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Assim fica difícil confiar no capitalismo

Você pode não confiar em governo. Você pode não confiar na polícia. Mas tem de confiar em banco e empresa listada em bolsa. Ou não?

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Você pode não confiar em político. Você pode não confiar em governo. Você pode não confiar na polícia. Mas você tem de confiar em banco. Você tem de confiar em empresa de capital aberto. Confiar não é gostar, veja bem. É apenas reconhecer que, sem banco e sem bolsa de valores, não existe capitalismo. Você também não precisa gostar de capitalismo. Mas é preciso aceitar que, com todas as injustiças que ele proporciona, não se inventou nada de melhor para substituí-lo como gerador de riqueza. Ou você acha que o Guilherme Boulos tem mesmo uma alternativa?

O capitalismo sofre os seus maiores abalos quando bancos  e grandes empresas de capital aberto quebram de morte quebrada ou quando bolhas especulatórias explodem. Foi assim em 1929 (Grande Depressão), em 1987 (Black Monday), em 2000 (bolha da internet) e em 2008 (subprimes). Agora, em 2023, estamos vivendo o pânico de que uma crise devastadora ocorra, iniciada pela quebra de dois bancos regionais nos Estados Unidos, o Silicon Valley Bank e o Signature Bank, em circunstâncias de temperatura e pressão ainda não completamente esclarecidas.

 

Como bancos regionais nos Estados Unidos são um troço enorme, todo o sistema bancário americano foi contaminado. Apenas na terça-feira, o conjunto de bancos dos Estados Unidos perdeu, em valor de mercado, o equivalente a uma Petrobras e a um Unibanco: 110,9 bilhões de dólares, de acordo com o cálculo da empresa TradeMap.

Não bastasse essa má notícia, o Credit Suisse, caixa-forte europeia, anunciou candidamente que havia identificado “fragilidades materiais” em seus relatórios financeiros dos últimos dois anos e que, portanto, estava revendo os seus números. Em um ano, o banco teve prejuízo de 7,3 bilhões de francos suíços, o maior desde 2008, quando a quebra do americano Lehman Brothers revelou as fragilidades e malandragens do mercado de crédito e arrastou o planeta inteiro para o abismo.

As “fragilidades materiais” do Credit Suisse estão para a Suíça, assim como as “inconsistências contábeis” da Americanas estão para o Brasil. Só que com alcance que vai muito além dos Alpes. Dizem que não dá para comparar, mas eu comparo, como jornalista simplório que sou. Analistas afirmam que, ao contrário do que ocorreu com a Americanas, o problema do Credit Suisse já era conhecido, que as taxas de juros eram assim e ficaram assado,  e que os sócios sauditas do banco jogaram a encrenca para o Banco Central da Suíça resolver. Tudo bem, mas o aspecto central é que o Credit Suisse chegou ao fundo do poço porque, depois de emprestar mais do que poderia, maquiou os seus resultados.

Ninguém sabe se novos esqueletos sairão dos armários. Se aparecerem outros esqueletos dançando por aí, as consequências podem ser imprevisíveis, como afirmou, em relatório, o senhor Larry Fink, CEO da BlackRock, a maior gestora de recursos do mundo. Espero, sinceramente, que esta coluna já esteja afogada por um mar de tranquilidade quando for publicada.

O dado impressionante é este: eu e você não podemos sair fora da linha com o nosso dinheirinho depositado em bancos ou investido em ações. Mas bancos e grandes empresas de capital aberto podem fazer o que querem com o dinheirão que lhes foi entregue. Eles são capazes de esconder e de manipular os números dos seus balanços, apesar de toda a regulação a que estão submetidos.

No caso dos bancos, podem até mesmo inventar produtos financeiros fajutos e vendê-los para milhões de incautos, como ocorreu em 2008, com as hipotecas americanas que foram sendo repassadas num esquema parecido com o da pirâmide de Bernie Madoff, aquele salafrário que era reverenciado em Wall Street e em Washington.

A crise de 2008 teria resultado em controles maiores dos governos sobre os bancos, mas a quebra de duas instituições bancárias americanas e a historieta contada pelo Credit Suisse mostram que, se há controles mesmo, eles são insuficientes. Ou que tem governo fechando os olhos para safadezas. Ou as duas coisas.

Se, para confiar em banco e em empresa listada em bolsa, é preciso confiar em governo, fica difícil confiar no capitalismo, vamos combinar. Aconselho que os capitalistas parem de fazer como os chefes de estatais soviéticas, que embelezavam números para fingir que haviam atingido as metas, ou vai ter mais gente acreditando que o Guilherme Boulos tem mesmo uma alternativa. O pessoal esquece.

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