Onde está a felicidade?, se pergunta a professora de “Introdução à Economia”, num tom entre a provocação e a capitulação.

Talvez seja o caso de buscar uma resposta ali ao lado. O Anfiteatro 16, por afortunada coincidência, está a receber justamente uma classe de “Introdução à História da Filosofia”. Sala bem vazia, não mais que 15 cabeças, como chega a ser comum neste momento do semestre. Quem economizou faltas durante o curso agora se permite ter outras prioridades. Quem já se estrepou de saída teve tempo para trancar disciplina.

A professora de filosofia está de pé, na frente da turma, com a cabeça baixa. Está a ler em seu celular algumas mensagens postadas recentemente por amigos que moram em Paris. Ódio, pavor e intolerância são temas frequentes de narrativas entre o poético e o trágico. Nada que ajude a amainar o clima quente de novembro.

Enquanto alguns de seus alunos se dedicam a uma aproximação mais pragmática à lista de frequência, assinando seu nome e saindo mais cedo, a professora desliga o celular e anuncia o ponto a que pretende chegar. Devemos voltar a Descartes para pensar questões do mundo moderno. O que diferencia uma vida humana em relação às outras experiências de vida?

Boa pergunta. Mas para responder a René Descartes, precisamos primeiro dar um oi para Aristóteles. “Pois o homem é o único ser em cuja vida está em jogo a felicidade”, postula a professora da UnB, postulava o filósofo grego. Para ir além da mera sobrevivência, o homem se organizou em sociedade e escolheu líderes. A igualdade entre os cidadãos (demus) está no fato de residirem em cidades (polis), o que é algo antinatural mas foi criado e aceito justamente para a busca da felicidade.

Aristóteles podia dar um pulinho lá no pessoal de “Introdução à Economia”.

Anfiteatro 12: arena padrão Fifa
O reformado Anfiteatro 12: arena padrão Fifa

 

A primitiva de X e a exponencial de X

Onde está a felicidade?, se pergunta Aristóteles nesta manhã. Perambulando pela polis amiúde tratada como Minhocão, seria impossível ao atento pensador ter deixado de notar a marolinha que escapa do CA de Sociologia. Aliás, se ele abrisse a cabecinha, poderia até descobrir toda uma nova possibilidade para o termo iluminismo que nem Descartes teve as manhas de antecipar.

As luzes do Anfiteatro 12. Ah, as luzes do Anfiteatro 12! Reformada sob a administração de José Geraldo de Sousa Junior e reaberta em abril de 2010, a feérica sala mereceu até plaquinha de inauguração em sua entrada. Constam dela os devidos créditos ao magnífico reitor, ao ministro da educação Fernando Haddad e ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Certamente os envolvidos não poriam seus nomes em pontos menos afortunados desta instituição, como o Anfiteatro 17, que o tadinho está no osso (foto no alto desta página). E, neste exato momento, o Anfiteatro 9, que já abrigou lendários shows da banda Os Wallaces na hora do almoço e cultuadas exibições de filmes de Afonso Brazza em VHS, hoje se encontra silencioso, de portas fechadas, ainda à espera de sua plaquinha comemorativa.

Assim, o Anfiteatro 12 é tipo o Estádio Mané Garrincha do ensino público brasiliense. Bater bola por ali cabe apenas a uma das milhares de turmas de “Cálculo I” que se multiplicam pelo Minhocão e se dividem em centenas de salas. Numa semana de UnB vazia, as aulinhas de “Cálculo” ainda garantem sucesso de público e renda.

“Cálculo I”, o rito de passagem dos destemidos estudantes que se aventuram pelo currículo de Exatas. Talvez sejam as luzes da sala, talvez seja o ambiente arejado, talvez sejam as carteiras novinhas, talvez seja apenas saudade do currículo de Humanas. Tudo ali soa um tanto fora do lugar para Aristóteles. Independentemente de quem você escolher para ser a constante K, os outros termos vão se cancelar. Então você ignora a constante neste estágio.

F(X) = G(X) + K – integral

A conta não fecha: sala cheia para Cálculo I, sala vazia para Cálculo III
A conta não fecha: sala cheia para “Cálculo I”, sala vazia para “Cálculo III”

 

“Tarde demais, tarde demais”

Onde está a felicidade? Bem, sem querer dar spoiler: a constante K de felicidade não atravessa todas as turmas de “Cálculo”, não. Basta fazer uma simples aritmética. Enquanto, no Anfiteatro 12, a aula de “Cálculo I” é prestigiada por 63 presentes, no Anfiteatro 18, a aula de “Cálculo III” se desenrola diante de meros 14 espectadores.

Difícil de o turista passar despercebido num ambiente controlado desse tanto. Assim que larga o giz no descanso do quadro negro e novamente se vira para a turma, o professor nota a presença de Aristóteles, sentado lá no fundão, tentando ser discreto, tentando acompanhar a equação pela metade.

Poxa. O professor fica visivelmente incomodado. Aponta seu relógio de pulso, que presume-se estar a marcar 11h20 naquele instante. “Tarde demais, tarde demais”, ele censura, mandando ir embora – e esperando que vá logo embora antes de retomar a equação pela metade. “Tarde demais.” Ele está correto de uma maneira que sequer pode imaginar.

Ora, onde está a felicidade? Melhor tentar numa aula de publicidade.

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