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Tragédia na Caixa: família quer investigação sobre elo entre morte de diretor e escândalo de assédio

Inquérito foi concluído há pouco mais de uma semana e tem indícios de que caso pode ter relação com as denúncias que abriram crise no banco

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Raimundo Sampaio/ESP. METRÓPOLES
A previsão inicial era que o auxílio fosse pago por três meses, mas a lei deu a possibilidade de prorrogação do benefício.
1 de 1 A previsão inicial era que o auxílio fosse pago por três meses, mas a lei deu a possibilidade de prorrogação do benefício. - Foto: Raimundo Sampaio/ESP. METRÓPOLES

Na manhã de 20 de julho, a coluna noticiou que um diretor da Caixa Econômica Federal foi encontrado morto na noite anterior na área externa do edifício-sede do banco, na região central de Brasília.

O caso chamou especial atenção. Semanas antes, reportagens publicadas também aqui haviam revelado casos de assédio sexual e moral envolvendo o então presidente do banco, Pedro Guimarães, que na sequência perdeu o cargo em razão do escândalo. Sérgio Ricardo Faustino Batista, o diretor encontrado morto, era o responsável direto pelo setor encarregado de receber e acompanhar as denúncias feitas internamente por funcionárias e funcionários que se sentiram assediados.

Tão logo foi chamada para atender a ocorrência, a Polícia Civil de Brasília registrou o caso como possível suicídio: o diretor de Controles Internos e Integridade da Caixa, de 54 anos, teria se jogado do andar onde ficava sua sala.

Ainda assim, como é praxe, um inquérito foi aberto para apurar o episódio. O objetivo era averiguar as circunstâncias da morte.

Os policiais se debruçaram sobre uma série de elementos capazes de dirimir eventuais dúvidas. Checaram imagens do circuito interno de segurança do prédio, periciaram os arquivos dos telefones celulares e dos computadores do diretor — inclusive os que eram de propriedade da Caixa — e colheram outras evidências tanto na área interna quanto na área externa do prédio, onde o corpo foi encontrado.

No último dia 10 de outubro, o inquérito foi finalmente concluído. O responsável pela investigação, delegado Alexandre Godinho Ribeiro, concluiu tratar-se realmente de suicídio. “As provas carreadas aos autos demonstram que Sérgio Ricardo Faustino Batista cometeu o suicídio ao se precipar do 7º andar do edifício onde trabalhava”, escreveu.

O relatório final diz ainda que “não foram coletados indícios de que a vítima tenha praticado o suicídio por induzimento ou instigação de outrem, muito menos restaram indícios de auxílio ou participação efetiva de qualquer pessoa durante a preparação ou execução dos atos que o levaram ao óbito”.

O resultado da investigação foi enviado pelo delegado à Justiça, como também é praxe em casos de morte violenta, com sugestão de arquivamento.

A família do diretor, porém, quer que a investigação seja aprofundada para averiguar indícios de que a morte pode estar relacionada ao escândalo de assédio na Caixa.

As mensagens e o tormento

O pedido feito ao Ministério Público por advogadas contratadas pela família de Sérgio Faustino Batista é baseado em elementos do próprio inquérito, segundo os quais ele começou a se sentir atormentado a partir da eclosão do escândalo.

Mensagens de texto encontradas pela perícia em aplicativos de mensagem do ex-diretor mostram que, ao mesmo tempo em que começou a considerar a possibilidade de dar fim à própria vida, em conversas com pessoas próximas ele se mostrava incomodado com questões que vinha enfrentando no trabalho — elementos que, somados a outros que aparecem a seguir, a família relaciona à crise interna aberta na Caixa a partir do escândalo, algo que envolvia diretamente a área comandada por Sérgio Faustino.

“Precisando de um abraço, um colo… Achei que não tava mais na fase, mas…”, escreveu ele a uma amiga. “O que tá acontecendo com você? Você gosta de viver!”, responde ela. “Tudo isso que tah rolando… Tah mexendo comigo”, escreveu Faustino em 3 de julho, cinco dias após a eclosão da crise que levou à saída de Pedro Guimarães do cargo.

