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Uma volta pelo labirinto do artista José Roberto Bassul

Rasurar Arquiteturas reúne em uma mostra individual trabalhos próximos aos que ele já vinha apresentando nos últimos anos

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Bernardo Scartezini/Especial para o Metrópoles
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1 de 1 foto de abre - Foto: Bernardo Scartezini/Especial para o Metrópoles

A mostra fotográfica de José Roberto Bassul ora em cartaz na Referência Galeria de Arte, chamada Rasurar Arquiteturas, pode ser entendida como um reencontro do autor com Brasília – e consigo próprio.

Brasília, a nova capital, o acolheu ainda garoto, quando veio do Rio de Janeiro para cá acompanhando a mudança de sua família. E aqui encontrou um espaço propício, graças à horizontalidade da arquitetura e à peculiaridade do traçado urbanístico, para o desenvolvimento de certo olhar fotográfico.

Como ofício técnico e como expressão pessoal, José Roberto Bassul começou a dominar a fotografia ainda adolescente, a partir de um curso no Colégio Pré-Universitário. O garoto morava na 307 Sul e as aulas eram na 911 Sul. Ou seja, percorria cotidianamente uma cidade que, naquela época, entre 1972 e 1973, permanecia mui fiel ao planejado por Lucio Costa.

Como hoje pode entender e explicar Bassul, com o conhecimento e a desenvoltura adquiridos ao longo dos anos, Lucio Costa era um modernista, não era exatamente um concretista. Mas era principalmente um homem de seu tempo e por isso muito próximo a certo pensamento estruturalizante, geometrizante, que se fazia sentir em diferentes campos da arte e da cultura – e que se fez sentir na arquitetura e no urbanismo brasilienses.

Mesmo que esse conhecimento ainda lhe fosse distante na adolescência, o olhar treinado pela fotografia permitiu que compreendesse melhor a cidade ao seu redor. Ele se interessou de tal modo pelo que estava a retratar que, quando chegou o vestibular, entrou para a Universidade de Brasília para cursar a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.

“Eu era um arquiteto em formação, mas naquele momento me sentia também um fotógrafo movido pela geometria da cidade”, lembra Bassul. Quando sua câmera Pentax foi roubada e as oportunidades profissionais surgiram a partir da UnB, o caminho à frente lhe pareceu natural. “Fui viver minha vida de arquiteto, que começou com uma arquitetura que está no imaginário, com projetos e pranchetas, e terminou com a legislação urbana. Fui para a área de urbanismo. Fui um dos profissionais que participaram da elaboração do Estatuto da Cidade, promulgado em 2001.”

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Rasurar Arquiteturas reúne em uma mostra individual trabalhos próximos aos que ele já vinha apresentando nos últimos dois, três anos, dentro de coletivas em espaços como a Galeria Ponto, a Alfinete Galeria e a própria Referência.

A nova aventura de Bassul com a fotografia começou numa manhã de junho de 2015 em que ele acordou um pouco mais cedo do que o usual, tomou em mãos uma câmera digital e entrou no carro. Deixou a 309 Norte, onde mora, para tentar uma viagem de volta ao passado. Seguiu para a Asa Sul, a nossa cidade velha, o nosso bairro histórico.

Desde adolescente, Bassul guarda no imaginário os registros em preto e branco feitos por Marcel Gautherot, o fotógrafo francês que acompanhou a construção de Brasília como membro da equipe de Oscar Niemeyer. As imagens mais icônicas de Gautherot mostram os prédios da Esplanada ainda em construção, sejam como gigantes de concreto armado ou como fabulosas miragens a bailar na poeira do cerrado.

Bassul, no entanto, sempre preferiu outras imagens de Gautherot, bem menos conhecidas, bem menos monumentais, em que ele fotografou a futura cidade para além do centro do poder, fotografou suas primeiras superquadras, como a 108 Sul.

“Naquela manhã, eu queria rever imagens que me interessavam. Mas quando cheguei na 108, logo percebi que buscava algo que já não estava mais lá. Brasília mudou. Natural que isso tenha acontecido. As obras sociais são dinâmicas. E aquela ideia de uma cidade parque, de Lucio Costa, se tornou realidade. As árvores cresceram, subiram, tomaram conta da paisagem.”

Se não podia mais apontar a câmera para a frente, porque as árvores crescidas já estariam em meio à arquitetura, e muito menos apontar a câmera para baixo, porque os carros se sucedem a cada centímetro de meio fio, José Roberto Bassul apontou a câmera para o alto. Ocorreu-lhe então que a arquitetura brasiliense é como a de um labirinto. Pensou em Hélio Oiticica. E a superquadra se abriu como um penetravél de Oiticica.

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Dentro da história da arte, a arquitetura foi fundamental para o Renascimento. Através da conquista da perspectiva linear, uma técnica inventada e aprendida e aprimorada, os pintores puderam representar nas duas dimensões de uma imagem as três dimensões do espaço real.

Já em algumas das fotografias de José Roberto Bassul, ele parece se lançar no sentido oposto dessa trajetória, filiando-se a uma larga corrente da arte que vem desde o começo do século 20. Pois se, diante dele, diante de sua câmera, há um objeto tridimensional, o resultado de seu trabalho se torna uma imagem plana, sem perspectiva.

