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O cidadão sem Porsche morreu sem pedir desculpa ao cidadão com Porsche

Há dois tipos de cidadão no Brasil: o com Porsche e o sem Porsche. O cidadão com Porsche é mais cidadão que o cidadão sem Porsche

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Foto colorida de Fernando Sastre de Andrade Filho, acusado de homicídio após provocar um acidente com seu Porsche em alta velocidade - Metrópoles
1 de 1 Foto colorida de Fernando Sastre de Andrade Filho, acusado de homicídio após provocar um acidente com seu Porsche em alta velocidade - Metrópoles - Foto: Reprodução

Há dois tipos de cidadão no Brasil: o cidadão com Porsche e o cidadão sem Porsche. O cidadão com Porsche é mais cidadão que o cidadão sem Porsche.

Na madrugada do último domingo, em São Paulo, um “empresário” de 24 anos dirigia o seu Porsche “só um pouco acima do limite permitido”, em uma avenida na qual a velocidade máxima é de 50 km/h, quando, depois de uma ultrapassagem tão maravilhosa que até parecia que ele estava a mais de 100 km por hora, lhe aparece pela frente um motorista de aplicativo, de 52 anos, dirigindo um Renault devagar demais, coisa típica de pobre.

O coitado do cidadão com Porsche, que disse ter saído de uma rodada de pôquer, mas jura que não bebeu, não teve como evitar bater violentamente na traseira do carrinho do cidadão sem Porsche, que estava trabalhando. Resultado: ao invés de pedir desculpa ao cidadão com Porsche, o cidadão sem Porsche morreu de parada cardiorrespiratória.

Esse pessoal é mesmo de quinta. Felizmente, a mami do “empresário” correu para tirar o filho de lá, sem que se pudesse fazer teste de bafômetro no Lewis Hamilton. Mami disse aos policiais que acorreram ao local do acidente que o levaria ao hospital, mas não levou. Mami é porreta.

O cidadão com Porsche só reapareceu 38 horas depois para prestar depoimento na delegacia, com advogado e coisa e tal. Compreensível: o coitado tinha de se recuperar da morte do mal-educado que partiu sem nem sequer ter se desculpado por estar trabalhando durante a madrugada. Isso lá é hora de trabalhar?

Na delegacia, o cidadão com Porsche disse que não bebeu. Quem é que bebe à noite? Pergunta besta do delegado. E ainda queriam prendê-lo, vê se pode, dizendo que ele usou o carrão como arma, mas a Justiça negou a prisão temporária do rapaz de boa família, graças a Deus. Dá para imaginar um cidadão com Porsche na cadeia só porque matou um cidadão sem Porsche que estava no lugar errado, na hora errada, em sua vida errada?

Ao que consta, o cidadão com Porsche não demonstrou arrependimento. E por que demonstraria? Ele só matou um motorista de aplicativo, ainda por cima já meio velhusco. O mundo não perdeu nada, vamos combinar.

Deixemos essa coisa de arrependimento, condolências, humanidade, para o advogado, que é pago para isso. E também vamos dar logo um dinheiro à família do cidadão sem Porsche para ela parar de encher o nosso saco e a gente poder resolver essa história o quanto antes lá com o juiz.

E o meu carro, como é que fica, mami? Deve dar perda total, filho, sinto muito. Mas quem tem Porsche nunca fica sem Porsche, não se preocupe. É uma questão de cidadania, mami não contou para você?

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