Em outras mensagens (leia na galeria abaixo), com interlocutores diferentes, Sérgio Faustino diz mais sobre o momento pelo qual passava. “Tenho tido pensamentos ruins, tristes, negativos… e não quero compartilhar isso com ninguém. Esse não sou eu. Pelo contrário, sempre fui o oposto disso…”, disse ele em uma das ocasiões. Em mais uma mensagem, uma amiga responde: “Faça seu trabalho de forma ética e pronto”.

 

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Por si, as mensagens não são conclusivas. Mas a lista de pesquisas feitas pelo ex-diretor na internet nas semanas que antecederam a morte — e recuperadas pela perícia durante a investigação — tornam o quadro inquietante.

O pedido feito pela família para que a investigação seja aprofundada enumera também esses elementos como indícios que a morte de Faustino guarda relação com os desdobramentos da crise interna no banco — investigações em curso no Ministério Público indicam que Pedro Guimarães havia tido acesso, indevidamente, a denúncias feitas contra ele, sob sigilo, por meio dos canais internos do banco.

Buscas no Google sobre “acobertar um criminoso”

Um dia após Pedro Guimarães deixar o comando da Caixa, Faustino fez uma pesquisa nos seguintes termos: “Acobertar um criminoso procurado é crime?”. Com uma diferença de poucos minutos, buscou informações também sobre o crime de prevaricação — quando um funcionário público retarda ou deixa de adotar providências ao tomar conhecimento de irregularidades. Três dias depois, pesquisou decisões judiciais relacionadas a situações de “violação do segredo profissional”.

A lista de assuntos organizada em uma planilha pelos policiais e reproduzida no inquérito inclui, ainda, uma série de pesquisas relacionadas a suicídio.

Dois dias antes de morrer, Sérgio Faustino pesquisou sobre improbidade administrativa — ele queria saber sobre as penas e os prazos de prescrição. Uma última pesquisa sobre o assunto foi realizada na noite da morte.

No pedido feito ao Ministério Público para que a investigação seja aprofundada, a família de Sérgio Faustino reclama por não ter tido acesso, na Polícia Civil, à íntegra dos arquivos dos celulares e computadores dele que foram copiados pelos peritos. As advogadas pedem ao MP que garanta que os arquivos sejam preservados para novas averiguações.

Os questionamentos da família

A petição lista vários questionamentos sobre a investigação, a partir de pontos que, na visão dos familiares do ex-diretor, não teriam sido examinados a contento.

Falando em nome da viúva de Faustino, as advogadas observam que as mensagens e as pesquisas reproduzidas nos autos fazem “solidificar a certeza de que algo de muito sério atormentava seu marido e que passou a ser por ele fonte de preocupações desde o advento do midiaticamente batizado Escândalo de Assédio Sexual na Caixa envolvendo o então presidente, Sr. Pedro Guimarães”.

Eis alguns dos pontos levantados pelas advogadas Soraia Mendes e Ana Maria Martínez na peça dirigida aos promotores do Ministério Público:

  • “A vítima era um homem profundamente religioso. Tranquilo, bem-humorado. Reconhecidamente de conduta profissional ilibada. Não possuía dívidas. Sem histórico de doenças mentais, ansiedade, depressão. Irmão zeloso. Pai presente e cuidador. Filho atencioso e dedicado. E casado há 20 anos com a peticionária em um relacionamento marcado pelo amor, pela cumplicidade e, sumamente, pela lealdade.”
  • “De todas as buscas na internet realizadas pela vítima, o que realmente salta aos olhos é que dos dados extraídos constem de modo significativo, inclusive no dia de sua morte, em 19/07/2022, pesquisas reiteradas sobre improbidade administrativa, prevaricação, violação do segredo profissional e, de modo muito saliente, a busca sobre o possível acobertamento de criminosos.”
  • “Sem fazer qualquer afirmação, mas de, respeitosamente, compartilhar com Vossa Excelência interrogações, no caso da vítima, profissional reconhecidamente de integridade inabalável, não seria desonroso ver-se emaranhado em um escândalo de improbidade, prevaricação, violação de segredo profissional? Não seria vexatório, hipoteticamente falando, ter de acobertar um criminoso? Não seria insuportável imaginar ter na porta de sua casa agentes de polícia com mandados a serem cumpridos a título de uma – hipotética – operação decorrente da gestão da Caixa?”
  • “Todos esses acessos (a peça se refere, aqui, às pesquisas feitas pelo ex-diretor na internet) chamam atenção. Entretanto, em especial, é de se olhar com lupa a pesquisa à página “Acobertar um criminoso procurado é crime?”, realizada em 30/06/2022, às 22:51 – dia seguinte ao pedido de demissão do então presidente da Caixa, Pedro Guimarães, ocorrida em 29/07/2022, em meio à série de denúncias de assédio feitas por funcionários/as contra ele. Neste exato dia 30/06/2022 – algo que, desafortunadamente, não se tem como precisar se é objeto de investigação em outros expedientes – teria ocorrido, nas dependências da CEF, uma tensa reunião com integrantes das diretorias chamada e protagonizada por este mesmo Sr. Pedro Guimarães, àquela altura já não pertencente aos quadros da empresa.”