“Pode haver um componente ainda espacial, com planos e profundidades, do que eu chamo de labirinto, que eu percebia na superquadra simbolicamente, como um penetrável do Oiticica. Essa é a ideia que motivou minha pesquisa”, elabora Bassul. “Mas essa ideia inicial desemboca nisso que você percebe hoje, um minimalismo, um abstrato, em que o objeto da fotografia, que é o edifício arquitetônico, de certa maneira desaparece. Como se o labirinto fosse perdendo a profundidade. Os planos já não têm perspectiva e caem na bidimensionalidade, que é o foco em específico desta exposição.”

“E eu encontro uma aproximação com o Marcel Duchamp”, acrescenta Bassul. “Um dadaísta não gostaria de uma imagem geométrica e racional como estas são. Mas me refiro à ideia do fortuito, do casual, de valorizar o banal. Essa é uma ideia duchampiana, que a fotografia permite. Embora o resultado seja construtivista, concretista, a imagem não foi construída, ela foi encontrada. Então, se estes trabalhos não se tratam de objetos encontrados e deslocados, como Duchamp propôs, com toda sua originalidade, se tratam de imagens encontradas. E nelas há também um deslocamento, um deslocamento simbólico, em que o edifício desaparece.”

Desaparece para reaparecer depois. Trata-se de um processo de ir e vir. Assim como o fotógrafo, através de suas lentes, pode se aproximar e se afastar do objeto a ser retratado, Bassul percebe que, dentro de um ambiente de exposição como este na Referência, as pessoas se aproximam e se afastam – fisicamente – das fotografias nas paredes.

Há uma confusão de linguagens, acredita Bassul, que provoca esse movimento. Algumas pessoas, ele conta, ficam em dúvida se aquelas fotografias não seriam pinturas ou desenhos. Então é natural que a pessoa se aproxime da peça. Mais de perto, ela consegue enxergar na imagem detalhes do prédio original. Os vestígios construtivos, como diz Bassul. Pedaços de reboco, texturas de revestimentos, pequenas falhas da construção, desgastes provocados pela ação do tempo. Ou mesmo o fio-terra de um para-raio que desce lá do alto, contornando a face externa do edifício.

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Para dar mais gás a esse movimento, José Roberto Bassul e a curadora Graça Ramos dividiram as obras escolhidas para a mostra em pequenos grupos. Algumas fotos que, a princípio, não tinham sido pensada como séries, revelaram-se dentro do processo de montagem da exposição como complementares umas das outras.

De modo que, dentro da configuração de Rasurar Arquiteturas, Bassul e Graça salientaram algumas semelhanças e evidenciaram algumas recorrências. Em três peças, por exemplo, o efeito rítmico do preto e branco se torna mais evidente, as linhas ganham mais dinâmica. Já em um par de fotografias, o traço arquitetônico se torna tão sutil que a paisagem urbana evapora em abstracionismo.

Dessa safra de fotografias, apenas um trabalho foi desde o início pensado – e está de fato aqui apresentado – como conjunto. Trata-se do políptico Símiles#02. Em vez de pendurados na parede, como os demais, os cinco quadros que compõem esta obra repousam sobre um patamar, levemente inclinados.

Para fazer essas imagens, conta Bassul, ele radicalizou a ideia de apontar a câmera para cima. Deitou-se no chão e apontou para o céu. O que se se vê, portanto, são as silhuetas de dois edifícios vizinhos a emoldurarem o azul. Estava evidente para ele, desde aquele primeiro momento, que este não seria um trabalho para o preto e branco habitual.

“O preto e o branco se articulam por oposição, se prestam a enfatizar linhas. Já na cor, a diferença se dá por distinção, por contraste, não necessariamente por oposição. Aqui você tem o azul e o ocre. Transformando em preto e branco, provavelmente se verão cinzas muito próximos.”

O título da obra traz a expressão símiles por serem cinco fotos diferentes e que, num primeiro momento, parecem até iguais, apenas alteradas na apresentação.

“A ideia de diferença e similaridade me lembrou um pensamento do Boaventura de Sousa Santos. Ele diz que todos temos direito à igualdade quando a diferença significa discriminação e que todos temos direito à diferença quando a igualdade significa descaracterização. Não há nada de cunho social nessas imagens. Mas acho que elas se prestam a um discurso político, pelo menos para mim. As diferenças, quando postas em conjunto, fazem mais do que a unidade. É isso o que me move aqui.”

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Rasurar Arquiteturas segue em cartaz na Referência Galeria de Arte até sete de julho. Na manhã do sábado 16 de junho, 10h, José Roberto Bassul e Graça Ramos promovem visita guiada.

Antes disso, esta semana, na quarta-feira 6 de junho, às 19h, Bassul lança no restaurante Carpe Diem o livro Paisagem Concretista. Com textos de Graça Ramos e dele próprio, o volume reproduz farto material fotográfico desta sua pesquisa artística.

Paisagem Concretista leva o selo da editora Matéria Plástica, de Luis Jungmann Girafa.

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