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Blade of the Immortal consegue ser filme autoral e fiel ao mangá

Longa do idiossincrático diretor japonês Takashi Miike traz adaptação estilizada da série de HQs assinada por Hiroaki Samura

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1 de 1 blade_metropoles_banner_capa - Foto: Divulgação

Já há algum tempo meus dedos coçavam para escrever a respeito da adaptação que o diretor trash/cultuado Takashi Miike realizou em 2017 do arrojado/longevo mangá de samurais Blade of the Immortal, de Hiroaki Samura. O filme participou do Festival de Cannes em 2017, e ainda não chegou ao Brasil. Considerem isso, portanto, um texto off-topic.

Para quem não conhece Miike, pode-se dizer que ele representa a força bruta do cinema japonês contemporâneo. Seus filmes são ultraviolentos, imorais, perturbadores. Ajudam a compor o fascinante (e por vezes ultrajante e repulsivo) lado obscuro da cultura nipônica. Meus favoritos são Audition (Ōdishon,1999), um brilhante horror que contrasta cenas de normalidade com outras de agonizante tortura; e Ichi, O Assassino (Koroshiya Ichi, 2001), um filme de yakuza carregado numa espécie de demência sadomasoquista. Ambos extremamente agressivos aos estômagos mais sensíveis.

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Miike é também um diretor prolífico, obsessivo como o alemão R.W. Fassbinder. Blade of the Immortal, para se ter uma ideia, é seu centésimo filme. Já Hiroaki Samura, autor do mangá, hoje quase um cinquentão, tinha jeito de enfant térrible quando, em 1993, começou a contar a história de Manji, um samurai que é sempre ressuscitado por vermes imortais e que precisa ajudar a jovem Ryn a cumprir uma sangrenta história de vingança. Foi publicado no Brasil primeiro pela Conrad, e depois pela JBC.

A série, completada apenas em 2012 (no trigésimo volume), jogava às favas as tradições do jidaigeki (gênero de histórias de samurais), queimava as páginas do código bushido e oferecia ao leitor gordurosas cenas de violência, por vezes (aí está a graça) misturadas à contemplação poética e lições filosóficas.

O mangá Blade of the Immortal é primoroso em misturar seu gore com a arte dinâmica, volátil e realista de Samura. Verdadeiro mestre tanto do lápis quanto do nanquim. Seu uso de sombras, quadros em detalhe e poses tornam a leitura do quadrinho um painel vívido de movimento e sensualidade. Vale destacar a beleza quase sobre-humana de todos os seus personagens, e a influência do gênio Goseki Kojima (de Lobo Solitário) nas velozes e indecifráveis cenas de ação.

Como todo bom mangá seinen (voltado para jovens adultos), Blade tem suas origens no gênero gekigá, que foi desenvolvido nos anos 50 para dar tons realistas e pessimistas às histórias em quadrinhos japonesas. No filme, Miike aborda o aspecto mais escalafobético da história, com seus personagens bizarros inspirados em bandas de punk e metal, transformando a narrativa numa série interminável de confrontos sangrentos. Em determinado momento, me senti como se estivesse vendo os Cavaleiros do Zodíaco enfileirando um a um, na porrada, os cavaleiros de ouro.

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Não que o filme seja ruim. Pelo contrário, presta respeito ao imaginário (do enredo, à indumentária e aos enquadramentos) do mangá. Porém, e isso talvez seja interessante, ele é também inteiramente Miike. A primeira sequência é a melhor de todos os seus 200 minutos de duração: em límpido preto e branco, Manji ganha a imortalidade ao assassinar, sozinho, 100 oponentes, mostrando-se, porém, incapaz de salvar a própria irmã. O épico grotesco do diretor anuncia o que virá: decapitações, desmembramentos e sangue espirrado com todo tipo de criatividade.

Blade of the Immortal, o filme, revela o quão preciosista Miike pode ser ao abordar a violência em minúcias, com cenas espetacularmente bem coreografadas misturadas a um hábil e desamarrado uso da câmera. Seu olhar é atento a uma estética que pensa a narrativa conforme estava na HQ, e visualmente é uma das matanças mais estilizadas já vistas numa película de samurai.

O mangá, por outro lado, não é apenas um simples banho de sangue. Talvez tenha sido um erro de Miike querer adaptar a história completa em apenas um filme. Neste sentido, a clássica série de filmes do Lobo Solitário com Tomisaburo Wakayama, meio exploitation e bastante 70s, se sai melhor. Muito mais alongada, a série em HQ tem sutileza, espaço para respirar e parábolas morais desafiadoras. A superioridade do quadrinho, no entanto, não impede que o filme cumpra suas funções como entretenimento que privilegia sua própria mídia e dê nuances ainda mais fortes ao estilo autoral de seu idiossincrático diretor.

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