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A reforma tributária só seria “histórica” se diminuísse os impostos

Não festejemos como “histórica” a reforma tributária feita para agilizar a cobrança de taxas por quem só quer separar você do seu dinheiro

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Ministro da Economia, Fernando Haddad, é entrevistado no estúdio do Metrópoles -- Metrópoles
1 de 1 Ministro da Economia, Fernando Haddad, é entrevistado no estúdio do Metrópoles -- Metrópoles - Foto: Vinícius Schmidt/Metrópoles

A aprovação da reforma tributária foi saudada pelos jornais como “histórica” — e ela virou também “histórica” para Lula no dia seguinte, que espertamente se apropriou do adjetivo.

Desde que entrou na pauta, a reforma tributária virou a panaceia para, se não todos, a maioria dos males brasileiros, como se fosse uma Lei Áurea que libertará as empresas de séculos de escravidão a um cipoal de leis e normas fiscais que infernizam a vida dos departamentos de contabilidade e emperram o desenvolvimento da livre-iniciativa.

Eu já tive uma empresa e sei bem como é um pesadelo adequar-se a regras fiscais não raro vagas, que variam de município para estado e de estado para União, e que mudam constantemente, embranquecendo os cabelos, quando ainda existem, dos contadores. 

O saldo final é que, mesmo quando você acha que está fazendo tudo certo, que a sua empresa se encaixou na alíquota certa, um fiscal qualquer pode dizer que você está fazendo a coisa errada, acusar a empresa de cometer irregularidade e cobrar multa. 

Para a organização fiscal das empresas, a reforma tributária é boa, não há dúvida. Irá tirá-las do chamado “manicômio fiscal” do sistema de arrecadação à base de puxadinhos. Pode até, veja só, diminuir um pouco os seus custos com contabilidade. Os entusiastas acreditam mesmo que as empresas brasileiras ficarão mais competitivas (duvido).

Os farmacêuticos do bolso alheio não param por aí no elenco alvissareiro: dizem que a reforma tributária ainda beneficiará o cidadão escorchado, porque, ao concentrar os impostos sobre consumo em apenas dois, que serão discriminados nas notas fiscais, como ocorre nos países desenvolvidos, ele finalmente saberá quanto está pagando de taxas a cada compra que faz.

Eles acrescentam, os farmacêuticos do bolso alheio, que não é porque teremos o maior imposto sobre consumo do mundo explicitado nas notas fiscais que pagaremos mais sobre o que compramos — a exorbitância já cobrada ficará apenas mais evidente. No campo do absoluto otimismo, isso seria bom porque, com informação clara, os pagadores de impostos poderão pressionar pela diminuição da carga tributária.

Está tudo muito bem, mas continuo a implicar com o uso do “histórico” para elogiar a reforma. Não é porque parecia ser uma miragem, depois de três décadas de procrastinação, que o adjetivo hiperbólico deva ser aplicado à reforma recém-aprovada. 

Ela seria mesmo “histórica” se diminuísse a carga de impostos — hoje, o brasileiro trabalha o dobro do que em 1980 para pagar impostos. Não vai diminuir. Vai baratear aqui, encarecer ali, e continuaremos pagando, na média geral, idêntica bufunfa aos governos. A simplificação ou modernização do sistema de cobrança de impostos foi feita para ser “neutra” nesse aspecto.

Na média geral, contudo, uns pagarão mais do que os outros. Nas leis complementares que darão nitidez à reforma, quem não contou com lobby para entrar no campo das exceções fiscais vai confirmar a regra de que, no Brasil, pode mais quem engraxa mais eleitoral ou financeiramente.

Quem abordou a reforma tributária “histórica” de maneira lúcida foi o empresário Sergio Zimerman. Ele disse a um jornal paulista:

“A aprovação dessa reforma, da forma como está, é a aprovação de uma carta de intenções, porque vai ter a fase das leis complementares, onde efetivamente vão ser feitas as contas. Aí a grande questão é, depois de tantas exceções e tantas desonerações, como vão parar em pé os setores que precisão ser onerados para pagar a conta dos que foram desonerados. Tenho uma preocupação do quão efetiva será essa reforma e entendo que a gente só esteja trocando de manicômio. Temos hoje um manicômio tributário e estamos entrando em um novo. Com a diferença de que o atual é conhecido e estamos indo para um desconhecido.”

Não comemoremos como “histórica” uma reforma que, a despeito das suas eventuais qualidades, foi feita para agilizar a cobrança de impostos por quem só quer separar você do seu dinheiro, sem dar nada em troca que realmente valha a pena.

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