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Cinco por Infinito tem ilustrações ousadas e conteúdo ultrapassado

O sci-fi do espanhol Esteban Maroto ganhou reedição luxuosa no Brasil

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1 de 1 metropoles_5por_infinito_capa_banner - Foto: Reprodução

O que pode ser identificado como “alienígena” em cada época humana? Uma pequena radiografia da ficção científica desde suas raízes no século 19 ajuda a entender por que imaginamos os seres de outros mundos de maneira tão distinta a cada mudança científica e cultural. Em 1897, H.G. Wells retratou os marcianos como seres repugnantes, com tentáculos. Em 1902, Georges Méliès representou os selenitas como peixes meio humanoides e tribais. Em 1968, Arthur C. Clarke concebeu os alienígenas como seres intangíveis, feitos de pura energia.

Logicamente o imaginário sobre esses “intrusos” varia de acordo com o contexto cultural e os avanços tecnológicos. Produzimos os fantasmas que a ciência nos permite enxergar. Isso me deixou instigado no volume que compila toda a série em quadrinhos Cinco por Infinito, do espanhol Esteban Maroto (editora Pipoca e Nanquim, 2018, em luxuosa edição de 500 páginas). Surpreende a maneira com que esse componente alienígena foi abordado.

Cinco por Infinito começou a ser publicado na Espanha em 1967, e foi o que catapultou a imensa carreira de Esteban Maroto, conhecido como um dos mais maciços ilustradores de ficção fantástica, tendo feito trabalhos para editoras como Marvel, Warren, DC, Bonelli, etc. Seu estilo realista, com acabamento rococó e grande habilidade imaginativa para detalhar cenários e seres estranhos, virou escola. Porém, numa mera folheada por este imenso volume, percebe-se que a qualidade minuciosa de suas ilustrações ainda está longe de ser superada.

 

 

 

O livro reproduz integralmente os 21 capítulos da série (que foi até 1970), sendo um deles inédito. A simplicidade da história pode causar impressões de estranhamento sobre a maturidade conceitual desses quadrinhos: um alienígena chamado Infinito, último de sua raça e possuidor de uma avançadíssima tecnologia, recruta (meio aleatoriamente) cinco terráqueos (três homens e duas mulheres) para se tornarem seus “Exploradores do Espaço”, com as missões de descobrir, apaziguar e estudar raças extraterrestres pelo cosmo. Em cada episódio, estes exploradores vão se deparar com espécimes alienígenas, salvar donzelas, combater tiranos, em aventuras que ainda devem às mescla sword and sorcery/sci-fi de Flash Gordon, um quadrinho publicado 30 anos antes.

A questão é: em alguns, aspectos, Cinco por Infinito tem ousadia, como no design das roupas dos personagens, na fauna alienígena imaginada (seus animais têm chocante vivacidade), no aspecto lisérgico dos cenários e no vigor dos movimentos. Suas linhas de ação parecem gases voláteis, e, mesmo em meio a histórias ingênuas que não nos comunicam mais muita coisa, os desenhos de Maroto são um portal para uma experiência real e imersiva, imortais como um colosso grego.

Não é absurdo entrever um parentesco entre Maroto e Guido Crepax, o mestre italiano que trouxe a arte óptica aos quadrinhos. Ambos abusavam e aproveitavam das silhuetas humanas (especialmente femininas) para fazer berrar a estética dos anos 60. Maroto ainda tem o mérito de antever o descomunal (e hoje até um tanto kitsch) imaginário de arte fantástica dos anos 70, que estende seu espectro desde o sombrio horror cósmico de Phillippe Druillet até as cafonas capas de disco do Manowar.

Um detalhe interessante, e aí retorno ao início deste texto, é que Maroto geralmente imaginava seus extraterrestres como perfeitamente humanoides, quando não completamente humanos. Alguns se parecem com homens paleolíticos, outros com guerreiros turcos, outros com japoneses do período Tokugawa. Assim como, em Flash Gordon, o imperador Ming (basicamente um chinês) representava a epítome do mal enquanto um homem loiro e atlético fazia sua antítese heroica, aqui a ideia de extraterrestre ocupava tudo que parecia estrangeiro, remoto, longínquo. O exótico em Maroto parece estranhamente ordinário, e o impulso ao desbravamento do espaço é frustrado por um cosmo um tanto quanto desinteressante.

Vamos lembrar que outra produção da época, a série Star Trek (que começa em 66), por mais que colocasse os alienígenas em forma humana, procurava instigar no espectador questões antropológicas, paradoxos científicos e até dilemas filosóficos. Ou seja: não precisamos chegar em 2001 uma Odisseia no Espaço (de 1968) para antever o quão longe a ficção pop já tinha ido em termos de concepção de ideias alienígenas. Para ficar nos quadrinhos, Valerian, clássico francês que também nasce em 1967 (e foi transformado num filme esdrúxulo por Luc Besson) é outro que explode em criatividade conceitual.

Cinco por Infinito foi publicado no Brasil, em volumes de formato grande, pela editora Ebal no início dos anos 70. Aos poucos, foi virando objeto de culto, e hoje esses gibis valem uma boa grana em sebos e lojas virtuais por aí. A republicação do Pipoca e Nanquim retira o véu de obra misteriosa e antológica, e acaba revelando, sim, um artista estupendo, portador de uma criatividade visual que deriva até mesmo de Gaudí.

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Porém, a qualidade narrativa, a psicologia dos personagens e até a visão da ficção científica – mesmo se comparadas a produtos pop da mesma época ou ao subgênero mais light da space opera – não tem qualquer consonância com o entretenimento contemporâneo. Com suas mulheres que emulam perfeitas pin-ups dos 60’s e heróis infalíveis oriundos de um imaginário de cavalaria, Maroto permanece, em 2019, um escultor de estátuas de mármore.

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