 

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Mistério: número de telefone transferido

A petição relata, ainda, que a viúva de Faustino levou ao conhecimento da polícia um episódio estranho que não foi incluído nos autos: o número do celular particular do ex-diretor da Caixa, que fazia parte de um plano familiar e seguia ativo mesmo depois da morte dele, de repente foi excluído pela operadora de telefonia.

Quando a família foi buscar explicações, recebeu a informação de que o número de Brasília havia sido transferido por portabilidade, e sem a devida autorização, para um usuário no estado do Piauí. Na sequência, a viúva de Faustino pediu o número de volta. Ela observa, porém, que nesse meio tempo as mensagens de WhatsApp e os e-mails do ex-diretor da Caixa podem ter sido copiados. As advogadas pedem que a transferência do número seja também investigada.

A coluna apurou que o Ministério Público está analisando o caso e decidirá em breve se acolhe o pedido da família para que as investigações prossigam.

Procurado, o delegado Alexandre Godinho, responsável pela apuração, disse que aguarda a manifestação dos promotores. “O Ministério Público vai se manifestar sobre o arquivamento ou não. Por enquanto é só aguardar. O caso é de suicídio (…) Estão querendo achar justificativas… Mas somente quem faleceu saberia informar. É suicídio clássico”, afirmou.

Por tudo o que há no inquérito, parece não haver dúvidas de que se trata mesmo de um suicídio. Mas pelo pouco que há nos autos sobre o que pode ter levado o ex-diretor da Caixa a tirar a própria vida, com indícios inquietantes de que questões internas do banco o atormentavam, é imprescindível que isso também seja devidamente analisado pelas autoridades — talvez até pelas autoridades federais encarregadas de investigar o escândalo de assédio.

Busque ajuda

O Metrópoles tem a política de publicar informações sobre casos de suicídio ou tentativas que ocorrem em locais públicos ou causam mobilização social. Isso porque é um tema debatido com muito cuidado pelas pessoas em geral. O silêncio, porém, camufla outro problema: a falta de conhecimento sobre o que, de fato, leva essas pessoas a se matarem.

Depressão, esquizofrenia e o uso de drogas ilícitas são os principais males identificados pelos médicos em um potencial suicida. Problemas que poderiam ser tratados e evitados em 90% dos casos, segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria.

Está passando por um período difícil? O Centro de Valorização da Vida (CVV) pode te ajudar. A organização atua no apoio emocional e na prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo, por telefone, e-mail, chat e Skype 24 horas todos os dias.

Arte/Metrópoles

O Núcleo de Saúde Mental (Nusam) do Samu também é responsável por atender demandas relacionadas a transtornos psicológicos. O Núcleo atua tanto de forma presencial, atendendo em ambulância, como a distância, por telefone, na Central de Regulação Médica 192.

Disque 188

A cada mês, em média, mil pessoas procuram ajuda no Centro de Valorização da Vida (CVV). São 33 casos por dia, ou mais de um por hora. Se não for tratada, a depressão pode levar a atitudes extremas.

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada dia, 32 pessoas cometem suicídio no Brasil. Hoje, o CVV é um dos poucos serviços em Brasília em que se pode encontrar ajuda de graça. Cerca de 50 voluntários atendem 24 horas por dia a quem precisa.

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