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Gero: uma síntese de respeito da culinária italiana clássica

Embora caros, os pratos do restaurante não se prestam à falsidade ideológica gourmet dos ingredientes baratos disfarçados de chiqueza

atualizado

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Rafael Lobo Zoltar/divulgação
rossini
1 de 1 rossini - Foto: Rafael Lobo Zoltar/divulgação

No Gero Brasília vislumbra-se Fasano, grife maior do império familiar dono do sobrenome incensado de melhor italiano do Brasil e da América Latina em muitas importantes listas, como na prestigiosa Birra Moretti Authentic Italian Restaurant Award. Trazer o Fasano em si à capital seria um risco grande demais, imagino. Veio o Gero. Nesses oito anos, a casa se estabeleceu como uma das cozinhas mais sólidas de Brasília.

Elegante, sofisticado, porém menos ousado e vultoso do que o Fasano, o Gero replica a consistência de serviço e comida somados ao próprio ambiente de tijolos aparentes, mesas espaçadas, coquetelaria bem disposta tangenciando o salão, uma área externa para encontros mais informais e uma carta de vinhos assertiva — e bem cara, como o mercado mesmo pratica insistentemente.

No entanto, não está livre de escorregadas. Um padrão incômodo assalta-me sempre ao final do serviço. Tão prestativos garços desaparecem à vista, água deixa de ser reposta e fica um tanto difícil de chamar a atenção para um cafezinho ou um digestivo. Em dias mais concorridos, de festividades (Dia das Mães, dos Namorados…), é um Deus nos acuda. Algo esperado da natureza do serviço brasiliense, o qual, infelizmente, o Gero se acostumou mal. Contudo, segue como um dos atendimentos a preservar certo rigor, sobretudo na comunicação do salão com a cozinha e na entrega e recolhimento de pratos.

Rafael Lobo Zoltar/divulgação
Ambiente interno do restaurante: um bom espaço para a coquetelaria e cadeiras confortáveis

 

Vencida a barreira de se encarar uma cancela de shopping para chegar até lá, o Gero costuma ser o restaurante que melhor sintetiza a diversidade da cozinha italiana clássica, com os produtos mais legitimamente originários possíveis: aceto de Modena, parmiggiano reggiano, trufa do Piemonte etc..

Ostentação aqui é a alma do negócio. Sempre hesitei em pedir, por exemplo, o prato mais simbólico do Fasano: filé a rossini. Pode ser bobagem, pode ser sentimento de culpa, mas, da última vez, me rendi ao charme outfit do filé-mignon alto sobre uma torrada, com uma fatia de foie gras mais outras de trufa negra ao molho de vinho Marsala. De guarnição, um mil folhas de batatas gratin e três miniaspargos laçados por fatias crocantes de pancetta (R$ 142).

Embora caríssimos, os pratos do Gero não buscam o truque, nem se prestam à falsidade ideológica gourmet dos ingredientes baratos disfarçados de chiqueza. Os elementos são dos mais simples: um bom caldo para os risotos, ótima massa, vegetais bem selecionados e frescos, peixes, carnes, cordeiro, camarão com fornecedores pinçados a dedo. Ao fim, um equilíbrio técnico e logístico para que a receita chegue à mesa incólume e padronizada.

Por isso que não há carpaccio como o do Gero (R$ 62), ao menos nas redondezas. Fatias finíssimas e bem temperadas, com notas de balsâmico e mostarda, sob parmiggiano reggiano ralado. Um probleminha menor, mas difícil de ignorar: a rúcula é fatiada na faca, permitindo certo grau de oxidação.

Do rol de entradas, a berinjela gratinada me parece uma das mais saborosas, pelo cozimento certeiro, o ótimo queijo e o molho de tomate assado acertado (R$ 55). Melhor do que a tal “sopa” de tomate. Embora bem temperada e fresca, carece de textura mais equilibrada. Trata-se de cubos do fruto vermelho fatiados grosseiramente sob lascas de bacalhau ao molho pesto.

Funciona, porém há melhores possibilidades. Um exemplo é a salada verde com frutos do mar ao vapor (R$ 95), com tempero suficientemente sutil para conferir sabor à alface e não apagar a delicadeza dos anéis de lula, camarões e lagostins.

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Às vezes, prefiro ir ao Gero só pelas entradas. Mas minhas últimas visitas tinham como meta passear pelo menu de principais, há alguns anos inalterado pelo visto. Imagino que teremos novidades em breve, com a saída do chef Ronny Peterson (nas vias de tocar um projeto próprio). Quem assumiu as caçarolas foi o chef Petí, ou Josivaldo Mariano. Restaurantes sólidos não se deixam abater com trocas de comando. Percebo isso por aqui.

Dentre as massas, a leveza do canelone de filé com fonduta de queijo (R$ 65) e o dulçor acentuado dos tomates frescos que compõem o espaguetine de frutos do mar (R$ 128) atestam a qualidade do pastifício à altura do Fasano.

Risotos também são quase exclusividade do Gero. Pouquíssimos acertam em Brasília. O clássico milanês, apenas com açafrão e parmesão, dignificam o rigor italiano, muito embora o ossobuco que compõe o prato tivesse chegado à mesa sem tutano e com um molho insosso, pouco reduzido e, por consequência, nada marcante (R$ 128).

Comer no Gero é um luxo. Luxo este criado a partir de códigos fundamentados pela manutenção de uma cultura gastronômica eurocêntrica, baseada em produtos de alto custo para aplacar os anseios da síndrome de vira-lata nacional e justificar um tíquete médio altíssimo. O debate pós-colonialista se impõe ao pensar no valor da comida em restaurantes como este. Basicamente, o Velho Mundo ditou e precificou os arranjos gastronômicos pelas bandas de cá. E nos acostumamos a isso. Mas nada nos impede de problematizá-los ou usurfrui-los.

Gero Brasília
No shopping Iguatemi Brasília, loja 22, CA 4, Lago Norte. Tel: (61) 3577-5520. 12h às 15h e 19h à 0h (sexta e sábado até 1h; domingo até 22h). Wi-fi. Ambiente interno e externo. Estacionamento com manobrista (do shopping). Desde 2010. 

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